Brasileiros têm soluções contra Covid-19 selecionadas em desafio global
Estudantes, professores e profissionais brasileiros de design tiveram soluções de enfrentamento à Covid-19 selecionadas em um campeonato global. As soluções envolvem desde o desenvolvimento de protetores faciais que podem ser montados pelo próprio usuário, já em desenvolvimento, uma tenda modular para apoio de escolas até aplicativos capazes de fazer a integração entre comunidades, poder público e entidades sociais.
A iniciativa, chamada Design for Emergency, foi lançada pelo Center for Design da Northeastern University, de Boston, e está recebendo trabalhos de 11 países. No Brasil, a ação foi batizada de Desafio Internacional Semeando Ideias, coordenada pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) e pelo Museu da Casa Brasileira (MCB). Ao todo, a versão nacional levou cerca de um mês, desde o lançamento até a divulgação do resultado, e contou com 40 propostas que buscavam mostrar como o design poderia ajudar a população durante e após a pandemia. Vinte projetos foram aceitos e publicados na plataforma aberta do Design for Emergency.
Sob licença Creative Commons, as soluções podem ser implementadas em qualquer país. Esse tipo de licença permite que os projetos sejam compartilhados de forma livre e gratuita, desde que os créditos sejam atribuídos aos seus autores.
Na prática, as propostas buscam responder a anseios, medos e experiências da população relacionados ao coronavírus, relatados em uma pesquisa com mais de 2 mil pessoas no Brasil.
Dos 20 projetos selecionados, seis são de estudantes da USP. As proposições foram divididas em quatro categorias - segurança física; suporte comunitário, experiências compartilhadas; e bem-estar e saúde mental.
Totem inclusivo
Mestrando em Design na FAU-USP, Laercio Marques, de 37 anos, participou do concurso com três propostas, uma individual e duas em coautoria com colegas. Todas foram selecionadas. Ele conta que um dos trabalhos teve como foco a inclusão. Ele e os colegas Vanderlei Prado e Cristine Brondani criaram o Bee Totem, um totem de informações que não precisa de toque para ser acionado e pode ser usado por adultos, crianças, idosos, deficientes visuais, além de cadeirantes.
"É algo que poderia funcionar em colégios, praças, shoppings e que funcionaria com um sensor de presença física, que seria ativado com a aproximação das pessoas, e lançaria mensagens por som", explica o designer. Além de "polinizar" informações, como Marques comenta, ao fazer referência a abelhas - bee, em inglês -, o totem poderia receber sensor térmico para fazer medição da temperatura do usuário. As informações contidas no aparelho também poderiam ser customizadas.
Outra solução proposta por Marques, desta vez desenvolvida em co-autoria com a colega Maria do Rosário Gonçalves Mira, doutoranda no Programa de Pós-graduação em Design na USP, foi o Salve!, aplicativo que faria ponte entre moradores de comunidades periféricas e órgãos governamentais. A ideia surgiu de um cruzamento que Maria do Rosário fez com a pesquisa realizada pelo Design for Emergency e dados de outras pesquisas, como levantamentos da USP, Unicamp e institutos de pesquisa social. Foi observada, então, a existência de uma lacuna de interesse e necessidade, a realidade de pessoas em situação de vulnerabilidade social. O nome do dispositivo faz alusão à saudação nessas regiões e, também, ao potencial da ferramenta em ajudar a salvar vidas. Seria uma plataforma de comunicação que permitira atendimento de acordo com as necessidades da população. Isso incluiria, por exemplo, o monitoramento de casos de Covid-19 e remoção em situações de emergência, além de cadastramento para doação de cestas básicas, alimentos e materiais de higiene.
As informações seriam compartilhadas com o poder público. "Na prática, seria um aplicativo que reuniria grupos comunitários e um moderador, com quem as pessoas trocariam informações. Os líderes poderiam ajudar pessoas com mais idade ou dificuldades de locomoção a ter apoio médico quando preciso", pontua Marques.
