Vencedor do Oscar quer criar 'cápsula do tempo' para mostrar 2020 no futuro
Após assistir horas de vídeos caseiros enviados por milhares de pessoas de 189 países para a montagem de seu documentário colaborativo "A Vida Em Um Dia", em 2010, o diretor escocês Kevin Macdonald conta que saiu com mais fé na humanidade. "Percebi como eu era pessimista. Ver essas gravações sobre o que importa na vida das pessoas me fez ter uma visão muito mais positiva sobre todos nós", afirmou o cineasta escocês em entrevista a Ecoa.
Dez anos depois, e com mudanças nos panoramas político e social, bem como em nossos hábitos — passamos a nos filmar muito mais, por exemplo —, Macdonald faz agora um novo convite para interessados do mundo todo participarem da sequência do longa-metragem, um projeto do YouTube Originals com produção-executiva de Ridley Scott e Kai Hsiung. Para isso, os participantes devem filmar a si mesmos no próximo sábado (dia 25/07), refletindo sobre temas que lhes são caros neste momento de mudanças extraordinárias provocadas pelo coronavírus (veja como participar em: lifeinaday.youtube).
Uma seleção das melhores gravações será feita para compor a narrativa do longa "A Vida Em Um Dia - 2020", que será lançado no Festival de Sundance em 2021 e ficará disponível no YouTube. "Será uma cápsula do tempo para mostrar no futuro o momento pelo qual passamos hoje", afirma o cineasta.
Diretor de filmes de ficção (como "O Último Rei da Escócia" e "Intrigas de Estado") e de documentários (como "Whitney" e "Munique, 1972: Um Dia em Setembro", este último, premiado com o Oscar de Melhor Documentário em 2000), Macdonald falou sobre suas expectativas em relação ao novo projeto, suas lembranças do Brasil e as pesquisas que está fazendo para um longa-metragem sobre tribos indígenas isoladas da Amazônia.
Ecoa - Você imaginava que a sequência de "A Vida Em Um Dia" seria feita num momento histórico como esse, quando o mundo inteiro parou, assolado por uma pandemia?
Kevin Macdonald - Foi coincidência. As pessoas me falam: "Ah, você deve ter decidido fazer isso agora por causa da Covid-19 e de todas as questões políticas que estão acontecendo nesse momento". Mas a verdade é que já falávamos sobre isso há bastante tempo. Gostamos tanto de ter feito o primeiro filme que achávamos que seria interessante fazer outro, mostrando como o mundo mudou. Também queríamos revisitar alguns dos personagens de 2010 e saber o que estão fazendo hoje.
Vínhamos discutindo isso e, em março, falamos: 'Hum, a Covid chegou, mas em junho já terá passado e, em julho, podemos fazer'. Mal sabíamos que a doença iria dominar o mundo e, estranhamente, o mundo se uniria em torno dela
Kevin Macdonald, cineasta
Você disse que não quer ver a vida de Instagram das pessoas e, sim, a vida real. Que tipo de histórias você busca?
Adoraria que as pessoas filmassem o que está acontecendo de mais importante na vida delas hoje. Pode ser alguma batalha que estejam travando, o fato de ter que lidar com a morte de uma pessoa amada ou elas indo participar de um protesto e mostrando por que estão ali. Pode ser simplesmente mostrar a vida delas dentro de casa e o que importa para elas agora, como, por exemplo, cuidar dos filhos e ter momentos de diversão com eles. Como em qualquer filme, o que interessa são os momentos de drama, de humor e de emoção. Emoção é a palavra-chave. Momentos emocionantes são aqueles que provavelmente entrarão no filme final. Claro que imagens bonitas são ótimas, mas queremos cenas que tenham algo a dizer.
Há dez anos, você recebeu vídeos de milhares de pessoas falando sobre seus medos e afetos. A que conclusão você chegou?
A grande lição que tirei do primeiro filme é que, em todo mundo, as questões que importam são basicamente as mesmas. Em 2010, pedimos para os participantes responderem a perguntas simples: O que você ama? Do que você tem medo? O que guarda no bolso da calça?
