Cozinheiras de Paraisópolis fazem marmitas veganas em parceria com startup
"É absurdo o sistema de produção que nós mesmos criamos: consumimos 1,8 vezes mais rápido os recursos que o planeta é capaz de produzir por ano. Pensava: 'Não é possível que não exista um formato de negócio, de produção, que seja sustentável, impacte positivamente a todos da cadeia produtiva e não seja às custas de ninguém'", conta o sócio-fundador e CEO da startup de gastronomia duLocal, Felipe Gasko, sobre a força motriz que o guiou a criar uma empresa "em que todos ganham".
Formado em engenharia ambiental, Felipe já sentia certa inquietação e foi buscar na economia mais ferramentas para conseguir mudanças ambientais.
Ele iniciou sua carreira no Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas, e depois de alguns anos, deixou a consultoria. "Não fazia mais sentido para mim fazer relatórios e produzir indicadores para empresas que não têm atividades sustentáveis."
Depois de mergulhar no universo de empreendedorismo na Endeavor, decidiu um norte: a gastronomia. Mas, como não se deve começar um negócio em uma área que não se conhece, Felipe foi trabalhar como garçom no Jamie's Italian, restaurante do chef britânico Jamie Oliver em São Paulo, depois na filial de Campinas e, por fim, na matriz de Londres. Queria aprender tudo, da cozinha, gerência, salão.
Foi, então, empreender em um terreno da família e criou a Fazenda Malabar, com a assinatura de produtos orgânicos baseados no conceito de agricultura regenerativa. Porém, ele percebeu que as pessoas não sabiam como transformar em comida saborosas os alimentos de época e assim foi nascendo a faísca que se transformaria na startup duLocal.
Cozinhar muda o mundo
Criada em agosto de 2018, a duLocal nasceu em São Carlos, interior de São Paulo. Recebeu aporte financeiro, consolidou-se e, em meados de 2019, mudou para a capital paulista em busca de um mercado maior. E tudo foi pensado para que todos da cadeia de produção ficassem felizes, um pensamento que desafia o sistema econômico vigente.
Os insumos são orgânicos, fornecidos por pequenos agricultores entorno da capital - assim, a produção tem escoamento garantido, economizando no combustível e consequentemente emitindo menos gases do efeito estufa. Entre fornecedoras, estão a Cooperapas, cooperativa de agricultores orgânicos na zona sul paulistana, e a Fazenda Santa Julieta Bio.
Os legumes, verduras, grãos e oleaginosas são a base do menu - vegano. "Outra iniciativa era de criar refeições saborosas, ricas nutricionalmente, totalmente à base de vegetais, espalhando mais longe essa maneira de se alimentar", diz Felipe.
Mas a duLocal não é um restaurante ou "dark kitchen" (cozinhas que funcionam apenas com o serviço de delivery). Para os fundadores, era preciso gerar impacto social com o negócio. E conseguiram. Ao chegar a São Paulo, em 2019, os fundadores fizeram uma ponte com as Mulheres de Paraisópolis e a partir de um curso gratuito de empreendedorismo e culinária oferecido pela empresa, iniciaram o trabalho com a duLocal. Em suas próprias cozinhas - que precisam estar de acordo com regras sanitárias, verificadas pela nutricionista da empresa.
"A gente acredita que a melhor forma de aprender, é fazendo. 10% de todo o conceito pode até ser teórico, mas o restante é na prática. Por isso, passamos um mês treinando as cozinheiras pessoalmente. Ensinamos a cozinhar usando outro repertório, que naturalmente acaba sendo somado aos alimentos que preparam para a própria família", explica Felipe.
Renata Felipe, 46, é uma das três primeiras parceiras da startup, que hoje conta com 14 cozinheiras. "Foi um mundo novo que se abriu para mim. Passei a preparar mais legumes e ao menos uma das minhas refeições hoje em dia é sem carne. Eu até sinto falta quando não como algo mais saudável, sabe?", diz ela que está na empreitada desde setembro de 2019.
As cozinheiras recebem até sexta-feira o cardápio que irão preparar na semana seguinte. Os ingredientes chegam diariamente, pela manhã. São pratos únicos, por dia. E cada uma delas prepara 20 refeições.
Nas caixinhas, vão mix de arrozes cateto e vermelho, bolinho de feijão, batata-doce ao creme de semente de girassol, entre outras combinações, desenvolvidas pela chef Rafaela Soldan, uma das sócias da empresa.
Renata já trabalhava com encomendas de bolos e comidas, mas a incerteza do negócio a afligia. "Uma semana pode ter bastante encomenda e na seguinte, nenhuma. Com a duLocal, nós recebemos por dias trabalhados. Antes da pandemia eram praticamente os cinco dias da semana. Mas os pedidos caíram bastante. Mas eles mantiveram o pagamento de, no mínimo, dois dias trabalhados. Isso mesmo quando tive coronavírus e fiquei três semanas sem conseguir trabalhar. Imagina, como autônoma, teria ficado sem renda nenhuma", conta. Agora, a demanda de trabalho tem voltado pouco a pouco, e ela trabalha cerca de quatro dias na semana para a startup.
Por volta das 11h, os entregadores retiram as caixinhas de refeições na casa das cozinheiras e partem para a entrega - inicialmente dois, contratados em regime CLT. Uma cadeira de produção que ajuda a gerar autonomia financeira para mulheres da periferia e pequenos produtores locais.
Os pedidos são feitos pelo site da empresa, em que você vê o menu da semana e escolhe a forma de pagamento. Os valores, salgados para boa parcela da população, começam em R$ 33 (pelo site app.dulocal.eco). Também é possível pedir via aplicativos de delivery, mas há acréscimo no custo, devido à taxa cobrada por esses serviços. As refeições são entregues em bairros da zona oeste, sul e central da capital.
Crescimento em curva
Apostando no "boca a boca" e com um pequeno centro de distribuição no bairro da Vila Olímpia, o público inicial da empresa era o pessoal das centenas de escritórios da região da avenida Faria Lima. Quando a pandemia chegou, a duLocal estava em expansão, contabilizando 300 pratos por dia, já planejando selecionar mais cozinheiras e aumentar a área de entrega.
Devido às medidas de isolamento social, essas pessoas passaram a trabalhar em casa, e muitas delas suspenderam os pedidos por estarem preparando o próprio almoço. "No pior momento da pandemia, caímos para pouco mais de 100 pratos por dia", compartilha Felipe. A solução encontrada não foi aumentar a área de entrega para mais bairros, mas optando por fechar parcerias com entregadores e ciclo de entregadores, garantindo que sejam pagos de forma mais justa.
A aposta logística é de que cada entregador saia com 20 refeições no bag e uma faixa de entrega de pedido por tempo. "O desafio era atender esse pico de demanda do horário do almoço rapidamente", diz Felipe. E tem dado certo.
"Poderíamos encher o entregador com 25 caixinhas, mas isso custaria a saúde dele, que acabaria com dor nas costas. Então, não, melhor manter a escala menor, mas sólida."
"Sempre me emociono quando falo sobre a transformação que a duLocal é para mim. Durante a pandemia eles indicaram psicólogas, para quem tivesse interesse em fazer terapia, até. Ano passado, enfrentei um quadro de depressão e mesmo buscando tratamento, foi todo o aprendizado diário que tenho com eles que me ajudou a ficar bem novamente. Ontem mesmo tive sessão por vídeo. Aprendi a cozinhar novos pratos em casa e minha filha de 7 anos pegou gosto, come até o brócolis cru", conta Rafaela.
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