Volta ao trabalho tem check-in em app e divisórias de vidro entre baias
Mesmo com as mais de 120 mil mortes registradas na pandemia, a vida nas grandes cidades brasileiras tem voltado aos ares de normalidade com retomada do trabalho presencial e movimentação dos espaços físicos das empresas de diversos segmentos. Em mais de 170 municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes o fluxo de pessoas foi igual ou 10% menor do que no período anterior à pandemia de Covid-19, de acordo com dados do Google.
Ainda assim, retornar ao escritório pode trazer aos colaboradores a sensação de medo, para as empresas a necessidade de adaptações, com novas dinâmicas de higiene, distanciamento social e mudanças no layout de mesas, baias e postos de trabalho em geral.
De acordo com levantamento feito pela consultoria Vendrame, essa é ainda uma realidade distante de ser alcançada. Segundo os dados enviados à reportagem, dos nove mil negócios analisados, apenas 35% das empresas estão em busca de produtos e serviços voltados para a biossegurança dos espaços físicos. O estudo também apontou que 65% dos empreendimentos não estão seguindo a Portaria nº 20, publicada em junho e que estabelece normas de segurança para mitigação do novo coronavírus e todos os cuidados para a não infecção.
Como apps e tecnologia podem ajudar o retorno ao escritório
Foi pensando justamente nesse momento de retorno ao espaço físico que a plataforma Where, criada pelas empresas Bolha, estúdio de tecnologia e soluções digitais, e a Questtonó consultoria de inovação e design, oferece um serviço para controlar o fluxo de funcionários e auxiliar a gestão do espaço físico, facilitando a visualização de quem está em home office ou no escritório, por exemplo, e de quais mesas estão ocupadas ou vazias, e quais delas precisarão ser desinfetadas.
"Criamos alguns gatilhos dentro da interface. Um deles é ter um weblink para fazer um check-in e um check-out no ponto de trabalho. Ao mesmo tempo é possível marcar um local no app para mostrar que ele precisa ser higienizado. Após a desinfecção, o espaço volta a ser marcado na plataforma como um dos disponíveis", explica Nagib Nassif, CEO da Bolha e CTO da Questtonó.
Nassif também lembra que o home office será cada vez mais normalizado e aponta que algumas das possibilidades da plataforma é justamente auxiliar nessa comunicação entre colaboradores remotos", comenta o CEO. Além de mostrar quem está em home office ou na empresa, a ferramenta permite trocar mensagens e agendar um horário no refeitório ou nas salas de reuniões.
Para o sociólogo Fábio Mariano Borges, doutor em Sociologia pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e especialista em tendências e mercado consumidor, a preocupação com a higiene constante, será cada vez maior no futuro. "As práticas de higienização serão reforçadas, haverá quase uma obsessão pela higienização, pelo menos até termos a cura", comenta.
Ele lembra ainda os deveres das organizações neste contexto. "O escritório é fora da sua casa. Esse ambiente assume uma responsabilidade pela saúde e terá que se esforçar ao máximo [para garantir essas condições]. Em curtíssimo tempo, tudo será visto como benefício. As empresas colocarão na contratação que tudo é higienizado e desinfetado, por exemplo", explica.
Essa também é uma aposta da empresa Teleinfo Soluções, que criou opções para empresas encararem a volta ao espaço físico e investiu em cabines que além de checarem a temperatura, irão conferir o uso de máscaras logo na entrada dos prédios. "Assim surgiu o totem self-checking. A solução poderá atuar na recepção de clientes, controle de acesso e portaria virtual, seguindo a tendência a do 'no-touch' que ganhará cada vez mais força", explica Luciana Cartocci, diretora executiva da Teleinfo Soluções.
Para Cartocci, a ideia é tentar deixar esses momentos um pouco mais discretos e menos invasivos. "A imagem de uma pessoa com um termômetro apontado para a testa de clientes e funcionários é bastante invasiva. Com o totem self-checking, o usuário realiza a liberação da entrada de forma muito mais privativa e discreta", defende.
A preocupação com as normas sanitárias também é uma realidade na Associação Brasileira de Automação-GS1 Brasil, que instalou túneis de desinfecção, uma área separada para receber delivery e outras entregas, demarcou limites de espaços nos elevadores, além de ter colocado barreiras de acrílico nos postos de trabalho. "As pessoas precisam se sentir seguras e acolhidas para desempenharem suas funções. É claro que sempre haverá a preocupação quando saímos de casa e aumentamos nosso contato com outras pessoas. Por isso, investir em medidas que zelem pela segurança e que auxiliem no distanciamento social foi fundamental", comenta Virginia Vaamonde, CEO da Associação.
O norte-americano Dan Schawbel, fundador da Workplace Intelligence, que estuda tendências e ajuda empresas a se adaptarem para o futuro, enxerga que neste momento de pandemia de Covid-19 a ideia de estar seguro irá pesar mais.
"A segurança é mais importante para os funcionários do que conseguir uma promoção e é mais importante para os candidatos a emprego do que oportunidades de desenvolvimento. Organizações que atendem aos padrões de segurança criam a confiança necessária para trazer os funcionários de volta ao trabalho com eficácia", explica Schawbel a Ecoa.
