Cientistas tentam desvendar segredo de "árvores gigantes" na Amazônia
A floresta Amazônica é vista por cientistas como um lugar tão misterioso e vasto como as profundezas do oceano ou o infinito do espaço. Por esse motivo, cientistas estudam como uma região entre o Amapá e o Pará foi capaz de abrigar "árvores gigantes". Acredita-se que elas brotaram antes da chegada dos portugueses no Brasil e puderam crescer e manterem-se vivas até hoje. São uma mensagem de resiliência e poder da natureza neste Dia da Árvore, comemorado hoje (21).
O pesquisador Eric Bastos Gorgens, professor do Departamento de Engenharia Florestal na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), chefiou uma expedição com trinta pessoas para encontrar a maior entre essas árvores gigantes da floresta amazônica em 2019.
O local onde as espécies foram mapeadas é rigorosamente remoto. Fica a cerca de 10 km dentro da mata fechada e acessível apenas por uma longa e arriscada viagem de 220 km de barco. A força das águas e as rochas podem fazer um trecho de apenas 10 km ser navegado em 12 horas.
Antes de encarar a viagem, uma espécie de laser buscou a localização exata das gigantes e localizou previamente seis árvores gigantes, a maior delas com 88 metros de altura.
Assim que o local foi encontrada, a equipe formada por biólogos, engenheiros florestais e moradores da região foi conhecê-las de perto e desvendar uma parte do mistério.
Segundo o cientista, pode haver ainda muitas outras gigantes na imensidão dos 5 milhões de quilômetros quadrados da Amazônia brasileira.
"Devem ter árvores ainda maiores. Nós monitoramos 0,16% da floresta amazônica. É como analisar um grão de areia", diz. "Mas é uma região que, por si só, deve ter uma atenção especial por com certeza abrigar ainda mais surpresas", diz o pesquisador.
Após a viagem, a dúvida sobre como a região cortada pelo Rio Jari foi capaz de gerar árvores que ultrapassam 80 metros de altura ficou no ar. Para se ter uma ideia, é como colocar um Cristo Redentor em cima de outro e finalizar com um ônibus.
Até então, acreditava-se que as árvores tropicais gigantes eram um fenômeno típico da Ásia. Em 2015, cientistas, entre eles brasileiros, descobriram uma árvore com 90 metros de altura na faixa tropical da Malásia.
A literatura científica acreditava que o vento, que quebra as árvores, e uma dificuldade para se hidratar com troncos tão longos eram barreiras naturais para se ter árvores tão grandes na América do Sul. Acreditava-se que o máximo de altura das árvores tropicais na América do Sul seria de cerca de 70 metros. "Não havia histórico de árvores tão grandes na Amazônia".
Em busca da maior árvore da Amazônia
Em maio, a equipe de Eric concluiu que um conjunto de fatores peculiares pode ter ajudado as "árvores gigantes" a prosperarem no Brasil.
Primeiro, a região tem chuvas com cerca de 2.300 milímetros ao ano. Os pesquisadores observaram que árvores que estão em regiões com chuvas abaixo de 1.500 milímetros têm dificuldade para hidratar suas copas. Onde chove mais de 3 mil milímetros de chuvas ao ano sugere um excesso de água no solo, o que dificulta a oxigenação das raízes. Portanto, a região com ventos calmos e chuva no ponto certo podem ter ajudado as "gigantes" a evoluírem tanto.
Os resultados foram enviados para a "Global Change Biology, uma das revistas científicas mais conceituadas do mundo.
Elas estavam aqui antes de nós
Os dados da expedição indicam que a maior árvore da Amazônia é um Angelim Vermelho.
Os Angelim crescem em busca de luminosidade até ficarem acima das outras árvores. O objetivo é dominar o acesso à luz. As que sobrevivem costumam ser mais velhas, devido ao crescimento lento da espécie — o que qualifica a madeira. "É uma espécie de interesse comercial", diz.
Segundo o cientista, a taxa de crescimento do Angelim indica que as gigantes encontradas tenham entre 600 e 500 anos de idade. "São monumentos. Elas viram o que nós não vimos", diz Eric.
