Abordagem policial: Conheça os direitos de quando se é parado pela polícia
A polícia aborda quando suspeita do cometimento de algum crime. Na prática, o chamado "enquadro" é uma realidade que atinge populações periféricas e, especialmente, pessoas negras.
De acordo com uma pesquisa da Central Única das Favelas, 42% dos negros pobres dizem já ter sido desrespeitado pela polícia, enquanto só 34% dos brancos periféricos afirmam ter passado por isso. Já a agressão verbal foi relatada por 35% dos negros pobres durante abordagens e só por 27% dos brancos pobres. Enquanto que, na agressão física, a diferença é de 19% contra 12%.
O excesso de violência nas abordagens com determinadas populações tem sido exposto nas redes sociais e na imprensa por meio de vídeos gravados por celular ou câmeras de segurança, alimentando manifestações antirracistas e contra a violência policial.
Uma das ferramentas para tentar evitar cenas de abuso durante as abordagens é o conhecimento. Há mais de uma lei federal que define como a abordagem deve acontecer e quais os direitos de quem é abordado.
Afinal, o que poderia ou não acontecer? Ecoa reuniu perguntas comuns sobre o tema e falou com especialistas para explicar quais são os direitos e deveres dos cidadãos nessa situação.
É preciso ter um motivo para ser abordado pela Polícia Militar?
Sim. A abordagem é prevista no Código Penal Processual, no artigo 240. A chamada "busca pessoal" só pode ser feita quando há suspeita de que o abordado está com uma arma de fogo irregular, quantia de droga que possa ser entendida como tráfico, posse de objetos que possam ser usados em crimes ou suspeita de itens que foram roubados. Não é necessário um mandado, mas a abordagem não é justificada apenas por estar na periferia, com base na cor da pele, orientação sexual ou identidade de gênero.
Devo aceitar uma abordagem policial?
A indicação de órgãos como o Ministério Público Federal, defensorias públicas e instituições em Direitos Humanos é manter a calma, agir de maneira educada e permitir que a revista seja feita. Ainda não há uma lei que defina regras para a pessoa abordada. O Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe-SP) indica seguir as orientações do policial e colocar as mãos para o alto. O policial, porém, não pode agir com agressividade durante o processo. Portanto, sim: o policial tem a prerrogativa de realizar a abordagem caso suspeite de alguma coisa. É direito do abordado, porém, manter o silêncio e indicar seus direitos.
O policial precisa me informar o motivo da abordagem? Eu posso questioná-lo sobre o motivo?
"Após concluída [a ação], o Policial Militar deve justificar o motivo que resultou na abordagem", explica Henrique Cataldi Fernandes, advogado criminalista e membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim). Com calma, também é direito questionar o motivo da abordagem ao agente.
Posso perguntar o nome do policial e o batalhão ao qual pertence?
Sim. É possível perguntar o nome e onde trabalha o policial. Não há nada na lei que impeça esse tipo de pergunta. É preciso também verificar se o policial veste a farda da corporação e se tem um nome à mostra.
Sou mulher. Posso ser abordada por um policial do gênero masculino?
A mulher só deve ser revistada por uma policial mulher e pode recusar a abordagem fora da lei. Um policial do gênero masculino poderá interceder somente em casos como para impedir o uso de uma arma de fogo. O mesmo vale para a mulher cis ou transgênero. Segundo orientação da Defensoria Pública estadual da Bahia, na cartilha "Abordagem policial", o homem trans pode dizer se sente-se confortável em ser revistado por um policial homem.
Quais são os mecanismos de defesa contra abusos policiais?
Denúncias contra a conduta de policiais podem ser feitas ao Ministério Público de cada estado ou nas Corregedorias estaduais. Existem dois tipos de polícia nos estados: a Civil e a Militar. Caso um abuso tenha sido cometido por um Policial Civil, por exemplo, é preciso buscar pela Corregedoria da Polícia Civil. Caso seja militar, na Corregedoria da Polícia Militar. O mesmo vale para Guardas Municipais e policiais federais.
Posso filmar uma abordagem policial?
