Mariéme Jamme a mulheres negras: "Precisamos ser o próximo Mark Zuckerberg"
Uma das principais mulheres no mundo da tecnologia, a empresária senegalesa Mariéme Jamme fez um "chamado" às brasileiras que atuam ou desejam entrar nesta área: construir soluções. Junto com Silvana Bahia, co-diretora executiva do Olabi, ela participou ontem (24) de um painel transmitido pela edição virtual da Feira Preta, principal evento de empreendedorismo negro do Brasil.
Mariéme defendeu que, mais do que se engajar em movimentos sociais ou no ativismo, as mulheres precisam desenvolver ideias que tragam resoluções para os problemas enfrentados. Segundo a empresária, é isso que chamará a atenção de empresas ou governos quando a pessoa ir atrás de um financiamento.
"Trabalhar em empresas é bom, ser ativista de tecnologia também é bom, mas a gente precisa sentar e construir. Precisamos ser o próximo Mark Zuckerberg. Nós não temos muita história de gente preta construindo, não é? A gente precisa construir as soluções. Sentar, programar, desenvolver um aplicativo e jogar no mercado", afirmou a empresária, que complementou sua fala listando uma série de negros famosos que construíram suas próprias formas de inovar em suas áreas de atuação.
"Jay-Z, Beyoncé, Kanye West, 50 Cent, Oprah entendem isso. Todos negros. Eles estão construindo soluções para o futuro, é por isso que estão próximos do Bill Gates. Se você quer criar soluções e fazer dinheiro, você tem que construir. Se eu chegar para você sem uma solução, eu não vou ter o seu dinheiro. Se você me der um aplicativo pela metade, não tem investimento, solidariedade ou comunicação".
Mariéme é fundadora da ONG I Am the Code, que atua oferecendo aulas de programação para meninas ao redor do mundo. Trabalho similar ao da PretaLab, iniciativa comandada por Silvana dentro do Olabi.
"Ao perceber a ausência de presença, apesar da redundância, das mulheres nesses espaços de tecnologia, eu quis criar uma coisa que pudesse incentivar outras mulheres. O PretaLab é um projeto sobre a necessidade e a urgência de incluir as mulheres negras no universo da inovação".
Ela reconhece que as mulheres negras são a maioria das empreendedoras no Brasil, mas que essa estatística está mais atrelada à necessidade que por um desejo de empreender mesmo: "isso é interessante, mas também mostra o quanto não somos absorvidas pelo mercado formal", pontua Silvana.
Foi justamente essa dificuldade em se inserir numa empresa que fez Mariéme começar a estudar linguagem de programação. Ela conta que procurou um emprego, mas que não conseguia o trabalho que queria por conta de dificuldades de estudos. Então, ela passou a estudar numa biblioteca pública, decorando os códigos presentes e depois testando-os no computador.
"Eu queria entender como que a informação podia ser formada por números, símbolos e se traduzir em uma página. Eu abri minha empresa para vender softwares para o governo, para o setor privado, porque eu queria assegurar que todo mundo tivesse acesso à tecnologia e à inovação", conta.
Apesar de desejar que as mulheres construam soluções em tecnologia, Mariéme reconhece que há várias barreiras dentro da realidade brasileira, como a necessidade em se aprender inglês e a falta de conectividade em regiões periféricas.
"A educação das meninas é um problema global. A tecnologia é a mesma. As meninas em favelas no Heliópolis têm os mesmos problemas das que vivem em Nairóbi no Quênia", afirma a empresária, que pretende com a sua ONG formar um milhão de meninas programadoras até 2030. Essa atuação fez a ONU reconhecer Mariéme como Embaixadora da Tecnologia.
Para ela, uma das formas de lidar com a questão do idioma é incentivar as mulheres que tenham esses conhecimentos os passem para a frente por meio da produção de conteúdo: "As mulheres do Brasil precisam começar a pensar em conteúdo. Não apenas ir aos eventos, mas também criar planos de aula. Criar conteúdo em português para as meninas. O dinheiro está disponível para quem está produzindo, não para os movimentos. Por favor, continuem produzindo", finaliza Mariéme.
Ancestralidade na tecnologia
Outro painel que também tratou da participação da população negra na tecnologia contou com a participação da desenvolvedora Anicely Santos e da cientista de computação Nina da Hora.
Ambas falaram sobre a necessidade de os jovens conhecerem cientistas negros para tomar para si como referência e inspiração ao entrar nesse mercado:
"Eu não tinha referências de pessoas negras na ciência, não era apresentado. É muito interessante a gente perceber como as contribuições deles vão muito além da tecnologia. Estão na filosofia, nas disciplinas básicas, na forma como a gente faz cálculo, e que foi se perdendo ao longo desse período da humanidade", afirma Nina. Ela é responsável pelo podcast Ogunhê, que apresenta o trabalho de cientistas do continente africano.
A necessidade do resgate dessas histórias também foi reforçada por Anicely, que atua com análise de dados: "talvez seja uma maneira meio rude de estar dizendo isso, mas eu acho que a gente como pessoa negra não faz mais que a nossa obrigação por todo aquele povo que veio, sofreu, chorou e derramou sangue para abrir esse caminho que a gente tá seguindo hoje".
Saindo um pouco da tecnologia e falando sobre entretenimento, Adriana Barbosa, fundadora da Feira Preta e colunista de Ecoa, participou de um painel sobre o "poder da curadoria diversa para festivais".
"Num país onde você tem mais de 50% da população negra, não é possível que você não considere que ela consuma e compre ingresso. O discurso [da diversidade] não está na estratégia de marketing ou de ativação da marca nesses festivais. São transformações muito profundas que eu acho que o mercado precisa fazer e que a gente precisa se questionar. Onde está a presença negra na cadeia de produção dos grandes festivais?", questiona Adriana.
A programação completa da Feira Preta pode ser encontrada no site do evento.
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