Aumento no preço do arroz faz crescer em 30% procura por alimento do MST
Enquanto todo mundo ainda tenta processar o choque inicial causado pelo aumento no preço do arroz, com fotos tomando as redes sociais de gôndolas pelo Brasil com pacotes de 5 kg de arroz branco sendo vendidos por mais de R$ 40, muita gente foi atrás de alternativas aos valores abusivos praticados em mercados pelo Brasil. Uma das saídas encontradas foi trocar o arroz que costumam comprar pela produção orgânica do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). A procura pelo arroz produzido pelo movimento cresceu 30% na semana passada.
Principal ponto de venda do MST, o Armazém do Campo, localizada na região central de São Paulo e outras cidades pelo Brasil, além de uma loja online, viu crescer o número de pedidos dos produtos ofertados por R$ 5,98 a R$ 12,98 o quilo, dependendo do tipo do grão. Os valores não sofreram reajuste com a crescente demanda.
"Por se tratar de um alimento produzido em equilíbrio entre os camponeses e a natureza, com esta certificação orgânica, o nosso arroz sempre buscou o preço justo, desde a remuneração aos produtores ser maior que o convencional, até a oferta deste alimento aos consumidores ser a um preço acessível", conta Sidnei Santos, coordenador do Armazém do Campo e da Loja da Reforma Agrária.
A alta no valor do arroz convencional tem relação direta com o aumento da demanda nacional e internacional. Enquanto a pandemia estimulou a compra do alimento no país, a alta no dólar e a desvalorização do real fez com que os olhares de outros países se voltassem para a produção de alimentos brasileiras, o que proporcionou o aumento da exportação do arroz, especialmente para a Venezuela. Assim, com menos quilos de arroz no mercado, aumentou o valor daqueles disponíveis para a população brasileira.
Já a loja do MST, que costuma vender cerca de 198 kg do alimento por semana, comercializou 260 kg de arroz orgânico entre segunda e sábado (12), por ter conseguido manter baixo o valor do alimento que produz. "No momento em que as nossas cooperativas efetuam a compra do arroz dos agricultores é pago 30% sobre o valor do arroz convencional. Então, os camponeses do MST já receberam uma valorização maior. Por isso, não achamos justo e nem necessário usar do alimento para obter ganhos extras", afirma o coordenador.
O movimento que é o maior produtor de arroz orgânico da América Latina, na safra de 2019/2020, que foi colhida entre final de fevereiro e março deste ano, conseguiu produzir 15 mil toneladas do alimento no Rio Grande do Sul. Segundo o MST, 364 famílias em 14 assentamentos espalhados por 11 cidades gaúchas foram as responsáveis por plantar e cultivar o produto.
Reforma agrária como solução
A experiência do MST com arroz orgânico surgiu, na verdade, em pequenas escalas, com propósito de produzir o alimento usando a agroecologia — uma forma sustentável de agricultura que valoriza o trato respeitoso com o meio ambiente e os produtores responsáveis pelo cultivo — para os próprios membros do movimento. "Começou com aquela coisa de 'vamos plantar o arroz para não precisar comprar', diz a cientista social Kelli Mafort, da coordenação nacional do MST.
"Então, tomou proporções gigantescas para além do nosso planejamento à época. Geralmente a gente associa muito a agroecologia a pequenas experiências, né? Mas lá [no sul do país] a gente faz uma produção de escala que só é possível porque temos vários pequenos agricultores trabalhando. Digamos que é uma grande escala a partir do pequeno", Kelli.
Ela explica que o segredo está em conseguir colocar diversos produtores em uma mesma terra. A reforma agrária, então, que funciona como uma reorganização das terras rurais, em que a configuração de muita terra na mão de poucos donos se transforma em pouca terra na mão de muitos, tornou-se o trunfo do movimento. No Rio Grande do Sul, o MST passou a ocupar terras improdutivas para conseguir produzir alimentos de qualidade a princípio apenas para os membros e agora até para a exportação, já que 30% da produção desse arroz vai para países como Estados Unidos, Portugal, Itália, Argentina, entre outros.
"Talvez essa seja a grande solução, quando a gente pensa nos problemas que vêm pela frente relacionados à alimentação. Mas é importante destacar que além da reforma agrária, que é o principal componente para a gente conseguir produzir o alimento, nós obtivemos sucesso porque tem muita cooperação envolvida", diz a cientista social.
Falta de investimento na agricultura familiar
Até mesmo durante a pandemia, o movimento não parou. A produção dos alimentos orgânicos continuou, mas precisou contar, de novo, com a colaboração para conseguir se manter. Isso porque ao contrário dos trabalhadores urbanos, os trabalhadores rurais não foram contemplados com os R$ 600 do auxílio emergencial. No final de agosto, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vetou a maior parte da PL 735, que previa a ajuda para agricultores familiares.
Uma outra solução proposta pelo MST que baratearia os custos dos produtos e incentivaria a agricultura familiar, porém, nos últimos dois anos recebeu cada vez menos recursos. Desde 2003, o Brasil conta com o Plano de Aquisição de Alimentos (PAA), que tem dois pilares: comprar alimento do pequeno produtor e distribuir para aqueles que mais precisam. A política pública é uma dos principais caminhos para afastar o país do mapa da fome.
De acordo com o estudo "Programa de Aquisição de Alimentos e Segurança Alimentar: modelo lógico, resultados e desafios de uma política pública voltada ao fortalecimento da agricultura familiar", do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), R$ 12 bilhões já foram destinados ao programa durante 15 anos. 2018, até então, tinha sido o ano com menor investimento: R$ 253 milhões. Mas já em 2019, o valor investido ficou em R$ 188 milhões.
"Uma outra parte é você estimular a formação de estoque dos agricultores, né? Essa medida não foi tomada lá atrás na época da safra, agora talvez ela não vá ter efeito. Mas se esse que chamamos de PAA emergencial for levado a sério para os próximos meses, isso com certeza vai dar resultado na próxima safra e, assim, a gente não fica tão refém das oscilações do mercado", afirma Kelli.
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