A viagem
A expedição rumo à maior árvore entre as gigantes foi cheia de desafios. Apesar de cientistas experientes neste tipo de jornada, era preciso organizar uma logística com bombeiros experientes, cedidos pelo governo do Amapá, e contar com o conhecimento da população tradicional no município de Laranjal do Jari (AP).
As noites eram dormidas em lonas e cada passo floresta adentro tinha de ser muito bem calculado. Em caso de emergência, um dispositivo por satélite acionaria um helicóptero de resgate. "Imagina se alguém tem um acidente com animal peçonhento? A pessoa não aguenta cinco dias para voltar ao hospital", diz.
Um dos lemas de cientistas que se aventuram em paisagens hostis é a de não colocar a própria vida em risco. Foi a decisão tomada pela equipe de Eric, que só pôde andar 7 de 12 quilômetros até o local exato da maior "gigante".
A geografia e os recursos impediram de vê-la de perto, mas a viagem não foi à toa.
No trajeto, os cientistas observaram a predominância das espécies de árvores, coletaram amostras do solo, folhas, troncos, copas e encontraram gigantes com alturas entre 70 e 82 metros. Eram ainda mais do que a seis previstas anteriormente pelo radar: 11 delas.
Quase inacessíveis aos seres humanos, o desejo dos cientistas no futuro é criar um "polo científico turístico" na região. Ou seja: instalar uma base, em união com povos tradicionais, e desenvolver rotas e protocolos para receber cientistas interessados em estudar uma região tão peculiar na Amazônia.
Aquecimento global coloca gigantes em risco
Um megaestudo publicado pela revista "Science", em agosto, sugere que as florestas tropicais da América do Sul, África e Ásia são resilientes às mudanças climáticas, mas que até elas devem penar devido ao aquecimento global.
A pesquisa, que analisou 590 áreas de florestas permanentes, defende que um aumento de 2ºC na temperatura global, ou 32ºC de temperatura médio a nível local, acabe com 40% das árvores amazônicas.
O estudo sugere que o calor exigiria que as árvores precisassem de mais água, causando um desequilíbrio em cascata: haveria menos energia para continuarem a crescer, causando um efeito irreversível. O cenário é assustador, mas ainda reversível.
"O que podemos fazer para impedir o processo é parar com causas complicadoras, como o desmatamento e as queimadas", explica Luiz Aragão, chefe da Divisão de Sensoriamento Remoto do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Os cientistas concordam que os mais afetados serão os seres humanos. A natureza tem o poder para se adaptar ao longo do tempo e regular o próprio funcionamento. Até mesmo a reação do meio ambiente à mudança climática não é consenso entre estudiosos.
O que se confirma até agora é que a ação humana cria e acelera processos que poderiam levar milhares de anos — ou nunca acontecer. A aceleração pode causar uma extinção em massa de biodiversidade. Ou seja, recursos naturais valiosos para os seres humanos podem desaparecer sem sequer serem conhecidos.
O desequilíbrio prejudica nosso bem-estar, fortalece e cria doenças e influencia até na produção de alimentos ou descobertas da produção científica. "É possível que em alguma árvore escondida no meio da Amazônia exista a cura para o câncer e ainda não sabemos", pontua Eric.
As "gigantes" da Amazônia ainda estão protegidas dos incêndios que castigam o bioma. A proteção é feita pela própria natureza imposta ao seu redor. As áreas estão próximas a unidades de conservação e é difícil desmatar até alcançá-las, cortá-las e vendê-las, explica o cientista. Ainda.
A barreira geográfica, diz, é menos resistente do que a barreira psicológica.
O professor, que pretende retomar as expedições para ver a maior árvore da Amazônia em 2021, acredita que a educação ambiental é capaz de sensibilizar e alertar a população sobre o futuro da humanidade, estimular a reverência aos monumentos naturais, erigidos do solo, e cultuado por dezenas de culturas humanas.
A compreensão, porém, só é possível se cientistas embarcarem em jornadas rumo a paisagens ainda desconhecidas em busca de conhecimento para, então, aprender com a própria natureza a como buscar um equilíbrio harmonioso para sobreviver como elas sobrevivem.
"Quando a gente estuda a árvore, não queremos só ver o quanto ela cresce. Queremos entender como podemos usá-la de maneira sustentável para a nossa vida. Esse é o desafio", conclui.
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