O impacto do "novo normal" na dinâmica do trabalho
Se por vezes a expressão "novo normal" é usada para definir os desafios que passamos a enfrentar todas as vezes que saímos às ruas desde a pandemia, para o sociólogo Fábio Mariano Borges, conviveremos com esses hábitos recém-adquiridos com a normalidade com que escovamos os dentes. "No final do século 19, veio o hábito de escovar os dentes. No início do século 20 passou a ser três vezes ao dia. Agora, depois de qualquer refeição. Já convivemos com esses hábitos higienizadores", comenta.
Mas Borges alerta que tentar definir tudo como um "novo normal" é um erro. Quando vi a expressão do 'novo normal' eu achei horrível. O normal é você ser obcecado por limpeza? Não é normal nem anormal, é o que temos que cumprir", comenta.
Se manter distância podia parecer estranho no começo, com o tempo a ausência de contato começará a ser visto como uma prática, além de segura, também amistosa nos ambientes empresariais, acredita o sociólogo.
Nesse sentido, o chamado "safe design" tem sido uma alternativa entre algumas empresas que estão aplicando esses novos layouts em seus escritórios. A empresa de locação de móveis corporativos Riccó viu crescer a demanda de mobílias focadas em biossegurança. Só nesse período, já atenderam cerca de 32 projetos e implementaram doze deles. "A expectativa é que até o final do ano esse número seja cerca de 80 projetos", comenta o diretor Fábio Riccó.
Bancadas altas instaladas nos postos de trabalho e espécies de cabines individuais dão a impressão de um mundo futurista que preza pela privacidade e em que o contato passará a ser cada vez mais restrito. "As medidas físicas acontecem para mitigar riscos e vencer o impulso natural do ser humano de puxar uma cadeira para sentar próximo demais de um colega durante uma reunião. As pessoas querem suprir a falta de contato, sabemos disso. A maioria dos divisores solicitados são em vidro", comenta o diretor da empresa.
Por que temos pressa em voltar?
Ainda que algumas empresas tenham aderido com facilidade ao home office, esse não foi um cenário absoluto no Brasil. O sociólogo Fábio Mariano Borges defende que essa pode ser uma herança histórica atrelada à construção do que entendemos como trabalho. "A cultura de gestão do Brasil é extremamente arcaica e tende a evitar tudo que é online. Temos uma cultura intensa de pessoalidade, excesso de conversas, reuniões. A gente tem uma memória nostálgica de armazém, em que as pessoas batem papo. O momento de conversa é tido como uma humanização. Em outros países isso é um tanto diferente, há um culto ao tempo", explica.
Para o sociólogo, também podem existir, inclusive, vestígios de uma lógica escravagista. "Essa é uma herança mental de casa grande/senzala, o que senhor da casa grande falava? 'Onde estão meus pretos?' Hoje o gestor quer saber: 'Onde estão meus funcionários?'", compara.
Borges também enxerga que mesmo em home office, ainda há uma questão de vigilância constante em algumas empresas, que ainda se atrelam a modelos de trabalho presencial, que exigem as oito horas de trabalho. "Não se leva em conta se o sujeito prefere trabalhar de madrugada e entregar todo o trabalho e dormir o dia todo, ainda há muito essa ideia de cumprir o horário", comenta.
O consultor Dan Schawbel vê o home office com olhar crítico. Em seu livro recém-lançado no Brasil "De volta para as conexões humanas", (Editora AlfaCon), o autor aborda como o distanciamento e uso de tecnologias também podem nos isolar e defende que é importante ter contato presencial com os parceiros de trabalho.
"Embora a tecnologia tenha potencializado o local de trabalho remoto, ela também pode ser uma barreira entre pessoas e equipes. É por isso que é importante usar a tecnologia e, quando for seguro fazê-lo, encontre-se pessoalmente porque nada substituirá isso", diz.
No entanto, Schawbel alerta que as empresas devem criar planos de retorno ao trabalho que incorporem precauções de segurança necessárias para que os funcionários se sintam protegidos. "A comunicação face a face permite que os trabalhadores criem confiança com mais rapidez e aprofundem suas relações de trabalho, que os ancoram à empresa, proporcionam um sentimento de pertencimento e impulsionam sua produtividade", comenta.
Foi pensando nisso que a Gondim Albuquerque Negreiros Advogados trocou o prédio com estilo comercial padrão, por um imóvel com três andares que tem mais áreas abertas, janelas amplas e espaços destinados ao relaxamento e reuniões. Para o sócio Gustavo Albuquerque, esse movimento foi necessário para criar dinâmicas mais acolhedoras.
"O escritório não resistirá à comparação com o home office e não conseguirá se prestar a desempenhar seu novo papel se não for um grande ponto de encontro entre pessoas que trabalham para o atingimento de objetivos comuns", diz Albuquerque.
Enquanto isso, o escritório deu a seus colaboradores a escolha de voltar ou não ao trabalho. "Nossa política de retomada das atividades presenciais já está atrelada ao desejo de cada um, uma vez que não tivemos queda de desempenho com o trabalho realizado integralmente de forma remota", explica o sócio Gustavo Albuquerque.
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