Sim. Não há lei que proíba a filmagem de ações policiais. "A abordagem pode ser filmada, e a polícia não pode apreender o telefone por este motivo", explica o advogado criminal Evandro Capano, criminalista e sócio do escritório Capano e Passafaro.
Posso requisitar as filmagens de câmeras nos uniformes de policiais, caso existam, como ocorre em SP?
Sim. As imagens podem ser pedidas por meio de Lei de Acesso à Informação ou diretamente à polícia, de acordo com os especialistas.
O policial pode exigir a senha do meu celular ou que se destrave o aparelho?
O tema pode ser controverso, mas advogados consultados pela reportagem concordam que ninguém é obrigado a dar senha ou desbloquear o celular sem mandado judicial. "Não é obrigado em nenhuma hipótese. Ninguém é obrigado a produzir prova contra si", explica Paulo Cunha Bueno, advogado criminalista.
No ato do abuso, eu posso telefonar para a própria polícia para denunciar?
Sim. É possível telefonar para a própria polícia para comunicar o abuso, pedir para fazer uma queixa na delegacia e promover um Boletim de Ocorrência. É o primeiro passo para a abertura de uma investigação policial, o chamado inquérito.
Eu posso ser algemado?
O Código Processual Penal prevê que é possível usar a força e outros meios para efetuar uma prisão feita em flagrante. Um dos meios é a algema. A única exceção do uso de algemas é contra mulheres grávidas durante o parto e logo quando parir. O STF limitou, em 2008, o uso delas apenas para casos em que haja uma suspeita fundada de fuga.
Um policial pode entrar na minha casa?
Policiais só podem entrar na casa com um mandado ou caso haja um flagrante delito ocorrendo naquele exato momento (como pedidos de socorro, um ladrão em perseguição que entra dentro da casa etc). "A residência é asilo inviolável", explica o advogado Henrique Cataldi Fernandes, sócio penal da Benício Advogados Associados
Há uma ação muito comum em filmes hollywoodianos em que a pessoa abordada diz que não é obrigado a responder perguntas sem a presença de um advogado. Isso é verdade?
No Brasil, a Constituição garante que o preso seja informado sobre seus direitos em caso de prisão e pode ficar calado para não produzir provas contra si. O silêncio, então, é um direito e não significa que a pessoa tem culpa.
Eu posso exigir a presença de um advogado durante a abordagem? Quando posso exigir a presença de um advogado?
O procedimento de abordagem é uma busca por possíveis crimes. É possível exigir um advogado caso o policial encontre algo que denote um crime e queira ir para a delegacia. A partir daí, a pessoa precisa ser informada sobre seus direitos. São eles: direito a um advogado, à assistência da família e ao silêncio. Caso não seja informada sobre esses direitos, mesmo que assuma o crime em uma conversa informal, a prisão pode ser invalidada, de acordo como o Supremo Tribunal Federal.
Outra cena: o policial fala os direitos da pessoa abordada em voz alta. É um protocolo que realmente existe? Ele precisa ser feito durante uma abordagem? Caso não seja feito, posso usar isso como argumento durante o inquérito ou processo judicial?
Mais ou menos. Aquela cena clássica do "Você tem o direito a permanecer calado" chama-se "Advertência de Miranda" nos Estados Unidos. Como dito anteriormente, no Brasil, é possível perguntar o motivo da abordagem e o nome do policial. Em caso de prisão, o agente policial precisa dizer o porquê da prisão e informar sobre o direito a um advogado, à assistência familiar e de permanecer calado.
Considerando que, durante abordagens policiais, nem sempre alguns requisitos são preenchidos, é uma boa ideia exigir os direitos assim no ato?
O cidadão pode requisitar educadamente ao policial para respeitar seus direitos. Na prática, nem sempre isso acontece. "O ideal seria alguém filmar a abordagem", explica o advogado Evandro, "e resolver o caso sobre o abuso na delegacia ou na Audiência de Custódia". Outra saída, segundo os especialistas ouvidos por Ecoa, é agir com calma e levar o caso para as Corregedorias ou Ministério Público.
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