'Boys State' examina a democracia ao colocar jovens para formar um governo
O que acontece quando se permite que mil adolescentes construam uma forma de governar totalmente do zero?
Desde 1935, a American Legion —organização dos veteranos de guerra dos Estados Unidos— promove o Boys State, uma espécie de acampamento em que alunos do ensino médio de toda parte do país se inscrevem para vivenciar uma simulação de governo durante uma semana. É um exercício do qual já participaram alguns nomes famosos como Bill Clinton e Dick Cheney, e até não políticos, como Michael Jordan e Bruce Springsteen.
A edição de 2018 do evento, realizada no Texas, foi registrada pelos cineastas Amanda McBaine e Jesse Moss e transformada no documentário "Boys State", disponível na Apple TV+ (há também um evento irmão, Girls State, que os diretores planejam documentar quando a pandemia passar). Em 1h50 de filme, eles seguem a trajetória de 1.100 rapazes de 17 anos nessa jornada política de amadurecimento, examinando a democracia dos dias de hoje.
No acampamento, os jovens são divididos em dois partidos políticos: Federalistas e Nacionalistas. Sem qualquer posição pré-existente definida, eles precisam construir toda a base de seus ideais e plataforma de propostas, além de escolher suas lideranças, fazer campanhas, conseguir votos. No fim, apenas um entre todos eles será eleito o governador.
A maior estrela do filme é Steven Garza, filho de imigrantes mexicanos que mora em Houston e que se autodenomina progressista. Admirador de Napoleão Bonaparte, ele diz que seu interesse pela política germinou durante a campanha presidencial de 2016 do democrata Bernie Sanders. De fala mansa, Garza se torna o herói das minorias no campus e é escolhido como candidato dos Nacionalistas em busca da vaga de governador.
Outros personagens importantes são Ben Feinstein, um conservador fã de Ronald Reagan, que defende o que chama de "manual do Trump" e que se torna o presidente dos Federalistas; e o talentoso orador René Otero, um liberal eleito presidente dos Nacionalistas, um garoto negro de Chicago que confidencia para a câmera nunca ter visto tantos brancos antes. Impetuosos, os dois são totalmente comprometidos com seus candidatos.
Eu acho que ele é um político fantástico, mas eu não acho que ser um político fantástico seja um elogio.
René Otero sobre Ben Feinstein
Há ainda Robert McDougall, outro candidato nacionalista que evoca visões de George W. Bush. Ele tem uma estratégia de campanha bem simples: quando percebe que está lidando com um público conservador, ele mente sobre suas próprias ideologias. A conclusão dele é tão sombria quanto verdadeira: "Às vezes você não pode vencer com o que acredita em seu coração. Isso me deu uma nova compreensão do motivo pelo qual os políticos mentem para chegar ao cargo", confidencia ele para a câmera.
Em certo momento, Garza aponta sabiamente que "os melhores líderes lideram na frente e com paixão".
Soldados não seguirão um general que não se importe com baixas e os manda para a batalha sem se importar com a perda de vidas. Eles se importam com pessoas que inspirem, motivem e se importam. Esse era quem eu queria ser aqui no Boys State. Esse tipo de líder. E acho que eu sou. Não importa quais foram os resultados da eleição.
Steven Garza
"Boys State" é um microcosmo da política do mundo real, com um pé no século 21 e outro na década de 1950. Conforme o filme avança, os dois partidos, então indefinidos no início, tornam-se claramente o que pode ser descrito como esquerda e direita. O direito às armas é um tema importante entre eles, e mais de um menino declara sua oposição ao aborto, muitos deles reproduzindo frases prontas já tanto ouvidas por políticos na mídia.
Mas "Boys State" é também envolvente quando se concentra em momentos de amizade entre eles, e não só na raiva alimentada pela testosterona, como quando eles mostram apoio mesmo expressando em voz alta suas divergências. O comportamento juvenil também está lá, como quando eles promulgam uma lei estadual para proibir pizza de abacaxi (mas quantos projetos banais também não circulam pela Câmara dos Deputados?).
O objetivo do experimento da American Legion é reunir jovens de todas as culturas e permitir que eles aprendam uns sobre os outros, ainda que a diversidade não seja tão vasta entre os selecionados. E "Boys State" nos permite ser igualmente educados enquanto assistimos. Você pode até se desesperar com a habilidade desses jovens em conduzir truques sujos e tentativas de conquistar posições de poder, mas vai também alimentar a esperança de que estes mesmos jovens apaixonados poderão realizar grandes feitos no mundo real. Garza, hoje com 19 anos, estuda política na Universidade do Texas, em Austin.
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