Topo

Prefeituras precisam ver favelas como parte da cidade, diz historiadora

Pâmela Carvalho, historiadora e comunicadora da Redes da Maré - Divulgação
Pâmela Carvalho, historiadora e comunicadora da Redes da Maré Imagem: Divulgação

Carina Martins

Colaboração para Ecoa, em São Paulo

17/07/2020 11h06

Segurança, transporte e mobilidade, abastecimento de água, problemas ambientais - algumas das maiores questões que afetam o cotidiano das pessoas não podem ser resolvidas em âmbito local "em hipótese alguma", diz o arquiteto e urbanista Fernando de Mello. Os caminhos para solucionar esses e outros problemas - como potencial de financiamento e uso ótimo dos recursos - passam pela união de municípios. Essa é uma das conclusões dos debatedores da mesa "Governança e financiamento - Cidades não se fazem do improviso. Como torná-las menos desiguais?".

Essa é a terceira live do ciclo "Novas Cidades 2021", promovido pelo CAU-BR e transmitido por Ecoa.

Para Fernando, problemas de maior abrangência territorial dependem de ação organizada entre as cidades. E isso ainda precisa ser muito trabalhado. Ele elogia o sistema de planejamento urbano existente no Brasil, "relativamente sofisticado do ponto de vista do marco legal". Mas se um instrumento forte e complexo como o Estatuto das Cidades deixa de alcançar seu potencial diante de problemas ed implementação, a coisa piora muito no caso da organização entre municípios, já que o Estatuto das Metrópoles não tem a mesma potência. "A construção de uma governança metropolitana é um enorme desafio colocado para o Brasil como um todo", afirma.

Claudio Bernardes, presidente do Secovi - Divulgação - Divulgação
Claudio Bernardes, presidente do Secovi
Imagem: Divulgação

O engenheiro Claudio Bernardes destaca que mesmo para obtenção e bom uso de financiamento, a ação em rede entre municípios é fundamental. Ao mesmo tempo em que cidades médias e pequenas muitas vezes sequer têm capacidade plena de estruturar departamentos dedicados a planejamento e estruturação de projetos complexos - e assim conseguir recursos e construir políticas públicas -, cidades de uma mesma região ou território podem estar gastando mais do que precisam. "Existem complementaridades municipais que podem fazer com que as cidades economizem muito", afirma.

"Precisamos fazer consórcios em todos os níveis", diz o deputado Joaquim Passarinho (PSD/PA). Ele usa um exemplo da área da saúde: "se você tem um consórcio entre municípios, pode ter um médico especialista em uma cidade, outro de outra especialidade contratado por outro, com um quadro completo dentro do consórcio. Assim, pode gastar mais objetivamente e ter uma saúde de qualidade".

Foi usando ações em rede entre favelas que comunidades como Complexo da Maré, no Rio, e Paraisópolis, em São Paulo, ambas com mais de 100 mil moradores, conseguiram tem taxas de mortalidade por Covid-19 significativamente mais baixas do que as capitais em que estão inseridas. "Quanto mais estruturada uma comunidade, melhor a resposta", diz Fernando, que participou desse levantamento.

A historiadora Pâmela Carvalho participa da construção de metodologias desse tipo dentro do Complexo da Maré, como, por exemplo, o Censo da Maré. "Esse entrelace entre a sociedade civil organizada a partir de movimentos de favela com setores do poder público, nesse lugar de apoiar favelas que já tenham um lastro maior de movimento social, e principalmente criar metodologias em conjunto, tem sido um ponto que é muito importante para pensar junto com o Estado políticas públicas de incidência territorial", afirma. Ela defende uma mudança de paradigma dos governos municipais desde a abordagem: em vez de pensar políticas para as favelas, pensar com as favelas.

"É necessário que as prefeituras enxerguem os territórios de favela como parte da cidade", diz. "As favelas não são inseridas na ideia de cidade como um todo quando se planeja a cidade. É preciso olhar menos pra favela como um problema, como um elemento separado da cidade".