Adolescente alvo de racismo vira influenciadora e quer alcançar mais jovens
Impressiona a desenvoltura e a maturidade com que Fatou Ndiaye, de 15 anos, comenta sobre os casos de racismo que viveu na vida e os planos que tem para o futuro. A jovem ficou conhecida em maio deste ano quando colegas da Escola Franco-Brasileiro, em Laranjeiras, onde estudava na zona sul do Rio de Janeiro, trocaram mensagens no Whatsapp a tratando como uma pessoa escravizada. O caso teve grande repercussão, impulsionado por celebridades saindo em apoio à jovem e, sem querer, Fatou se viu uma influenciadora nas redes.
No Twitter, são mais de 44 mil seguidores, no Instagram passa de 74 mil. Apesar da pouca idade, ela tem plena consciência do poder que agora tem nas mãos. A adolescente criou o quadro Quintas com Fatou, em que entrevista nomes do quilate de Taís Araújo, Thelma Assis, Juliana Alves e Erika Januza.
"Eu sou filha de pais africanos que moram no Brasil. Como é uma família de acadêmicos, os debates raciais sempre foram presentes em papo de jantar. A gente sempre conversou sobre esses assuntos. Desde pequena, meu pai sempre contava as situações que passou na época de graduação. E porque passei por vários casos de racismo, sempre tive esse apoio familiar quando isso acontecia. Meus colegas falavam coisas extremamente racistas. Houve falas direcionadas para mim, em 2014, quando eu tinha 9 anos, e eram coisas bem pesadas. Esses casos aconteciam, anualmente, na mesma escola. Eu tinha sinalizado, mas eles tentam se esquivar", lembra.
Com a repercussão, ela e a família decidiram que seria melhor mudar de escola. Em tempos de pandemia, a adolescente tenta se adaptar ao novo colégio com a educação virtual. Diz que, como ficou um mês sem aula, sofreu um pouco para alcançar o conteúdo, mas já se sente à vontade com os novos colegas, ao que credita sua facilidade em se comunicar. O estudo é sempre prioridade entre os compromissos, mas ela já se enxerga e se organiza como produtora de conteúdo para planejar postagens, repercutir assuntos que estão no trending topics, e responder aos pedidos de entrevistas. E conta com amigos para dar conta do calendário. Convites para parcerias com marcas de beleza, moda, comida e até petshop estão sendo analisados.
Para criar o conteúdo, ela conta que faz muita pesquisa e tenta transformar temas densos em uma linguagem mais fácil, que seja mais bem assimilada pelos seguidores. Seu objetivo é disseminar a cultura africana, mais especificamente do Senegal, e falando de jovem para jovem.
Fatou acredita que sua geração é subestimada pelo mais velhos, e reforça que debate assuntos espinhosos com frequência com colegas de sua idade no WhatsApp. Com um trabalho consistente, viu crescer o apoio por meio de mensagens privadas e a construção de uma rede que facilitou chegar nas estrelas convidadas de suas entrevistas. Ela conta que a conversa com Taís Araújo a marcou.
"Quando fiz a live com a Taís [Araújo], ela deixou uma lição valiosa, de como o jovem negro perde a infância e a inocência por ter que ser preocupado com questões raciais", lembra. "No fundo, por ser uma mulher negra e ter passado tanta coisa, me tocou um pouco. A sociedade não me deixa preservar minha inocência."
Apoio dos pais e fã de Katiúscia
A adolescente diz que sempre conversa com os pais sobre os conteúdos que quer fazer, as pessoas que deseja entrevistar. As decisões são tomadas em conjunto, sem censura alguma.
Quando perguntada quais influenciadoras tem como referência, ela diz que os exemplos começam em casa, com as mulheres de sua família, mas destaca a filósofa, acadêmica e influenciadora Katiúscia Ribeiro, com quem conversou no episódio final da primeira temporada de Quinta com Fatou.
A adolescente mira em conteúdos para desmistificar a África, criados não só em português, mas também em inglês e francês, e diz que tem menos haters do que esperava. De qualquer maneira, não está preocupada com eles:
"Haters são pessoas racistas na essência. Não ligo tanto assim se discordam e me chamam radical, de querer guerra entre pretos e brancos. Não fico tão ligada assim", conta. Ela também defende não ser uma enciclopédia para pessoas não-negras, seu foco é a juventude negra. "Eu acredito que não estou aqui para educar. Nenhum preto tem [isso] como lição de vida. Ser racista é uma escolha; a gente não tem que perder tempo ou recursos com isso. A minha missão é promover o debate dentro da comunidade negra, e tentar trazer mais jovens. Educar racista não é uma prioridade minha. Quem quiser mudar, tem o Google pra isso".
Ela, no entanto, tomou alguns cuidados para evitar dores de cabeça. Assim que estourou na internet, decidiu apagar suas postagens anteriores para preservar a intimidade e evitar cair na "cultura do cancelamento". Antes de ir parar na televisão, Fatou admite que postava sem pensar, acreditando que seriam três amigos que iriam ler.
A jovem reforça ainda que as pessoas estão em constante mudança, e que já não é a mesma de seis meses atrás. A influenciadora testa novas ferramentas para criar conteúdo educativo sobre a história da África e compreende a importância de pessoas como ela ocuparem esse posto.
Fatou morou de 2007 a 2010 no Senegal e, todos os anos, passa até quatro meses no país. Com isso, vê que o brasileiro tem uma visão preconceituosa e estereotipada que resume o continente africano a florestas e elefantes. Sua missão, ela conta, é apresentar um pouco dos grandes intelectuais e perspectivas sobre desenvolvimento sustentável, por exemplo.
"Acredito que precisamos usar essa ferramenta a nosso favor. Vejo que muita gente não entende o poder da internet. No momento que começarem a entender que é essencial para qualquer luta de causa, a gente vai conseguir ver mais influenciadores como eu. Estudar é importante. Para não falar alguma coisa e ser cancelado, é importante você estudar", diz.
Apesar de demonstrar muita aptidão para ser comunicadora, sua carreira acadêmica deve seguir pela área saúde. Os planos por enquanto são estudar medicina na França, provavelmente com uma especialização em ginecologia ou obstetrícia. "Sou uma pessoa de biológicas e exatas", conta rindo, para em seguida prometer levar a comunicação consigo para onde estiver.
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