O que é ESG? O que esperar das empresas que se definem assim?
Apontada como grande novidade e tendência do mercado pós-covid-19, a sigla ESG está menos para grande inovação e mais para uma evolução dos princípios da sustentabilidade incorporados ao mundo corporativo.
Mas, afinal, o que significa ESG? Bem que em terras brasileiras tentaram chamar de ASG, o tripé ambiental, social e governança, mas o que vêm pegando mesmo é a versão importada: environment, social and governance - ou ESG.
Independentemente da língua, o conceito tem base no mercado financeiro e trata sobre empresas que, na busca pelo lucro, consideram estas três questões importantes. Maria Rafaela Oliveira, mestre pela Universidade Federal do Ceará (UFC), pesquisa desde a graduação o tema. Ela defendeu, no ano passado, a dissertação "Avaliação de índices de responsabilidade social corporativa e conduta socialmente (ir)responsável: um estudo na empresa brasileira" e explica que a sigla aborda a atividade da empresa, e vem dos debates sobre responsabilidade corporativa, reforçando agora a importância da governança.
É necessária, então, uma análise dos três fatores para determinar quais são os riscos ou retornos esperados dos investimentos em determinada companhia. A partir daí, agências mensuram o desempenho das empresas de acordo com o ESG e fazem um ranking para nortear investidores.
Fundador da FAMA Investimentos e responsável pela gestão do fundo de ações de empresas brasileiras alinhadas com as práticas, Fabio Alperowitch conta que ESG é sobre processos, ou seja, como a empresa funciona. Uma corporação que produz um item em tese sustentável, como uma placa de energia solar, não necessariamente está alinhada com estes propósitos. Uma marca que neutraliza sua pegada de carbono, mas não está preocupada com a diversidade no seu quadro de lideranças, também passa longe do ideal ESG.
A febre do ESG
O contexto atual alancou o interesse pela sigla, segundo análises do mercado, mas é difícil cravar os motivos exatos por este despertar. Um grande catalisador teria sido a carta que Larry Fink, CEO da BlackRock, mandou a seus shareholders em 2019. "Propósito não é só um slogan ou uma campanha de marketing; é a razão fundamental para a existência de uma empresa", escreveu ele. No ano seguinte, o tom sobre os problemas ambientais e sociais subiu, convocando o mundo corporativo a entrar de vez na caminhada para resolvê-los. Na área social, a demanda por diversidade tem um grande impacto.
A pandemia também trouxe debates sobre renda e empregabilidade, com movimentos pela estabilidade de trabalhos. Outro ponto, a governança, ganhou atenção pelos escândalos de corrupção, como aqueles divulgados pela Lava Jato.
Além disso, tanto a eleição dos presidentes Donald Trump, nos Estados Unidos, e de Jair Bolsonaro, aqui no Brasil, teriam causado um impacto inverso ao de seus discursos, no mercado financeiro. Fabio Alperowitch avalia que, o que se viu, foi uma grande necessidade das questões socioambientais superarem os nichos. Ele entende ainda que, especialmente no Brasil, a atenção da sociedade foi impulsionada por uma sucessão de problemas ambientais, como o desastre com o rompimento da barragem de Brumadinho, as queimadas na Amazônia e o vazamento de óleo no litoral do Nordeste. Para completar, o Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, trouxe a pauta para a discussão e reforçou a importância dos empresários daqui.
"Por um lado, é bom. Posso ir a uma reunião e falar de clima e não ser chamado de comunista. Por outro, são assuntos complexos sendo tratados de uma forma superficial enorme", afirma.
A crítica é para aqueles que tentam surfar a onda antes de garantir que a gestão de sua empresa esteja de fato alinhada a estes propósitos. A prática recebeu o nome de "greenwashing", ou seja, seria uma maquiagem verde em vez de uma mudança real. Segundo ele, há muito oportunismo e nem todos estavam preparados para a demanda de investidores estrangeiros: "É como se, a partir de amanhã, eu decidisse que quero ser médico. Então, vejo duas horas de palestra e acho que tenho capacidade para diagnosticar e fazer cirurgia", ironiza Alperowitch.
Da onde veio e para onde está indo
O ESG seria o resultado de um longo caminho; acompanha a linha do tempo do debate ambiental, com as discussões do Clube de Roma e o relatório "Os limites do crescimento", em 1972, e passa pelo "Relatório de Brundtland", de 1987, onde se define o conceito de desenvolvimento sustentável. Tem forte influência ainda do famoso conceito de Triple Bottlom Line, o tripé da sustentabilidade, criado pelo consultor britânico John Elkington, em 1994, que sistematiza a sustentabilidade por meio dos eixos ambiental, social e econômico.
Gustavo Pimentel, diretor da plataforma de investimentos no campo social SITAWI, conta que a perspectiva se consolida em 2004, quando surgem tentativas, entre bancos, de incorporar as questões sociais e ambientais nas tomadas de decisão. Há algumas ondas de interesse que acontecem de 2005 a 2007, e depois em 2011, após a crise de 2008. Segundo ele, a perspectiva seria chamada de ESG, no caso do mercado financeiro, ou de sustentabilidade, nas empresas. Porém, por pressão do mercado financeiro, vemos uma aproximação dos discursos. "Está tudo meio misturado. Os termos estouraram e estão usando de maneira equivocada. Foi de um número pequeno a um bilhão que aprendeu o idioma, e não estão usando da mesma maneira." Vivemos o que Pimentel define como uma "guerra de framework", ou seja, uma disputa para definir o que seria o ESG e quem pode se nomear assim.
Diante deste desafio, a Fundação Getúlio Vargas lançou este mês o Núcleo ESG Investing, que tem em sua coordenação a professora Claudia E. Yoshinaga. Ela explica que o objetivo é observar o interesse, mas de forma aprofundada para que não fique "a moda pela moda". Há duas atuações, entender rating, suas classificações, indicadores e metodologias, e os resultados de investimentos em empresas ESG. Para a pesquisadora, há um desafio enorme nos critérios, e ainda estamos engatinhando: "É complexo, porque engloba três vertentes, fica muito complicado em traduzir em uma nota final. Como a gente mistura ambiente, social e governança? O que é um crime maior, teste no animal ou discriminação no trabalho?", reflete.
Para a pesquisadora da FGV, há ainda a ideia de que o investidor que adota estes critérios os segue por ideologia. Ela reforça a narrativa de que empresas ESG sejam, na realidade, as de menor risco. Perspectiva que se completa com a de Gustavo Pimentel: "É um mito que ao investir a partir de valores se abra mão do retorno."
A pesquisa de Maria Rafaela Oliveira, na UFC, traz alguns problemas sobre a relação entre indicadores e o mundo real. A partir de observações, entre 2013 e 2017, de índices que englobam empresas brasileiras, ela chegou à conclusão que as melhores avaliadas encontravam-se mais envolvidas em controvérsias relacionadas a questões ambientais, sociais e de governança. "Esses índices podem não demonstrar a realidade", opina. Mas tornar públicos os problemas das empresas pode, a longo prazo, fortalecer sua relação com a sociedade: "A empresa apresentar dificuldades e falhas, mesmo que tenha impacto negativo, vai demonstrar a transparência, que está procurando melhorar".
O conceito não precisa ficar restrito ao mercado financeiro. Yoshinaga chama atenção ainda para a importância da pessoa física na "massa de investidores", e que os critérios de ESG podem ser adotados pelo cidadão na hora de escolher um produto para consumir, ou até quando se pensa em novos passos profissionais dentro de alguma empresa.
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