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Kabengele Munanga: Educação e leis são caminho para transformar a sociedade

Juliana Domingos de Lima

De Ecoa, em São Paulo

19/11/2020 04h00

O mito da democracia racial atrasou por décadas a discussão sobre políticas afirmativas para a população negra no Brasil. Foi o que afirmou o antropólogo Kabengele Munanga em debate promovido pela Rede Brasil do Pacto Global da ONU, transmitido ao vivo ontem (18) por Ecoa. Munanga e convidados discutiram a relevância das ações voltadas à inclusão racial no Brasil.

A atuação política e intelectual de Munanga foi a base para a mesa virtual em comemoração ao Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro. Nascido no Congo belga, o professor de antropologia da USP se estabeleceu no Brasil em meados da década de 1970, construindo uma obra que se tornou referência para acadêmicos e ativistas da igualdade racial no país.

O encontro contou com a participação de Elisabete Pinto, professora da UFBA, do professor e doutor em antropologia Pedro Jaime, da atriz Olívia Araújo, da CEO da ThoughtWorks Caroline Cintra e com a mediação de Angélica Mari, jornalista da Forbes.

Munanga apresentou um histórico de como o discurso que pregava que as relações raciais eram harmônicas no país — no qual ele mesmo acreditava até chegar ao Brasil —, foi desconstruído por pesquisadores e militantes do movimento negro e deu lugar, nas últimas décadas, ao reconhecimento do racismo. A mudança possibilitou a formulação de políticas públicas para enfrentar a questão, com destaque para a implementação das cotas universitárias a partir dos anos 2000.

Essa política apresentou muitos bons resultados nas últimas décadas, não só em relação à trajetória de jovens negros quanto em benefício das universidades públicas, que se enriqueceram com uma maior diversidade entre seus ingressantes, como destacou o professor e doutor em antropologia Pedro Jaime, fazendo referência a levantamentos já publicados sobre o tema.

Ele aponta, porém, que a questão ainda engatinha na educação superior privada, onde leciona. "As instituições de excelência do ensino privado ainda têm feito muito pouco pela inclusão racial no ensino superior", disse. Jaime afirma que essa ausência de ações afirmativas cria um ambiente elitizado que favorece uma deformação social e cultural no processo formativo dos estudantes, que não têm a oportunidade de conviver, na universidade, com colegas ou professores negros.

Já no mercado de trabalho, algumas empresas têm se empenhado para começar a reparar essas distorções. Representando as ações afirmativas que têm sido colocadas em prática no setor privado, a CEO da unidade brasileira da ThoutghtWorks, consultoria global na área de tecnologia da informação também participou do painel.

Carol Cintra afirmou que a empresa conta hoje com 34% de funcionários negros, destacando que 23% das lideranças e 15% dos cargos executivos são ocupados por pessoas negras. A empresa definiu objetivos de crescimento de representatividade em seus quadros e vem adotando estratégias para aumentar essa participação e posibilitar o crescimento dos profissionais negros na hierarquia.

Segundo a atriz Olívia Araújo, a discussão sobre representatividade também atinge o setor da cultura e do entretenimento, que tem tido mais espaços ocupados por pessoas negras a partir de pressões da sociedade.

"O que acontece hoje é que há uma discussão mundial sobre o tema. Não se pode mais negligenciar ou fazer de conta que não está vendo [a desigualdade racial]. Ou [as empresas] tomam pé disso e fazem parte desse processo ou ficam para trás", disse. "Não sei se é uma consciência geral de que esse tipo de diálogo é necessário ou uma pressão econômica que ocorre a partir do momento em que nos reconhecem como uma população que tem poder de consumo, que quer ser vista e representada. Essa demanda acaba se traduzindo nas oportunidades de trabalho na televisão".

O professor Kabengele Munanga destacou a conscientização como requisito para que a sociedade se mobilize e passe adotar ações de combate ao racismo e à desigualdade racial. A educação, o sistema legal e as políticas afirmativas são os três caminhos principais apontados por ele para esse combate.

O painel foi uma extensão da programação da primeira conferência virtual Afro Presença, realizada entre 30 de setembro e 2 de outubro pelo Pacto Global da ONU, também transmitida por Ecoa. O encontro é voltado a promover a inclusão de jovens negras e negros universitários no mercado formal de trabalho.

Filho de Munanga, o ator e cantor Bukassa Kabengele homenageou o antropólogo ao fim do evento.