Ex-morador de rua publica livro, vira modelo e faz desfile no centro do Rio
Negro, dependente químico e morador de rua, Léo Motta entrou em um restaurante na Tijuca, na zona norte do Rio de Janeiro, em busca de água em uma tarde de 2016. Após ser expulso por um segurança, ele recebeu um copo de água com gelo. No primeiro gole, descobriu se tratar de água com sal. Quatro anos após o episódio, Motta mudou de vida: virou escritor, ativista social e, recentemente, modelo de uma loja de roupas, em Copacabana, na zona sul da cidade. Chegou até a promover desfile no centro do Rio.
Naquele dia do restaurante, me senti um nada. Havia um enorme muro de exclusão diante de mim. Até hoje, não sei se o segurança fez aquilo pelo fato da cor da minha pele ou da minha condição de morador de rua
Léo Motta
Aos 39 anos, o ex-morador de rua de 1,88 metro e 85 quilos transformou sua história de superação no livro "Há vida depois das marquises". Hoje, vive da venda da publicação e de palestras. Mas nunca imaginou virar modelo. Há dois meses, porém, veio o convite. Um empresário pediu que ele fosse garoto-propaganda de sua loja de roupas em Copacabana.
"Pela minha idade e história de vida, jamais sonhei com isso. Quando fui convidado, fiquei sabendo que o dono da loja faz doações à população de rua. A cada cinco camisas vendidas, uma é doada para esse público. Não pensei duas vezes, topei na hora", lembra o ex-morador de rua.
O escritor foi fotografado no centro da cidade. O chafariz, no Largo da Carioca, um dos pontos onde ele dormia quando vivia nas ruas, foi um dos cenários dos cliques feito pelo empresário Márcio Ferreira Elias, de 51 anos, dono da loja de roupas e fotógrafo amador.
Naquele mesmo dia, Motta ganhou do empresário 30 camisas novas e as distribuiu no centro da cidade. Neste mesmo local, atualmente, o escritor participa de um projeto social de distribuição de quentinhas.
"As camisas estavam com etiquetas. Os moradores de rua ficaram muito felizes. Se sentiram valorizados. As doações na loja continuam e me sinto muito honrado em fazer parte desse projeto", conta Léo Motta.
O empresário Márcio Elias disse que acompanhava a história do ex-morador de rua pelas redes sociais e decidiu convidá-lo para representar a marca de roupas, que existe há três anos. As peças são de confecção própria. O cachê são roupas da loja.
"Eu fui dono de uma loja de informática e quebrei em 2010. Se não fosse pela minha família, estaria morando nas ruas. Desde então, faço ações sociais junto aos moradores de rua", contou o empresário. Durante a pandemia, ele elaborou com amigos um projeto para distribuir cestas básicas, atendimento psicológico e quentinhas a pessoas em vulnerabilidade social e moradores de rua.
Criado em uma favela de Cordovil, na zona norte do Rio, Motta começou a usar cocaína ainda adolescente, aos 17 anos. Entre outras ocupações, atuou 12 anos como garçom. Pulou de emprego em emprego, sempre demitido por ir trabalhar sob efeito de drogas, até 2013. A partir daí, não conseguiu mais se recolocar. Isso não o afastou das drogas e, em junho de 2016, ele acabou nas ruas da cidade, onde viveu por seis meses.
Foram 17 anos de cocaína e três de crack. Aos 35 anos, tive uma overdose em frente a minha mãe. Não tinha mais estrutura física nem mental para fazer parte de uma família. Neste dia, decidi ir morar nas ruas. Tinha cansado de fazer minha mãe sofrer
Léo Motta
Ajudado pela Operação Segurança Presente, projeto do governo estadual, ele foi encaminhado a uma instituição social em janeiro de 2017. Conseguiu se recuperar e, no ano passado, tornou-se escritor com livro lançado na Bienal do Livro no Rio.
"Quando aquele segurança me deu o copo com água salgada, ele estava me condenando sem direito à defesa. Hoje, uso meu exemplo para inspirar outras pessoas a vencerem as ruas", desabafa Léo Motta.
De quebra, a parceria do escritor com a loja de roupas acabou realizando o deseja da filha dele, Poliana, de 14 anos. Ela quer ser modelo. Motta contou isso ao empresário, que também a convidou para posar para a loja de roupas. As fotos do escritor e de sua filha estão divulgadas nas redes sociais.
"Jamais poderia pagar por um book para minha filha. Foi mais um sonho realizado", diz Léo Motta.
Desfile para população de rua
Na segunda-feira (28), o escritor promoveu um desfile de moda no centro do Rio. Na passarela, passaram pelo tapete vermelho 10 moradores de rua. Eles ganharam roupas, penteados, corte de cabelo e manicure de voluntários. Léo Motta abriu o desfile que teve roupas doadas pelo empresário Mário Elias.
"O morador de rua é uma pessoa normal, mas que não teve as mesmas oportunidades que as outras ou passou por algum problema que o levou a esta situação. Eles merecem ser bem tratados como qualquer um de nós", avalia o empresário.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.