Ele ainda desenvolveu, junto com Beatriz Futlik e Marcelo Marciano, uma proposta de aplicativo, o 1ma.mao, para atender, por meio de inteligência artificial, pessoas que desejam ter hábitos alimentares saudáveis e sustentáveis na pandemia. O usuário, após cadastro e indicação de três ingredientes que tem em casa, receberia sugestões de receitas, além de como aproveitar as sobras dos alimentos. "Foi surpreendente conseguir emplacar os três. É muito gratificante, sentimos que estamos fazendo nossa parte, mesmo vivenciando o isolamento social. Fico na torcida para que os projetos possam ser replicados", afirma o mestrando.
Apoio à vacinação
Também é da USP o projeto de posto temporário de vacinação. Os autores da proposta, Bruna Vasconcellos, Edmur Yorikawa, Igor Grasser, Maria Carolina Farah Nassif de Moraes e Patrick Morais, todos estudantes de Arquitetura e Urbanismo, já vinham desenvolvendo o projeto ao longo do primeiro semestre, como atividade de uma disciplina. Atentos às especulações sobre a vacina contra o coronavírus e de que forma essa campanha de imunização poderia ocorrer, eles pensaram em um posto para atender, temporariamente, áreas mais densas ou periféricas das cidades. O posto volante de vacinação seria um apoio às Unidades Básicas de Saúde (UBS's), aproveitando a rede de energia e água já existente e podendo ser transportado em veículos urbanos de carga (VUC).
"O grande diferencial desse projeto é que cada posto pode ser fácil e rapidamente montado, contendo o mínimo necessário para executar uma campanha de vacinação segura, em um ambiente aberto para a circulação de ar e sem aglomeração de pessoas", destaca Bruna Vasconcellos, de 23 anos. Cada posto teria 9 metros quadrados e conseguiria armazenar até 3.200 vacinas por vez. Os estudantes estimam que um VUC comportaria quatro postos volantes.
Bruna assinala que ainda é necessário um detalhamento mais aprofundado para levantar o custo por unidade do posto volante, mas acredita que a implementação não demandaria um valor elevado. As unidades seriam feitas de estrutura metálica e revestidas com policarbonato alveolar, materiais disponíveis no mercado. "Comparado ao custo de construção de um posto fixo, o posto móvel se mostra muito mais econômico. O fato de ele poder ser transportado e reutilizado em outras campanhas de vacinação futuras também oferece vantagens", reforça a estudante.
Mãos limpas na escola e no transporte público
Dois projetos da região Sul têm como foco a higienização. Em Curitiba (PR), uma "pulseira gomo" feita em silicone, adaptável ao pulso de crianças e adultos, busca incentivar a higienização das mãos, principalmente no ambiente escolar. O material, que também pode ser usado como chaveiro ou pendente, tem capacidade para 8 ml de álcool em gel ou sabão líquido - aproximadamente 10 usos.
O produto começou a ser desenvolvido em março, por professores e estudantes de graduação e pós-graduação do Setor de Design da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em parceria com a empresa OUS, do setor de calçados. "Na nossa pesquisa, concluímos que o ideal era focar em desenvolver um projeto com crianças de 10 a 14 anos, devido ao seu potencial influenciador. Por isso, escolhemos trabalhar com um sistema que inclua as escolas no processo de utilização do produto, fortalecendo os laços com a peça", salienta o estudante de Design de Produto Felipe Leme, 20 anos.
A produção do higienizador modular, como é chamado, está sendo feita em Novo Hamburgo (RS), por uma empresa parceira. A distribuição, por sua vez, deve ocorrer no estado do Ceará, no município de Brejo Santo. A região foi escolhida por ter alcançado um dos maiores índices de disseminação do coronavírus e ser o local onde a empresa OUS produz seus calçados.
De acordo com Leme, serão doadas 5.250 unidades para alunos e professores da rede municipal de Brejo Santo. Será feita ainda uma campanha de capacitação junto a professores e de conscientização com alunos e familiares. As pulseiras também serão comercializadas no modelo one-for-one, ou seja, a cada item vendido, outro é doado. "Acredito que a preocupação com sustentabilidade, o sistema e com quem vai usar o produto foram fatores decisivos para termos sido selecionados nesse concurso", define o estudante. Além dele, participam do projeto Ana Luisa Stivanin Fecchio, Anthony Nathan Johnson, Aryssa Tissot Escobar, Bruno da Cunha Narciso, Caio César Franco Pael Zanolla, Elisa Strobel do Nascimento, Emily Anie Silva de Paula, Geraldo Maria de Sousa Neto, Henrique Canassa Ciappina, Lucas Eduardo Toepper Mendes, Manoel Tobias Rocha Isaias, Rafael da Cunha Narciso e Vitoria Cristina Mazzardo.