A natureza das coisas que importam à maioria é a mesma: o desejo de não ficar sozinho, o desejo de ser amado, o medo da violência, o medo da morte. Esses são os pilares. Essa doença, a Covid-19, mostra isso. Nossas vulnerabilidades são as mesmas, não importa quem somos ou onde estamos
Kevin Macdonald, cineasta
Quais foram as histórias mais extraordinárias que você recebeu?
Tem muitas que ficaram na minha cabeça. Uma delas é a de um pai com o filho num pequeno apartamento no Japão. À medida em que a história avança, percebemos que a mãe do garoto morreu e o menino diariamente dá "Bom dia" a ela, num altar em sua homenagem. É bonito e comovente. Tem outra nos Estados Unidos, de um garoto que se barbeia pela primeira vez com a ajuda do pai. É engraçada e também fala daquilo que temos em comum. Todo garoto em algum momento tem que aprender a se barbear e é uma sorte ter um pai ao lado para ensinar.
Como estão os contatos com as pessoas que participaram do filme original?
Algumas mudaram de e-mail ou telefone, mas estou falando com todas que consigo. Um dos prazeres do filme será ver como elas estão hoje. Tem uma mãe que enfrentava um câncer e o filho tinha 7 anos na época. Ele era terrível, como é uma criança quando está assustada, no caso dele, com medo de perder a mãe. Outro dia escrevi para eles, a mãe está curada do câncer e o garoto tem 17 anos.
Como a forma como filmamos a nós mesmos mudou?
Estamos muito mais acostumados a nos filmar hoje, temos a câmera do celular o tempo inteiro nas mãos, nos comunicamos por meio de vídeos, então todo mundo se tornou cineasta. Mas espero que venham retratos honestos das pessoas e não de como elas gostam de representar a si mesmas nas redes sociais.
Você esteve no Brasil algumas vezes. Que lembranças tem do país?
Adoro o Brasil, tenho amigos brasileiros. Fui pela primeira vez acho que em 1996 ou em 1997. Eu fazia parte do júri do festival É Tudo Verdade, em São Paulo. Foram dias ótimos e ainda mantenho contato com algumas pessoas. Depois voltei para dar um curso em São Paulo, houve uma retrospectiva dos meus filmes, parte de um festival [Cultura Inglesa Festival, em 2017]. Nesse momento estou trabalhando na produção de um filme no Brasil. Espero voltar em breve. Era para eu ter ido no mês passado.
Sobre o que é esse filme?
Sobre uma tribo indígena que vive no Vale do Javari, na fronteira amazônica com o Peru. Fui para lá dois anos atrás e passei um tempo com eles. Fica num lugar remoto, com tribos isoladas. É um filme de ficção.
O que você gostaria de receber de gravações do Brasil para o "A Vida Em Um Dia"? Alguma pessoa ou algum lugar em especial?
O Brasil é o país mais diverso que conheço, é como um continente inteiro em um só país. Então adoraria ter um pouco dessa diversidade representada: imagens de índios na fronteira do Brasil com o Peru, de cenas urbanas de São Paulo, de trabalhadores numa fábrica, de gente jogando futebol. E também o senso do que é importante nesse momento. Talvez sejam questões políticas, sei que o Brasil passa por um momento político complicado, então gostaria de ver pessoas explicando porque elas acham que seus valores estão ameaçados, se for o caso.
Acha que essa pandemia vai inspirar as pessoas?
Num documentário, temos que fazer o filme com aquilo que recebemos. Você não tem muito controle, ainda mais num projeto como esse. Pode ser que a gente receba um material incrível porque muitas pessoas estão em casa e isso inspira a reflexão. Apesar de estarmos passando por tempos sombrios, acho que novamente vamos receber um material que vai nos surpreender positivamente.
As pessoas podem estar assustadas, se sentindo sozinhas, passando por dificuldades financeiras, mas, em geral, elas desejam o melhor para quem está ao redor delas
Kevin Macdonald, cineasta
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