Após tentar ser grande, editora descobriu que sucesso era sonhar mais baixo
Vagner Amaro é fundador da Editora Malê. A empresa foi criada em 2015 para promover escritores negros no mercado editorial brasileiro. A missão era enorme. "O racismo de estrutura afeta todas as esferas da sociedade, e o mundo dos livros não fica de fora", diz em entrevista para Ecoa.
Em busca do sonho e da tarefa que tinha pela frente, ele e o sócio Francisco Jorge precisaram antes encarar a realidade. No começo, a dupla buscou por grandes redes de livrarias, ainda as principais catalisadores de obras e editoras antes da popularização do e-commerce. "Foi algo bem difícil", relembra.
"A distribuição de livros é um problema no Brasil que afeta não só as pequenas editoras, mas é mais grave com elas", explica.
Correndo atrás
A editora já tinha o primeiro grande nome na mão: a escritora Conceição Evaristo, ganhadora do prêmio Jabuti em 2015. Mas as tentativas de publicação em larga escala não davam resultado. Foi quando Vagner entendeu que começar com passos menores era a fórmula para levar a Malê adiante.
Em vez de grandes livrarias, Vagner fez um trabalho de formiguinha. Aos poucos montou uma rede com pequenas livrarias e e livros em eventos em universidades e do movimento negro para vender as publicações. Enfim, buscou quem tinha interesse em "ouvir" o que a editora queria contar para os leitores brasileiros.
Erro Dar um "passo" maior que a perna para tentar manter uma empresa em nome da missão de promover mais igualdade
Aprendizado Desenvolver um negócio focando em um público com menor escala, mas disposto a abraçar a missão original. Persistir e compreender que há dificuldades mesmo para promover o bem comum. E tudo bem.
Aos poucos, o nome da Malê foi repassado até chegar aos "ouvidos" da Livraria da Travessa, tradicional livraria fluminense. Ganhou musculatura. Hoje são mais de 80 títulos publicados de 120 autores. "Como nosso foco é literatura brasileira, este número é muito significativo", pontua o fundador.
Mercado mudou
Dá para dizer que a Malê ajudou a estimular a representatividade negra na literatura brasileira. O cenário é bem diferente do que há cinco anos, quando foi criada. Há mais espaços para autores negros em eventos como a Feira Literária de Paraty (Flip) — onde tornaram-se os mais vendidos. Atualmente, grandes editoras também investem em núcleos de diversidade para promover autores fora do padrão masculino, branco e heterossexual. No lugar, querem mais autores negros, indígenas, LGBTQIA+ e de regiões que não o Sudeste.
Vagner pontua que autores como Carolina Maria de Jesus e Conceição Evaristo nunca deixaram de ser lidas graças ao trabalho do movimento negro, de livreiros independentes e de editoras como a Malê. Ele avalia como o investimento como uma ação positiva, mas defende que os leitores e grandes grupos econômicos também prestigiem e fortaleçam quem chegou primeiro.
"Se em outro momento, estas mesmas corporações resolverem novamente desprezar esta autoria [negra], teremos andado não apenas dez passos para trás e sim quarenta anos para trás, pois estes autores não terão mais as editoras negras como uma casa editorial para os seus textos, simplesmente porque elas terão deixado de existir", explica.
Machado de Assis é negro
Mas na opinião de Vagner, o futuro e o presente já têm boas notícias. Uma delas é a compreensão de que Machado de Assis, maior escritor brasileiro, foi um homem negro. A identidade já era reconhecida entre leitores do movimento negro, mas apenas revisões recentes cristalizaram e ampliaram a negritude de Machado.
"Eu acredito que este século, por mais turbulento que possa parecer, traz grandes avanços, e grandes possibilidades para reescrevermos a nossa história, descontaminando todas as sujeiras e desonestidades introduzidas pelo racismo", diz Vagner sobre o reconhecimento.
Daqui para a frente
Vagner ainda busca por grandes livrarias para veicular seu negócio, mas sabe que o trunfo pode ser colhido por outras fontes, de novas maneiras. A missão deu lugar aos pés no chão. O aprendizado valeu a pena.
A Malê vende para todo o país via internet e distribui em livrarias médias e de pequeno porte. Mantém romances, poesias e contos indicados às maiores premiações literárias em língua portuguesa e uma linha de livros infantis escritos somente por autores negros. O nome Malê é inspirado na Revolta dos Malês, levante de escravos e 1835 em Salvador.
"A grande lição foi conseguir equilibrar desejo e realidade. Quando se inicia uma empresa com um forte apelo social como a Editora Malê, o desejo por mudanças e por resolver certas questões arraigadas nas formas como as relações se dão no Brasil é muito grande, no entanto, a realidade se coloca balizando este desejo, e não há porque sofrer com isso. É preciso manter o foco, persistir, não adoecer e fazer o que é possível", diz.
Meu maior orgulho é ver que em cinco anos a editora Malê, idealizada e dirigida por um homem negro, tornou-se uma referência da valorização de escritores negros na cena cultural brasileira.
Vagner Amaro, fundador da Editora Malê
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