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Liberação de cogumelos psicodélicos em Oregon pode ter reflexo no Brasil

A psilocibina é um composto presente em cogumelos alucinógenos - GETTY IMAGES
A psilocibina é um composto presente em cogumelos alucinógenos Imagem: GETTY IMAGES

Carlos Minuano

Colaboração para Ecoa, de São Paulo

06/11/2020 04h00

As terapias psicodélicas receberam esta semana um sinal verde vindo direto da costa-oeste americana. Mais exatamente de Oregon, estado ao norte da Califórnia. Após um plebiscito realizado na terça-feira (3), junto com a eleição presidencial, o estado se tornou o primeiro a legalizar a fabricação e o uso terapêutico da psilocibina, princípio ativo dos chamados cogumelos mágicos, ou psicodélicos. Embora a decisão seja local, especialistas acreditam que estudos com a substância sejam impactados em outros países. Por exemplo, no Brasil.

Vale chamar a atenção que das urnas em Oregon veio ainda uma pancada na política proibicionista conhecida como "War on Drugs" (guerra às drogas) campanha lançada na década de 1970, ainda no governo de Richard Nixon. Substâncias como cocaína, heroína e metanfetamina foram descriminalizadas. Outros estados também reduzirem as restrições às drogas recreativas.

Por aqui, no meio científico, a notícia provocou reações diversas entre pesquisadores e especialistas ouvidos pela reportagem de Ecoa. O psicólogo Fernando Beserra, cofundador da Associação Psicodélica do Brasil, vê com otimismo o referendo americano.

Segundo ele, deve acelerar internacionalmente as pesquisas com psilocibina e as expectativas com a criação de centros de psicoterapia aliada ao uso da substância. "Embora ainda seja uma política isolada, internacionalmente, indica cada vez mais alguns caminhos que devem ser ampliados no futuro breve."

"Os usos, no Oregon, ocorrerão em um centro [terapêutico] com profissionais que atuarão como facilitadores durante as sessões", explica o psicólogo. "Não foi legalizado o uso social de psilocibina, mas se criou uma política híbrida, que não é simplesmente saúde, mas também não se confunde com o uso recreativo mais amplo dos cogumelos. É animador poder ver o que ocorrerá por lá."

Da ala mais cautelosa, o neurocientista Eduardo Schenberg, diretor do Instituto Phaneros, mostrou-se ainda um pouco cético. "Não entendo como o uso terapêutico [de um psicodélico] é decidido por voto."
O pesquisador ressaltou que o caminho deve ser por meio de pesquisas científicas e no caso dos Estados Unidos com a autorização do FDA (agência reguladora de medicamentos). "Tampouco entendo porque estão chamando isso de legalização dos cogumelos", indaga o neurocientista, responsável pelo primeiro estudo no Brasil com MDMA para TEPT (Transtorno de Estresse Pós-Traumático).

O aparente ceticismo em relação a Oregon não se aplica ao potencial terapêutico dos cogumelos psicodélicos. O pesquisador confirmou que pretende em breve iniciar uma pesquisa com psilocibina para tratamento de depressão. Há alguns anos ele obteve autorização para importar a substância e iniciar os estudos. Mas faltam ainda os recursos financeiros.

Referendo em Oregon

"Muitos estados [americanos] têm referendos votados por iniciativa direta de cidadãos", explica Sean McAllister, diretor jurídico do Instituto Chacruna de Plantas Psicodélicas Medicinais, sediado na Califórnia. Segundo ele, é um fenômeno típico do oeste dos Estados Unidos. "Basta ter as assinaturas necessárias, não há qualquer exigência de pesquisa científica ou aprovação do FDA para colocar algo na cédula", completa o advogado.

Porém McAllister explica que, começa agora um processo de implementação de dois anos, que irá determinar padrões e definir quem vai poder fornecer a psilocibina em Oregon. Ele é otimista em relação aos impactos que a decisão terá no uso terapêutico de psicodélicos em outras regiões. "Acreditamos que criará um impulso em outros estados."

