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Biden pode colocar pressão inédita contra Brasil por Amazônia

O democrata Joe Biden, candidato à presidência dos Estados Unidos em 2020 - Angela Weiss/AFP
O democrata Joe Biden, candidato à presidência dos Estados Unidos em 2020 Imagem: Angela Weiss/AFP

Marcos Candido

De Ecoa, de São Paulo

31/10/2020 04h00

A destruição da Amazônia pode complicar a situação econômica e diplomática do Brasil caso Joe Biden seja eleito a presidente dos Estados Unidos, avaliam especialistas. O democrata pretende continuar um raciocínio da política americana em não dividir o tema ambiental entre "assunto de esquerda" ou "de direita", e busca uma nova liderança mundial. É aí que nosso país pode passar por uma pressão inédita de um aliado histórico.

Biden propôs um fundo de US$ 2 trilhões (R$ 11 tri) contra a crise climática e pretende investi-lo em energia renovável e tecnologia para redução dos gases do efeito estufa.

O meio ambiente também deve ser usado como parte das negociações econômicas entre os americanos e o mundo. Em setembro, Biden sinalizou que o Brasil seria um dos afetados com sanções econômicas devido à destruição amazônica, durante debate contra o republicano Donald Trump.

"Não tenho lembrança de uma sugestão similar, relacionada ao meio ambiente, como o que foi falado por Joe Biden", explica o professor de Relações Internacionais da FAAP Vinicius Rodrigues Vieira. "Fazer pressão com sanções é mais comum entre países europeus. Tanto foi que o Bolsonaro reagiu e disse que não aceitaria uma espécie de suborno".

Para o especialista, o governo brasileiro tem ajudado Biden a começar a nova política. "A China ocupou espaços deixados pelos Estados Unidos em questões de política externa, e tenta ocupar até mesmo na tecnologia ambiental, apesar das hipocrisias nas agendas dos dois países. Neste momento, o Brasil virou um alvo fácil devido às queimadas e destruição do meio ambiente", diz.

Meio ambiente é coisa "de esquerda"? Não nos Estados Unidos.

Joseph R. Biden Jr. foi vice-presidente nas duas presidências de Barack Obama, entre 2009 a 2017, e nunca foi um nome à esquerda entre os democratas. É considerado como um centrista difícil de ser lido.

"Ele é progressista mas, de forma geral, diria que é um realista e nunca é taxativo sobre um assunto", explica o professor de relações internacionais Rodrigo Fernando Gallo, do Instituto Mauá.

"Não gosto de dizer que nos Estados Unidos a direita e a esquerda são como no Brasil. Há grupos conservadores e progressistas entre os dois partidos; a agenda ambiental pode abraçar, então, as agendas de esquerda e direita", explica.

O ex-vice-presidente democrata Al Gore, por exemplo, tornou-se um dos mais relevantes propagadores da urgência da crise climática. Mas o republicano George Bush Jr., considerado conservador, também propôs a diminuição em 18% da emissão gases poluentes entre 2002 e 2012. O democrata Obama assinou o Acordo de Paris, em 2015, comprometendo os americanos a cortar as emissões dos gases do efeito estufa (GEE) em 28% até 2025. "

Na década de 1970, o candidato já se aliou a senadores segregacionistas para derrubar o financiamento a ônibus escolares divididos entre crianças brancas e pretas, durante a década de 1970. À época, não havia mais leis de segregação, mas estudantes ainda eram divididos. Em outras ocasiões, foi um defensor das pautas levantadas pelo chamado "Movimento dos direitos civis".

O meio de campo Joe Biden a favor do meio ambiente

Biden, portanto, é conhecido por ser um "meio de campo" capaz de agradar a republicanos e democratas. A pauta ambiental é parte desta postura.

Para decolar a própria candidatura, o democrata absorveu pautas ambientais de Bernie Sanders, considerado de uma ala mais à esquerda dentro do próprio partido. Sanders é influente politicamente e defende o "The Green New Deal".

O tratado defende investimento de bilhões de dólares para a preservação do meio ambiente nos Estados Unidos e no mundo e sinaliza romper com países que permitam a destruição de biomas ou nos quais não haja redução das emissões de gases do efeito estufa (GEE).

Se eleito, Biden já convidou a jovem deputada à esquerda e aliada de Sanders, Alexandria Ocasio-Cortez, conhecida pela popularidade entre a geração Z.

O candidato absorveu o plano de Sanders e desenvolveu o próprio. Chama-se "Plano Joe Biden" e pretende usar 100% de energia limpa e zerar as emissões de gases poluentes até 2050.

Também pretende pressionar países a assinarem o Acordo de Paris e punir empresas que investem em combustíveis fósseis e levar água limpa a todos os norte-americanos. Ao mesmo tempo, se compromete a gerar empregos e investir nas áreas de tecnologia.

Para provar que está falando sério, afirma que a campanha não aceita doações de empresas ligadas ao setor de petróleo. É uma decisão arriscada.

"Os americanos bebem e são 'viciados' em petróleo desde o começo do desenvolvimento do país, a partir do século 19 e 20 e no pós-segunda guerra. Carros são uma parte crucial da cultura norte-americana e mexer com isso pode levá-los a um medo em perder o estilo de vida", diz Vinicius.

Biden pretende usar pauta ambiental para voltar a liderar o mundo. E o Brasil será pressionado.

Em entrevistas, Biden diz que defende mudanças contra o aquecimento global desde o início dos anos 1990, mas não é lembrado como um político aguerrido contra mudanças climáticas.

Apesar disso, Biden teria encontrado a "janela" perfeita para defender a bandeira ambiental. Primeiro, Trump tirou o país do Acordo de Paris e sinalizou para o mundo que os Estados Unidos não estavam preocupados com a urgência climática. O atual presidente defendeu a saída como uma maneira de criar mais fábricas e empregos no próprio país.

A movimentação feita por Trump deu oportunidade a Biden para uma campanha verde que enfraquece aliados do atual presidente norte-americano, como Jair Bolsonaro (sem partido), e cria laços mais fortes com potências econômicas como França e Alemanha, incisivas na preservação do meio ambiente.

Ao mesmo tempo, a pauta dá a Biden a chance de investir em tecnologia para restringir a influência política e econômica da China, conhecida pelos índices altos de poluição.

Por fim, segundo o professor Rodrigo, propostas sobre relações exteriores costumam render votos entre os americanos. Devido à destruição amazônica, o Brasil pode sair prejudicado, uma vez que Bolsonaro tem ao menos dois anos de mandato. "A pressão vai cair nas nossas costas", conclui.