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Após ano de mobilizações, percepção sobre racismo aumenta na cidade de SP

28.ago.2020 - Manifestantes fazem protesto contra o racismo em Washington, nos Estados Unidos - A. McCoy/The New York Times
28.ago.2020 - Manifestantes fazem protesto contra o racismo em Washington, nos Estados Unidos Imagem: A. McCoy/The New York Times

Juliana Domingos de Lima

De Ecoa, em São Paulo

19/11/2020 14h32

Mais pessoas passaram a reconhecer, em 2020, a existência e os efeitos do racismo para a população negra e para o desenvolvimento da maior cidade do Brasil. É o que revela a nova edição da pesquisa "Viver em São Paulo: relações raciais", divulgada hoje (19) pela Rede Nossa São Paulo em parceria com o Ibope Inteligência.

Para a coordenadora da Rede Nossa São Paulo, Carolina Guimarães, os resultados da pesquisa acompanham o avanço da discussão sobre raça e racismo em anos recentes, pelo menos no nível local. "Nos últimos anos, a gente tem visto uma maior conscientização da população como um todo, com mais pessoas negras que são referência em espaços importantes e o questionamento de conceitos racistas que a sociedade normalizou, especialmente na internet", disse a Ecoa.

Um dos achados da pesquisa é que a percepção de que há diferença no tratamento de pessoas negras e brancas em espaços como shoppings e comércios, no ambiente de trabalho e escolar aumentou significativamente desde 2019. Essa mudança também é mostrada pelo aumento do indicador de percepção de racismo em São Paulo criado pela pesquisa, que passou de 0,59 a 0,65 no último ano.

Em 2020, 74% dos entrevistados também afirmaram acreditar que pessoas negras têm menos oportunidades que pessoas brancas no mercado de trabalho. Essa percepção ainda é maior entre negros do que brancos (78% contra 69%, respectivamente), mas aumentou na população geral em relação aos dois anos anteriores.

A organização realiza a pesquisa de percepção anualmente, com recortes variados. A questão racial já figurava de maneira transversal nas edições sobre mobilidade, trabalho e renda, por exemplo, mas a percepção sobre o racismo na cidade passou a ser medida diretamente pela pesquisa em 2018.

Por que a percepção aumentou?

A edição deste ano da pesquisa incluiu uma pergunta sobre os protestos internacionais desencadeados pelo assassinato de George Floyd pela polícia norte-americana, em maio.

Para 54% dos habitantes da cidade, as manifestações que reivindicaram o fim da violência policial contra a população negra em várias cidades do mundo desde então provocaram maior conscientização sobre o racismo, inclusive no Brasil.

Os resultados indicam que casos nacionais recentes de racismo também tiveram impacto na visão da população sobre a questão. Após entregadores de aplicativo negros serem alvo de ataques que viralizaram nas redes no início de agosto, 90% dos moradores de São Paulo concordam que grandes empresas de entrega por aplicativo devem se envolver para prevenir e assegurar um ambiente antirracista.

Segundo dados do levantamento "As faces do racismo", realizado pelo Instituto Locomotiva em parceria com a Central Única de Favelas e divulgado em junho, o reconhecimento do racismo pela população vai além da cidade de São Paulo.

A pesquisa ouviu 3.100 pessoas com idades entre 16 e 69 anos de todos os estados do país e constatou que 91% dos entrevistados consideram que uma pessoa branca tem mais chances de conseguir emprego em relação a uma pessoa negra. O levantamento apontou ainda que 94% dos brasileiros creem que uma pessoa negra corre mais risco de ser abordada de forma violenta ou ser morta pela polícia.

Para o professor da Unesp e militante do movimento negro Juarez Xavier, a maior conscientização da população brasileira sobre o racismo não reflete apenas a repercussão de atos racistas em 2020, mas resulta da ação política contínua do movimento social de negros nos últimos 40 anos no Brasil.

A atuação intensa desse movimento contribuiu para "estender à sociedade brasileira um letramento sobre as relações étnico-raciais", disse Xavier a Ecoa. Ele também cita a maior produção de pesquisas e dados sobre a desigualdade racial em diferentes esferas e sobre a mortalidade violenta de pessoas negras como outro fator responsável por ampliar a percepção da população brasileira sobre o tema.

"A morte do George Floyd despertou uma ação política já em curso na sociedade brasileira", afirmou Xavier. O professor lembra que a denúncia da violência policial é uma pauta antiga no movimento negro brasileiro — já estava presente na fundação do Movimento Negro Unificado em 1978 e foi central na criação da Coalizão Negra por Direitos em 2019.

A ação política contrária a casos como o de Floyd que ganhou escala internacional neste ano, segundo ele, apenas deflagrou uma pauta comum em diferentes sociedades marcadas pelo racismo e uma convergência de percepção em torno da violência que atinge a população negra.

A pesquisa da Rede Nossa São Paulo também registra, localmente, um fenômeno global mencionado por Xavier: a maior conscientização de uma população branca de classe média em relação à pauta racial, resultante dessas mobilizações recentes.

Da percepção à ação

Embora as pesquisas apontem que o reconhecimento do racismo pela população tem aumentado, a coordenadora da Rede Nossa São Paulo Carolina Guimarães identifica nos resultados do novo levantamento um abismo entre percepção e ação, sobretudo em relação ao que pode ser feito por pessoas brancas para combater o racismo.

Práticas como intervir em situações de tratamento diferente, participar de protestos em apoio às reivindicações das pessoas negras e votar em candidatos negros nas eleições foram citados por uma minoria na pesquisa como parte do papel da população branca nessas questões.

A mudança de percepção é, ainda assim, um primeiro passo importante, especialmente quando se considera a negação histórica do racismo no Brasil.

Falas de políticos aumentam racismo; punições ajudam no combate

Pouco mais de 80% dos paulistanos consideram que declarações de cunho racista ou preconceituoso feitas por políticos estimulam o racismo ou preconceito na cidade. Essa percepção saltou de 75% para 82% entre 2019 e 2020.

A pesquisa revela ainda que, para quem mora na cidade, o aumento da punição por injúria racial e a adoção de punições mais severas para policiais responsáveis pela morte de pessoas negras são as medidas que mais contribuem para o combate ao racismo na cidade de São Paulo. Outra ação efetiva seria a inclusão de discussões sobre o tema nas escolas.

A pesquisa "Viver em São Paulo: relações raciais" conversou com 800 moradores da cidade de São Paulo de 16 anos ou mais entre 8 e 21 de setembro de 2020. A coleta de se deu parte no formato online e parte pessoalmente e os resultados foram ponderados para restituir os pesos de cada região da cidade e o perfil dos respondentes da amostra.