Futuro da política pode ser verdadeiramente coletivo?
Uma só cadeira para diversas vozes, essa é a premissa das candidaturas e mandatos coletivos, que concentram em um único porta-voz as propostas e ideias dos outros cocandidatos.
A ideia não é nova e existe no Brasil há mais de 20 anos, mas foi entre 2016 e 2018 que ocorreu um boom nesse modelo de fazer política no país e somou 98 candidaturas e 22 mandatos legislativos eleitos que experimentaram lógicas coletivas, de acordo com o estudo da Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade).
A primeira candidatura coletiva eleita do Estado de São Paulo, foi da Bancada Ativista (agora Mandata Ativista), representada pela Mônica Cristina Seixas Bonfim do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), eleita no cargo de deputada estadual em 2018, que formou o grupo com outros oito ativistas.
Nas eleições deste ano, as candidaturas coletivas ganham espaço de norte a sul do País e mais grupos têm se mostrado dispostos a concorrer à vaga de forma coletiva. Mas será que o futuro da política realmente pode ser coletivo?
Ecoa conversou com candidatos que concorrem, já concorreram e que atuam em mandatos coletivos atualmente para levantar os prós e os contras dessas experiências políticas.
Sim
Diversidade e pluralidade de ideias
Um mandato coletivo ajuda no diálogo com diferentes bases e dá a oportunidade do representante ouvir pautas e propostas dos outros participantes do mandato que estão envolvidos diretamente com os assuntos e problemas, e assim defender e criar Projetos de Lei e outras proposições no legislativo.
Valoriza a democracia
Um grupo gerenciando e atuando em um mandato em vez de apenas uma única pessoa cria a ideia de rede e afasta a imagem personalista, em que só uma pessoa decide e cria propostas. Assim, todas as pautas são debatidas previamente e podem ter seus pormenores aprimorados antes de serem apresentadas ou votadas na Câmara.
A chance de novos nomes
Campanhas eleitorais são extremamente exaustivas, além de tempo, é preciso de dinheiro. Quem é recém-chegado na política ou disputa pela primeira vez, dificilmente tem verba para bancar uma campanha que possa fazer suas ideias ecoarem e também não têm tempo para isso, por não poderem se afastar totalmente de suas atividades remuneradas.
Voz para as minorias
Se o dinheiro e o tempo são justamente fatores essenciais para estruturar uma campanha, as minorias sociais, como pessoas periféricas e negras ainda têm mais dificuldade para emplacar uma candidatura individual e serem eleitos. Nas eleições de 2018, dos 1.790 políticos eleitos apenas 77 se autodeclararam pretos, representando apenas 4,3% de todos os eleitos.
As mulheres também estão pouco representadas na política. No estudo Atenea, feito pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e pela ONU Mulheres, o Brasil ficou em penúltimo lugar sobre a participação feminina na política entre os países da América Latina. O levantamento analisou 40 indicadores, como direito a voto, participação das mulheres em partidos, cargos públicos e nos Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário).
Com as candidaturas coletivas, esses personagens ganham força no cenário político e as campanhas encontram uma colaboração extra na divulgação das propostas de governo e direcionam mais eleitores com ideais semelhantes a concentrarem seus votos em apenas um candidato, aumentando as chances de eleger o grupo.
Divergências são saudáveis
Por mais que candidatos se alinhem em torno de uma candidatura coletiva, pessoas têm ideias e posições diferentes naturalmente. Isso é importante e cria discussões saudáveis para fomentar debates, propostas que realmente façam sentido à sociedade civil.
Não
Política ainda se faz com números
Por mais que candidaturas coletivas tragam a ideia de que diversas vozes irão atuar no Legislativo, somente o candidato representante irá ocupar uma cadeira de fato, caso seja eleito, independentemente do tamanho do seu grupo. Isso impacta na criação, organização e aprovação de leis e projetos. Além de fazer com que o porta-voz tenha que encontrar alianças dentro de seus pares também eleitos e enfrentar oposições.
Inexistência de lei
Se apenas o candidato com nome na urna pode entrar na Sessão Plenária, isso se deve ao fato de ainda não existir lei ou regra para esse tipo de candidatura. Os acordos são feitos entre membros da candidatura coletiva ou mandato coletivo.
Mas o que há de ruim nisso? Sem regra ou lei, caso haja um desentendimento, não há muito o que se possa fazer. O "poder real" de participação política está nas mãos do porta-voz, que pode literalmente fazer tudo como bem entende, sem ouvir os membros eleitos com ele na campanha.
Há uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) criada em 2017, que propõe a regulamentação do mandato coletivo, mas ainda tramita na Câmara dos deputados, aguardando a análise da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania), em relação à sua admissibilidade, caso aprovada, ainda precisa passar por uma comissão especial que irá analisar o seu mérito, para enfim seguir para votação em dois turnos no Plenário da Câmara.
Burocracia ainda cria entraves
Criar Projetos de Lei e levá-los adiante ainda é uma tarefa que esbarra na burocracia e torna o processo longo e moroso. Essa é outra barreira que afasta a capacidade da política de encontrar cenários de fato coletivos, pelo menos, não sem as burocracias e tramites processuais. Entre os candidatos e codeputados ouvidos, esta foi a principal frustração [burocracia] relatada, ao descobrirem que fazer com que suas ideias coletivas fossem levadas adiante pelo seu porta-voz na Câmara não era tão fácil assim.
Não existe salário
Se ainda não há uma lei que regulamente as candidaturas coletivas, obviamente não existem verbas destinadas exclusivamente para os cocandidatos, caso sejam eleitos. Entre eles também vale o acordo que vai da ocupação de cargos de assessores até o compartilhamento do salário do cargo eletivo.
Modelo representativo não tem participação direta
O modelo de democracia que vivemos é representativa, os candidatos representam o desejo em comum do seu eleitorado. A sociedade civil, ainda participa pouco de diversas decisões e escolhas a não ser na eleição de seus representantes. Alguns candidatos tentam criar canais para ouvir o eleitorado, mas as iniciativas ainda não são padronizadas.
Fontes: Chirley Pankará, Codeputada Estadual pelo mandato coletivo da Mandata Ativista, Régis Marques, que participou como candidato a Deputado Estadual pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) na Dobradona, mobilização de candidatos a Deputado Estadual e Federal para campanhas com divisão de custos coletivos, Jussara Basso (PSOL), candidata à vereadora da chapa Juntas - Mulheres Sem-Teto, Malu Molina (Cidadania), candidata à vereadora, que adotou programa de pospostas de leis de forma participativa e aberto à sociedade civil.
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