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Empresa campeã da Terra critica consumismo e deixa executivos sem bônus

Loja da Patagonia em South Lake Tahoe, na Califórnia - Getty Images
Loja da Patagonia em South Lake Tahoe, na Califórnia Imagem: Getty Images

Rodrigo Bertolloto

De Ecoa, em São Paulo

21/10/2020 04h00

O norte-americano Yvon Chouinard já disse que não teme que suas convicções ecológicas possam encolher sua empresa, como acontece com algumas roupas que fabrica. Muito pelo contrário, a marca Patagonia, especializada em vestimentas para atividades ao ar livre, quadruplicou seu tamanho nos últimos dez anos e ganhou o título de "empresa campeã da Terra" em 2019, prêmio dado anualmente pela ONU (Organização das Nações Unidas).

E olha que o empresário contraria várias "receitas de sucesso". Apesar das muitas propostas, não colocou sua marca na Bolsa de Valores. Também não premia seus executivos com bônus por atingir metas. Só em 2019, a empresa faturou US$ 1,2 bilhão, e desde 1985 já doou US$ 225 milhões (1% da receita líquida anual) para institutos que cuidam do meio ambiente.

"Com ações na Bolsa, a empresa se tornaria extremamente cautelosa ao assumir riscos na busca de seus objetivos ambientais. Para que a Patagonia possa continuar a ultrapassar seus limites, precisamos de mais funcionários comprometidos com a redução do impacto, não precisamos de mais sócios", disse Chouinard.

A marca de roupas e acessórios para esportes de aventura, pouco conhecida no Brasil, ficou famosa mundialmente após publicar anúncio nas mídias pedindo que as pessoas não comprassem seus produtos. A antipropaganda ("Don´t Buy This Jacket", literalmente "Não compre esta jaqueta") tinha a ideia de mostrar que o consumo exagerado é um dos vetores da destruição do planeta.

Parecia uma jogada de marketing, mas por trás estava uma corporação com uma preocupação genuína. Não que tudo seja totalmente perfeito, mas a empresa caminha cada vez mais em direção à sustentabilidade. Um episódio é emblemático: após denúncias de maus tratos às ovelhas em 2005, a empresa trocou de fornecedores de lã na Austrália e Argentina e criou um sistema para rastrear o produto e evitar esses casos.

Já na Índia fez um contrato que paga 10% a mais para os agricultores de algodão que seguirem as regras de plantação orgânica e regenerativa. Começou com 200 produtores em 2018, passou para 600, e em 2021 a meta é que 1000 deles abandonem os agrotóxicos para combater os insetos que atrapalham a lavoura. Entre as regras está que os camponeses plantem em suas terras também alimentos, especialmente o grão-de-bico, para não desabastecer a região e também para nutrir o solo, na rotação de culturas, e evitar uso de fertilizantes industriais.

"Já comprávamos algodão orgânico há anos, mas precisava ir além disso. Não é só reduzir o dano à natureza. É contribuir com ela. Nossa busca não é pela redução de custos e pelo aumento das vendas, é por salvar o planeta. Por isso, trabalho diariamente até hoje", afirmou o empresário de 81 anos e ainda liderando a empresa de 47 anos de existência.

Em 1994, foi a primeira empresa dos Estados Unidos a vender vestimentas feitas totalmente de material reciclável. No começo, era mais caro produzi-las do que com tecidos novos, mas o crescente interesse ambiental dos jovens fez a demanda aumentar e os custos foram reduzidos. Hoje, um casaco para montanhismo 100% reciclado custa US$ 150 (R$ 840), um preço competitivo nos EUA.

Desde 2005, a marca aceita roupas usadas de seus clientes como parte do pagamento por novos produtos. Atualmente, 70% dos itens são feitos de materiais reciclados, índice considerado baixo pelo fundador. A ideia é chegar, até 2025, a 100% de materiais renováveis.

A loja em Boulder, nas montanhas do Colorado, foi destinada em 2019 exclusivamente para roupas recicladas e viu suas vendas explodirem. Há ainda uma rede de reparos pela América do Norte que conserta, em média, 100 mil peças de roupas e outros itens por ano

O trunfo do empresário foi perceber bem antes de seus pares o movimento em prol da sustentabilidade que ganharia o mundo no século 21 - um levantamento recente realizado pelo Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) concluiu que esse é o tema mais importante para a juventude. Só um dado para ilustrar a popularidade da marca nesse quesito: em agosto de 2019, 9.000 jovens concorreram a 16 vagas de estágio na companhia.

Chouinard gosta de frases bombásticas e afirmou que era uma vergonha para os EUA que duas das maiores figuras de seu empresariado, Jeff Bezos (Amazon) e Elon Musk (Tesla), estejam mais preocupadas em enviar clientes ao espaço que cuidar da Terra. "São dois tolos", classificou.

Ele não foge da polêmica quando o assunto é defender a natureza. Neste ano de eleições nos EUA, lançou uma série de calças com a etiqueta com a seguinte frase: "Vote the Assholes Out" (algo como "Tire os Babacas do Poder", uma frase bem direta para o presidente Donald Trump e sua trupe negacionista).

Em 2016, em resposta à eleição de Trump e às ameaças de cortar recursos voltados à preservação ambiental, a Patagonia destinou 100% de suas vendas na Black Friday (cerca de US$ 10 milhões) para grupos ambientalistas.

Quando uma medida do governo Trump gerou uma economia de US$ 10 milhões à companhia em pagamento de impostos em 2018, no lugar de embolsar o dinheiro, a Patagonia direcionou integralmente o recurso para associações ecológicas.

Chouinard é também o criador do projeto "Sustainable Apparel Coalition" (Coalizão das Roupas Sustentáveis), que reuniu companhias que se comprometeram com a preservação do planeta, entre elas estão marcas de presença mundial como Nike, Levi's e Gap.

Nós podemos errar, mas não vamos deixar de tentar

Yvon Chouinard, fundador da Patagonia