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Reservas querem proteger o mar da destruição causada por gaiolas de salmão

Salmão pula para pegar ração jogada por trabalhador chileno em tanque no porto de Chacabuco, 1,8 mil km ao sul de Santiago - Carlos Barria/Reuters
Salmão pula para pegar ração jogada por trabalhador chileno em tanque no porto de Chacabuco, 1,8 mil km ao sul de Santiago Imagem: Carlos Barria/Reuters

Rodrigo Bertolloto

De Ecoa, em São Paulo

24/10/2020 04h00

A próxima vez que achar uma oferta do tipo "Rodízio de sushi a R$ 60" desconfie que há algo errado. E o problema tem um longo caminho. A culinária pode ser japonesa, mas o peixe vem do Chile a um custo ecológico bem mais salgado que o preço do quitute.

O salmão é criado em gaiolas que estão deteriorando a costa chilena e os ecossistemas patagônicos: os resíduos, o excesso de ração e os químicos usados nas "salmoneras" estão transformando uma extraordinária fauna e flora oceânicas em desertos submarinos. Além disso, os salmões escapam dessas redomas, sobem os rios e acabam com as espécies de água doce.

"Não existem salmões silvestres no hemisfério sul, todos foram introduzidos e são considerados uma espécie invasora. Eles são muito carnívoros. Milhões deles fogem do cativeiro, acabam com os peixes nativos do Chile, devorando-os ou competindo por alimento com eles. Tem rio aqui que já não tem outro peixe que não seja salmão", relata Alex Muñoz, advogado ambientalista que está à frente da luta pela preservação oceânica na América Latina com a criação de reservas marinhas, incluindo algumas no litoral sul chileno.

As fazendas de salmão surgiram nos anos 1980 no Chile, e hoje o país sul-americano é segundo maior produtor mundial desse pescado (800 mil toneladas anuais), só superado pela Noruega, país em que a técnica surgiu e que se estabeleceu como principal investidor nas gaiolas espalhadas pela Patagônia, que possui fiordes e águas geladas similares ao mar escandinavo.

"É enorme a quantidade de contaminação que se lança ao mar. Ela cobre corais, algas, crustáceos, estrelas-do-mar deixando um deserto embaixo d'água. São montanhas de resíduos, que degradam todo o entorno", relata o ambientalista chileno.

Trabalhadores chilenos processam salmão em fábrica de Puerto Ibanez, (CH) - Ivan Alvarado/Reuters - Ivan Alvarado/Reuters
Trabalhadores chilenos processam salmão em fábrica de Puerto Ibanez, (CH)
Imagem: Ivan Alvarado/Reuters

A isso se soma a ração com antibióticos e corantes jogados nesses criadouros para garantir a produção da carne alaranjada (o peixe silvestre tem essa cor por se alimentar muito de camarões). "As consequências catastróficas da salmonicultura são ambientais, sanitárias e sociais também. Ela causa uma migração para a região, mas os empregos são precários, e essa população fica dependente do sobe e desce dessa indústria", completa Muñoz.

Ele acredita que foi equivocada a estratégia de desenvolvimento econômico. "Agora se pode dimensionar o impacto dessa indústria. Temos que voltar com a pesca artesanal e aproveitar o potencial turístico dessa região de bosques, montanhas e rios de corredeiras. É muito mais valiosa a Patagônia preservada. Cuidar é mais barato que destruir e reconstruir", afirma.

Muñoz cita estudo da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, que aponta que, se o planeta mantiver 30% de sua natureza intocada, os benefícios econômicos serão cinco vezes superiores aos custos. "Não podemos colocar o planeta todo dedicado à produção. Isso esgota os recursos. É como em sua vida pessoal. Não pode trabalhar o tempo todo. É preciso equilíbrio, preservação e regeneração", sintetiza uma lição importante para hoje (24/10), Dia Internacional Contra as Mudanças Climáticas.

Mares intocados

Especialista em direito ambiental internacional, Alex Muñoz comandou campanhas que resultaram na criação das sete maiores reservas marinhas latino-americanas, cobrindo 1,2 milhão de quilômetros quadrados de oceano. Com seu ativismo, ele também influenciou em muitas mudanças importantes na política marinha do Chile, como a proibição da pesca de arrasto em determinadas zonas e o banimento do comércio de barbatanas de tubarão.

Muñoz é o diretor para a América Latina do programa Pristine Seas, iniciativa lançada em 2008 pela National Geographic para proteger as últimas áreas selvagens nos oceanos. Ele faz parte de uma equipe internacional de ecologistas, cientistas e documentaristas que mergulham pelo mundo para registrar esses locais e inspirar leis de preservação.

Um pouco do trabalho deles poderá ser visto no canal NatGeo com a estreia hoje (24) do documentário "Mares Intocados: O Poder da Proteção", dentro da programação para marcar o dia de importância planetária. Esse grupo fez mais de 30 expedições ao redor do mundo, passando pelos litorais de Gâmbia, Galápagos, Rússia e Chile, entre outros.

O advogado Alex Muñoz, ambientalista que está à frente da luta pela preservação oceânica na América Latina - Divulgação - Divulgação
O advogado Alex Muñoz, ambientalista que está à frente da luta pela preservação oceânica na América Latina
Imagem: Divulgação

O Pristine Seas é um dos projetos dentro do programa "Last Wild Places", da National Geographic, para proteger 30% das terras e dos oceanos do globo até 2030, data que a ONU (Organização das Nações Unidas) estabeleceu como limite no plano de ação de atingir 169 metas dentro dos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS).

"Necessitamos cada vez mais de parques e reservas naturais, com seus benefícios ambientais e econômicos. E ter uma economia sustentável fora deles para preservar as formas de vida natural e a humana também", afirma Muñoz. A contaminação das fazendas de salmão e a posterior proliferação de algas tóxicas prejudicou a pesca tradicional do Chile e gerou protestos da população local.

"Quando as pessoas comem salmão no Brasil, devem saber que esse peixe foi produzido com grande impacto ambiental e social", aponta o ambientalista.