Pandemia une grupo da zona leste de SP contra fome nas ruas
Dividindo a calçada com os passos apressados dos trabalhadores que circulam pela região central de São Paulo, arredores da praça da República, algumas pessoas acomodam seus colchões, pertences e vidas na lateral de um edifício. Atrás delas, é possível ler a frase "lave as mãos", escrita em um pedaço de papel colado na fachada do prédio.
Ao se deparar com a cena, logo no início da quarentena, o engenheiro Anderson Ronielly, 30, se sensibilizou com a situação e compartilhou com amigos do bairro onde mora, em Cidade Tiradentes, zona leste da capital, o desejo de ajudar pessoas que estão enfrentando a pandemia nas ruas.
Poucas semanas depois, conseguiram doações e voluntários, que hoje integram o grupo Quarenteners do Bem. São 22 pessoas mobilizadas para, ao menos uma vez por semana, distribuir marmitas e cobertores na região central da cidade e no bairro de Cidade Tiradentes, onde a maior parte dos integrantes do grupo vive. É a primeira vez que Ronielly participa de um projeto social.
O analista de marketing Jackson Vasconcelos, 33, conta que há alguns anos doa roupas para pessoas em situação de rua. Em uma dessas ações, sentiu-se tocado ao ver um homem vasculhando o lixo em busca do que comer. "As pessoas são esquecidas mesmo, abandonadas. Uma refeição e atenção faz a diferença", diz.
Na rua, contra a fome
O preparo das refeições é feito geralmente por quatro membros do grupo, de acordo com a disponibilidade de seus integrantes. Quem costuma comandar as panelas são as professoras de ensino infantil e irmãs Caroline Santos, 33 e Tainan Santos,32, que levam cerca de quatro horas no preparo das quase cem marmitas.
"Crescemos vendo gente nas ruas, mas estar mais próximos deles e conhecer um pouco mais da realidade é uma experiência muito forte. Em alguns momentos a sensação é de incapacidade. Ao mesmo tempo, é bom saber que conseguimos ajudar mesmo com pouco e ver a felicidade deles quando oferecemos algo diferente, como uma refeição ou uma sobremesa gostosa que há muito tempo não comiam", comenta Caroline.
Foi por conviver de perto com essas pessoas que ela também quebrou alguns pré-conceitos. "Eu acreditava que mais pessoas em situação de rua faziam uso de drogas e de bebidas alcoólicas. Esse estereótipo caiu por terra, porque a quantidade de pessoas que vemos nessa situação é pequena", relata.
Tainan, que sempre trabalhou em Centros de Educação Infantil da rede municipal na periferia da capital, diz que é a primeira vez que se envolve em um projeto social, mas sempre tentou ajudar famílias dos alunos que necessitam de apoio financeiro, orientação, roupas e calçados.
A analista financeira Ana Karolina Ramos, 32, conta que também teve sua visão acerca de quem vive na rua transformada nesse período. "Eu vi muitas pessoas que a única saída foi a rua ao se assumirem homossexuais; casos em que o responsável deixou num orfanato e, quando atingiu a maioridade, a pessoa não teve para onde ir; idosos sem família. Tenho certeza que todos do projeto mudaram", conta.
Ao ver a filha Nina Passos, 37, professora da rede municipal, ajudar no projeto, a cuidadora de idosos Ronaildes Alves dos Santos, 57, também sentiu a necessidade de colaborar. Para não se colocar em risco, sendo diabética e hipertensa, ela resolveu cozinhar o feijão das refeições. "Minha filha não deixou eu ir e eles gastavam muito tempo cozinhando, pois têm poucas panelas. Esse é meu jeito de ajudar, faço com carinho e bem caprichado", diz ela.
Para Passos, participar das ações também foi perceber as falhas do Estado.
Se as políticas públicas fossem encaradas com seriedade, a vida na comunidade seria muito melhor, pois percebo que mesmo sendo tão pouco, o que fazemos muda o dia de alguém
Nina Passos, professora da rede municipal
Por meio da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, a Prefeitura afirma que desde 23 de abril tem ocorrido a distribuição de marmitas produzidas pelos estabelecimentos credenciados no Projeto Rede Cozinha Cidadã. Segundo a pasta, foram distribuídos 600.010 refeições e 21.000 snacks orgânicos de uma marca. Entre os locais contemplados está a região da Sé, por concentrar população em situação de rua. Outras regiões onde tem ocorrido a distribuição são a Mooca, Lapa, Vila Mariana, Santo Amaro, Pinheiros e Santana. Há 69 estabelecimentos produzindo as refeições, recebendo R$ 10 por marmita da Prefeitura.
Toda ajuda é bem-vinda
O projeto Quarenteners do Bem foi formado por um grupo de amigos e se mantém a partir de doações. Atualmente, a principal dificuldade é encontrar voluntários para as entregas e o preparo dos alimentos. "É uma tremenda e complexa logística no processo todo", diz Anderson Ronielly.
Ronielly afirma que é difícil encontrar pessoas interessadas em ajudar por ser um trabalho duro. A maioria do grupo mora na zona leste de São Paulo e é comum chegarem em casa após as 2h, incluindo as pessoas que ajudam no preparo dos alimentos desde as 14h. Para saber como ajudar como voluntário ou colaborar financeiramente, envie uma mensagem na página do projeto.
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