Voluntários fazem blitz para mapear biodiversidade dos rios de todo mundo
Uma rede social em que as pessoas postam muitas fotos, mas nenhuma selfie. Imagem de bichinho é obrigatória, mas nenhum tem lacinho no pescoço e quase nenhum tem nome. O aplicativo iNaturalist reúne de um lado pessoas que fotografam espécies animais e vegetais, com a devida geolocalização no post, e na outra ponta estão especialistas que vão dar o nome (científico, claro) e mapear a distribuição desse ser vivo.
No último domingo, voluntários de quatro continentes fizeram uma blitz para registrar a biodiversidade em bacias hidrográficas usando o aplicativo como parte das atividades pelo mundo para marcar o Dia Mundial dos Rios, que é comemorado todo último domingo de setembro por determinação da ONU (Organização das Nações Unidas).
"Muitas famílias e grupos de amigos saíram para fotografar no tempo determinado dessa bioblitz. Esse tipo de atividade ajuda a desenvolver uma ciência cidadã e que as pessoas se envolvam com seu entorno e com o conhecimento científico", explica o antropólogo chileno Jens Benöhr, que foi um dos coordenadores da ação, que teve apoio das organizações River Collective e National Geographic.
"Lamentavelmente não houve ação no Brasil, mas queremos que nas próximas vezes entrem muitos voluntários e especialistas em rios do Brasil também. Oxalá essa reportagem motive as pessoas a explorar as riquezas ribeirinhas", completou.
Nascido e criado à beira do rio Biobio, na Patagônia chilena, Benöhr estuda atualmente na Alemanha o impacto da interação entre humanos e a natureza tanto do ponto de vista da antropologia quanto da psicologia. Depois de ajudar na organização do evento, ele mesmo participou de uma expedição no rio Isar, que corta a cidade de Munique e é um afluente do rio Danúbio.
Ele compara os relacionamentos diferentes das pessoas com os rios. "Os sul-americanos enxergam de uma forma mais emocional os rios, porque têm esse lado espiritual principalmente dos povos nativos. Já os europeus veem de uma forma mais prática, pensando na ecologia, mas indo mais para o lado da razão", opina o chileno.
Ao longo da vida, Benörh teve muito contato com a cultura mapuche, indígenas do sul gelado do Chile, principalmente em sua atuação junto ao grupo Red por Los Rios Libres, que luta por menos represas e usinas nos cursos d'água do país sul-americano.
"Na visão mapuche, os rios são as veias protetoras que alimentam o mundo. Quando eles entram em suas águas, pedem permissão para os espíritos, porque para eles toda a natureza é sagrada. Por isso, eles têm tanto cuidado com as águas. Não é um objeto. É uma força espiritual que deve fluir, não ser estancada", conta Benöhr.
Onde os rios se juntam
A blitz biológica focou nos rios locais, para que os vizinhos conheçam a vida que existe em suas margens - o nome em inglês é The Home River Bioblitz. Por um tempo determinado, que podia ser uma ou duas horas, o grupo percorreu a beira dos rios registrando plantas e animais presentes.
O formato foi criado nos parques naturais dos EUA para orientar atividades dos visitantes. Logo, o modelo foi adotado por escolas para engajar os alunos em ações práticas ao ar livre. Agora, esse tipo de evento ajuda também na base de dados de pesquisadores acadêmicos e também em políticas públicas.
Nas Américas, elas aconteceram no último domingo no Chile, Peru, México, Jamaica, EUA e Canadá. Na Europa, teve expedição na Espanha, Itália, Inglaterra, Suíça, Grécia, Eslovênia, Montenegro e Albânia - a região balcânica é a que mais preserva rios em estado primitivo no continente, mas há mais de 300 projetos de represas para a área (no Brasil, o rio mais ameaçado com planos de hidrelétricas é o límpido Tapajós). Além disso, houve ações nas Filipinas, Indonésia, Malásia, Ruanda e Nigéria.
A ONG River Collective é uma rede de estudantes, pesquisadores, ambientalistas e amantes dos esportes ao ar livre que defendem os ecossistemas no entorno dos rios e que os fluxos não sofram grandes alterações.
O próprio Benöhr é uma síntese disso. Praticante de caiaque, ele já fez incursões por vários rios do Chile, inclusive uma expedição de dez dias entre a nascente e a foz do rio Biobio, que surge do degelo da Cordilheira dos Andes e desce por corredeiras. Essas ações servem como estudo e divulgação de seu ativismo socioambiental.
"Faço também um mapa ecopolítico, para entender as relações de poder entre os agrupamentos humanos e o ambiente. É uma análise qualitativa: se observa, se questiona e se traça um desenho com base na antropologia atual", explica o ativista. Atualmente, ele faz mestrado na Universidade de Munique (Alemanha) e se interessa também por psicologia ambiental, estudo do comportamento humano em sua interação com o meio ambiente.
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