A Medida 109 do Oregon, que dará acesso legal à psilocibina para tratamento de saúde mental em ambientes supervisionados foi aprovada com uma margem de 55,8% e mais de 2 milhões de votos.

Embora não estejam ainda definidos quais os tratamentos ou que transtornos mentais poderão ser atendidos com a psilocibina, o diretor jurídico do Instituto Chacruna acredita que a decisão representa um primeiro passo para legalizar o mercado de terapias psicodélicas.

Evidências científicas já existem

Otimista, mas realista, o psicólogo Fernando Beserra adverte que por aqui a legalização da terapia com cogumelos mágicos ainda deve demorar mais um pouco. A regulamentação do uso terapêutico das substâncias psicodélicas ocorre, em geral, pela via da autorização das agências reguladoras como a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) no caso do Brasil, ou a FDA (Food and Drug Administration) nos EUA.

A pesquisa passa por distintas fases, nas quais são verificadas a segurança e a eficácia do fármaco em pesquisas controladas, explica Beserra. "A psicoterapia com psilocibina foi considerada em 2019 pela FDA, em estudos de fase 2, como 'breakthrough therapy', o que significa que a substância tem alcançado resultados superiores aos melhores medicamentos no mercado, neste caso, para o tratamento de depressão refratária."

Inclinado mais para o que seria um caminho do meio, o psiquiatra Dartiu Xavier, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), médico pioneiro nos estudos sobre psicodélicos no Brasil, acha questionável um referendo para aprovar uso terapêutico de psilocibina. "Evidências científicas são mais importante."

Por outro lado, ele reconhece que as evidências científicas já existem em volume suficiente para mostrar que proibir não é o melhor caminho. Isso vale, segundo ele, para os cogumelos mágicos, para os demais psicodélicos, e também para drogas como cocaína e heroína, que foram descriminalizadas para uso pessoal em Oregon.

O médico observa também que a psilocibina, embora seja um psicodélico, não se trata de uma substância perigosa. "Não causa dependência, não há uso compulsivo e há estudos científicos que apontam eficácia para tratar depressão, ansiedade e dependência de drogas". O médico também já obteve as autorizações necessárias para um estudo com a substância para o tratamento do tabagismo e alcoolismo, que deve iniciar em breve.

Canadá caminha para a legalização

No Canadá, os cogumelos ainda não foram legalizados. Mas o país parece estar bem perto disso. Quem conta é a antropóloga Luna Vargas, que vive na província de British Columbia desde 2018. Ela trabalha como educadora cannábica — por lá, a maconha medicinal já está legalizada desde 2013, após um longo processo. Ela também faz parte de grupos de estudos informais do uso de microdose de cogumelos. "É o que está mantendo minha saúde mental nesse ano", desabafa.

A antropóloga conta que no Canadá a psilocibina está seguindo o mesmo caminho que a cannabis tomou, ou seja, pequenos produtores lutando para criar um mercado legal. "Há grupos criando lojas online e militando a favor da psilocibina", diz.

Ela lembra que há poucos meses, o Health Canada (Ministério da Saúde canadense) autorizou quatro pessoas com doenças terminais a fazer uso terapêutico de cogumelos psicodélicos. Um dos pacientes em processo de quase morte, após uma sessão com a substância, relatou que teve a melhor noite de sono de toda a sua vida. "Isso foi histórico e gerou uma campanha muito grande por aqui", conta Luna.

Apesar de ainda ser proibido no país, a antropóloga conta que na região onde mora há muito acesso. "Tem muitas lojas online vendendo, cápsulas chegam em casa, embaladas, bonitinhas". Ela explica ainda que assim como no caso do cannabis há uma enorme variedade de tipos de psilocibina. "Tem muita gente pesquisando e produzindo."

"Tem empresas fabricando psilocibina para pesquisas, com capital aberto na bolsa de valores", ressalta a antropóloga. Ela vê a legalização em Oregon como uma grande inspiração. "Pode haver um efeito dominó, e o Canadá está bem ligado aos EUA".