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Curativo para queimaduras custa até mil vezes menos do que membranas atuais

Membrana desenvolvida em laboratório deve ser colocada no mercado em quatro anos - Kátia Pichelli/Embrapa
Membrana desenvolvida em laboratório deve ser colocada no mercado em quatro anos Imagem: Kátia Pichelli/Embrapa

Antoniele Luciano

Colaboração para Ecoa, de Curitiba (PR)

12/10/2020 04h00

Um milhão de pessoas por ano. Foi de olho nesses números do Ministério da Saúde a respeito de vítimas de acidentes com fogo no Brasil que a química Francine Ceccon Claro, 26, desenvolveu um curativo de baixo custo para tratar feridas, especialmente queimaduras. O material, produzido a partir da nanocelulose extraída da madeira de pinus, pode custar até mil vezes menos do que as membranas já disponíveis no mercado para essa finalidade.

A pesquisa é resultado do projeto de mestrado de Francine, no programa de Engenharia e Ciência dos Materiais da Universidade Federal do Paraná (UFPR). O curativo levou a jovem a ficar entre os quatro brasileiros finalistas do Prêmio Jovem Inovador do BRICS, que reúne pesquisadores de países membros do bloco - Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

Ao todo, foram dois anos de trabalho no Laboratório de Tecnologia da Madeira da Embrapa Florestas, em Colombo, na Região Metropolitana de Curitiba. A fase de testes ocorreu por meio de uma parceria com a Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) e o Hospital Evangélico, referência nacional no tratamento de queimaduras.

Francine explica que quando ingressou em Química pensava em atuar com indústrias, até que, ao iniciar o mestrado, teve a oportunidade de trabalhar com a Embrapa e redirecionar sua atuação. "Vi a possibilidade da química ser mais visível para as pessoas", define. Foi daí que surgiu o projeto para aplicar a nanocelulose vegetal na área médica junto com o pesquisador Washington Luiz Esteves Magalhães, da Embrapa Florestas, que a orientou no mestrado. A ideia foi oferecer uma alternativa mais barata e sustentável para curativos. "Hoje em dia já existe um curativo de celulose bacteriana, uma membrana usada como curativo de queimaduras em vários hospitais. Mas esse tipo de nanocelulose, por ser de síntese bacteriana, é muito caro porque precisa de um meio de cultura e muito lento também, porque depende de produção bacteriana", relata a jovem, que segue pesquisando na área, agora no doutorado.

Função semelhante

Pensando nessas características da membrana bacteriana, Francine investiu nos testes com nanocelulose da madeira, matéria-prima de maior disponibilidade no mercado e com funções semelhantes às do curativo de membrana bacteriana já conhecido e até do produzido com escama de tilápia - de proteção da ferida e redução da dor. Desenvolveu e caracterizou o curativo utilizando polpa branqueada de pinus, a mesma matéria-prima usada na produção de papel comum. "Pego a polpa e faço um processo de desfibrilação mecânica. Passo em um moinho e obtenho uma nanocelulose", detalha a pesquisadora.

O processo segue com a nanocelulose obtida tendo as fibras reduzidas a uma escala nanométrica em laboratório. A partir disso, são trabalhadas propriedades da matéria-prima, como a translucidez, que favorece o tratamento sem a necessidade de retirada do curativo para avaliação da ferida.

Francine Ceccon Claro: pesquisa para obter curativo com nanocelulose durou dois anos - Kátia Pichelli/Embrapa - Kátia Pichelli/Embrapa
Francine Ceccon Claro: pesquisa para obter curativo com nanocelulose durou dois anos
Imagem: Kátia Pichelli/Embrapa

Conforme a química, as propriedades físicas e mecânicas alcançadas são as mesmas do curativo feito de membrana de celulose bacteriana, usado como pele artificial na saúde desde 1980. A diferença está na economia: um quilo da membrana bacteriana custa cerca de 250 dólares (R$ 1380), enquanto um quilo de membrana de nanocelulose de pinus, 2 dólares (R$ 11). "Por se tratar de celulose de madeira, que já é um commodity, a facilidade de produzir é muito grande. Conseguimos produzir em grande escala, a um preço bom, e oferecer um tratamento de qualidade ao mesmo tempo", observa Francine.

Os custos são baseados na produção feita em laboratório e dependem do meio de cultivo utilizado. "Mas conseguimos uma redução de custo de produção de pelo menos 99% em relação à celulose bacteriana. [Em outros] cálculos baseados em produção de bancada estimamos um custo até mil vezes menor."

Além de queimaduras, o curativo também apresentou resultados satisfatórios para tratar cortes. A membrana acelera o processo de cicatrização da ferida, principalmente nos quatro primeiros dias de uso, apresentando boa duração e aderência à pele.

A pesquisadora calcula que um quilo de papel poderia resultar na produção de 50 metros quadrados de curativo. O custo de cada curativo ficaria na casa dos centavos. "Uma árvore dá em torno de 10 mil a 20 mil folhas de papel. Com uma árvore, conseguiríamos fazer muitos curativos", pontua ela, ao reforçar que todo o papel utilizado é proveniente de áreas de reflorestamento, o que torna o processo sustentável.

Próximos passos

Na fase de testes, o curativo tratou feridas no dorso de ratos vivos. Os resultados positivos levaram o projeto a ser selecionado em um edital de inovação do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). A proposta foi apresentada pela Embrapa, em parceria com o Instituto Senai de Inovação Biossintéticos e Fibras, do Rio de Janeiro, e a startup Zynux. Isso possibilitou que houvesse uma nova produção, desta vez, em maior escala. O próximo passo será fazer testes clínicos no Hospital Evangélico, em Curitiba. "Esperamos que alguma empresa se interesse para financiar a produção em escala industrial. É uma ótima alternativa, inclusive para o Sistema Único de Saúde", define Francine.

O curativo e o processo de produção em larga escala também serão patenteados com propriedade intelectual compartilhada entre a Embrapa, o Senai e a Zynux. A expectativa é colocar o produto no mercado em quatro anos.

Francine assinala que os brasileiros indicados ao Prêmio Jovem Inovador do BRICS não chegaram a ficar entre os vencedores, mas que poder apresentar sua pesquisa em um evento dessa dimensão já foi um grande aprendizado. "Olhando o nível da competição, dos projetos, fiquei muito feliz. Foi uma honra", avalia. A premiação ocorreu no final de setembro, durante o 5th BRICS Young Scientist Forum, evento que integrou o Encontro de Cúpula dos BRICS.

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