Para escalar o Everest, Aretha Duarte está mudando o mundo a seu redor
Transportai um punhado de terra todos os dias e fareis uma montanha, disse Confúcio. No caso da guia de montanha Aretha Duarte, 36 anos, moradora da periferia de Campinas, é preciso um pouco mais do que isso. Sua meta é chegar ao topo do Everest, uma empreitada que requer não apenas técnica, mas também um investimento de aproximadamente R$ 250 mil, apenas para bancar a parte terrestre.
Para realizá-la, decidiu recolher e vender o material reciclável que encontrava nas imediações do Jardim Capivari, bairro onde mora no interior de São Paulo. Com isso, conseguiu dar um destino melhor a quase uma tonelada de "lixo" que, se não fosse recolhido, teria sido descartado no meio ambiente.
Desde o início de abril, quando começou o projeto #ArethaNoEverest, ela recolheu mais de 350 quilos de papel e 400 quilos de plástico oriundo do descarte de uma fábrica de palmilhas. "Encho o porta-malas do carro e chego a fazer duas ou três viagens em um dia até o ferro-velho que compra os recicláveis", conta Aretha, que conheceu o montanhismo quando cursava a faculdade de educação física, em 2004. "Assistimos a uma palestra e eu fiquei entusiasmada com a possibilidade de trabalhar com esportes outdoor."
A partir daí, ela passou a integrar a equipe de uma operadora de montanhismo, fez curso de escalada em rocha e em 2011 entrou para o quadro de guias da empresa. Em janeiro de 2012 foi pela primeira vez ao campo base do Aconcágua, na Argentina, a 4.300 metros de altitude e, mais tarde, teve a oportunidade de ir até o campo base do Everest.
No final do ano passado, vendo fotografias de uma expedição à montanha mais alta do mundo, a imagem do Vale do Silêncio deixou-a arrepiada. "Imagine um vale nevado extremamente longo. Naquele dia eu disse: 'quero estar lá'", conta. "Apesar de entender que é um valor distante do que eu tenho, decidi que quero estar nessa montanha, que eu tenho esse direito e é um sonho que eu vou realizar."
Até hoje apenas 25 brasileiros já chegaram ao cume da montanha nepalesa, sendo apenas cinco mulheres —nenhuma delas era negra.
Mirei o cume do Everest e estou alcançando muito mais do que isso
A experiência no ambiente muitas vezes hostil das montanhas mais altas despertou em Aretha o poder da resiliência e da paciência. Atualmente ela dedica entre três e quatro horas por dia de segunda a sexta à atividade de recolher e vender material reciclável, além de 10 horas no sábado e 8 horas no domingo.
Durante o processo, percebeu que seria importante envolver as pessoas da comunidade. "Percebi que elas têm pouca cultura de separação de lixo", diz. "Expliquei o que era reciclável e orgânico e combinamos de passar a semana separando material. Com o dinheiro da venda eu compro flores para a rua onde moramos, que tem 28 casas. Elas estão começando a entender a importância da sustentabilidade e seu potencial de rentabilidade financeira."
Mesmo não tendo ainda escalado os 8.848 metros do Everest, Aretha considera estar em um processo transformador. "Além de uma transformação pessoal, tudo isso transformou também a minha família, que está motivada e engajada. Como mulher negra, me tornei referência em muitos aspectos."
Posso alcançar algo e inspirar as pessoas a alcançar também
"É muito incomum ver negros na montanha", continua Aretha. "Apesar de sermos maioria no Brasil, somos minoria na montanha. O montanhismo é entendido como um esporte elitizado e a maior parte dos negros está nas periferias. Sinto que é uma missão fazer essa escalada acontecer para que as pessoas se sintam representadas."
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