Já em Pelotas (RS), a proposta da professora Mariana Piccoli e dos alunos Camila Brodt, Eric Vellar, Juliana Bório, Tamires Aldrighi e Vitoria Ritter, do curso de bacharelado em Design, do Instituto Federal Sul-rio-grandense (IFSul), consiste em um "dispenser" de álcool em gel para transporte público.
A solução já havia sido apresentada em junho no Hackathon IFSul, uma maratona online que teve o grupo como vencedor. O reservatório de álcool proposto é uma garrafa pet adaptada. Quando o usuário aciona uma válvula acoplada, o álcool é liberado. A proposta inicial é usar garrafas PET de 2 litros, o que permitiria cerca de mil acionamentos.
De acordo com Mariana, ainda é preciso detalhar o sistema de acionamento, e depois iniciar a impressão 3D das peças e a distribuição do produto. Podem ser utilizados tanto ABS quanto PLA, polímeros vendidos em filamentos prontos para impressão 3D. A estimativa é que o "dispenser" custe cerca de R$ 10. "Ficamos super felizes com o projeto, e mais ainda por termos vencido o Hackathon e sido selecionados no Design for Emergency. Foi o nosso primeiro projeto feito à distância e está gerando muitos frutos", assinala a professora.
Solidariedade
De Limeira (SP), o arquiteto urbanista e designer Diego Giovani Bonifácio, 33 anos, apresentou uma proposta para conectar pessoas em situação de vulnerabilidade social e doadores que não estão saindo de casa devido à pandemia. A doação seria entregue por quem já está na rua durante a pandemia, caso dos motoristas de aplicativo. A solução, chamada de O Bom Samaritano, viria por meio de um plugin para aplicativos de carona já disponíveis no mercado. "O aplicativo avisaria o motorista mais próximo que alguém tem algo para doar, recolheria e levaria até um centro de recolhimento. Ali, o material seria separado", comenta Bonifácio.
Ele pontua que, para evitar aglomerações, da mesma forma que o material chegou, poderia ser distribuído. "Alguém avisaria no aplicativo que precisaria de doações, isso acusaria no aplicativo igual uma corrida. O motorista mais próximo seria avisado, ele poderia aceitar ou não", diz. Caso o motorista aceitasse o chamado, passaria na prefeitura, retiraria um "kit", faria suas corridas normalmente e, por fim, o entregaria para quem fez a demanda por doação. "Eu enviei o projeto sem muitas pretensões. Saber que fui selecionado foi muito bom. Quando um concurso promovido pela FAU e o Museu da Casa Brasileira reconhece uma ideia sua, não tem preço", completa o arquiteto.
Quantidade superou expectativas
Para a coordenadora do Design for Emergency no Brasil e a professora Denise Dantas, da FAU-USP, a equipe do desafio se surpreendeu não só com o teor das propostas inscritas, mas com a quantidade de projetos submetidos. "Nosso prazo era curto, cerca de 30 dias. Achamos que foi uma boa resposta pelo tempo que tivemos", avalia.
Outro ponto que Denise destaca no concurso foi a quantidade de projetos selecionados no Brasil e chancelados no desafio global. "Os resultados brasileiros foram muito elogiados. Acataram nossa pré-seleção e publicaram os 20 na plataforma", enfatiza.
O diretor técnico do Museu da Casa Brasileira (MCB), Giancarlo Latorraca, analisa que as propostas brasileiras buscam dar respostas a demandas da população de maneira acessível, com reutilização de materiais e fácil execução, sem depender de grandes indústrias. Além disso, o debate proporcionado através do concurso, mantém a discussão sobre a importância do design e a melhoria da qualidade de vida que costumava fazer parte do Prêmio Design MCB, cuja edição não ocorrerá neste ano. "Essa participação, em parceria com a USP, é fundamental para manter isso em pauta e repensar paradigmas desenhados na sociedade e que estão sendo colocados em xeque principalmente por causa da doença", enfatiza Latorraca.
Mais informações sobre os projetos brasileiros selecionados podem ser consultadas no site do concurso.
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