"Legado de Marielle vai até presidenta de empresa", diz Anielle Franco
Ontem (8) completaram-se 1000 dias do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes. Ainda não há informações concretas sobre quem foram os mandantes do crime e quais foram as suas motivações. O fato é que, desde então, sua irmã abraçou a causa de honrar o legado de Marielle e garantir a continuidade de defesa de suas causas.
Anielle é jornalista, educadora, diretora executiva do Instituto Marielle Franco e colunista de Ecoa. Na manhã de ontem, ela participou do segundo dia de conversas da 4ª Semana de Equidade Racial, promovida pela agência Wunderman Thompson em parceria com Ecoa.
A manhã foi de conversas sobre a presença da mulher negra no mercado de trabalho e, principalmente, nos cargos de liderança. Apesar de a figura de Marielle Franco ser sempre associada à política, por conta da sua atuação como vereadora e ativista, Anielle faz questão de lembrar que a trajetória da irmã também pode ser inspiradora para o meio corporativo.
"O legado de minha irmã se materializa com a possibilidade de mais mulheres negras estarem em espaços de tomada de decisão, se formando em universidades, liderando ações em seus territórios. Eu sempre digo que o legado da Mari vai da tia que vende cachorro-quente até a presidenta de uma empresa. Ela é gigante porque sua trajetória materializou o sonho de tantas de nós, é uma referência de vida, luta e construção de outra realidade", afirmou Anielle em entrevista a Ecoa após a live.
Uma prova de como é possível passar para a frente esse legado foi apresentada durante as últimas eleições municipais. O instituto que leva o nome da vereadora lançou a Agenda Marielle, que apresenta uma série de pautas que foram abraçadas por candidaturas em todo o país.
Anielle afirma que é completamente possível aplicar essas demandas dentro de empresas. Para a jornalista, as práticas apresentadas pela Agenda, como diversidade, respeito, acolhimento e protagonismo de mulheres negras, são formas de "mudar o rosto" que estamos acostumados a ver no mercado:
"[Essas práticas são] valores que aprendemos dentro de nossa família, com seu Antônio e dona Marinete, nossas referências. Absorver isso para o meio profissional é entender que a mudança ocorre nos meios e espaços que estamos inseridas, reconhecer a importância da mão de obra negra superando os desafios que o mercado produz", afirma Anielle.
Sobre mudança dentro dos espaços, Anielle lembra às mulheres negras que ocupam cargos de liderança que é possível praticar ativismo e militância para "incluir a todos e todas sem distinção ou discriminação" na empresa em que atuam.
"Ser fiel aos seus princípios e valores não deveria ser conflitante com a posição de liderança que você ocupa, nosso ativismo pode ser manifestado de diversas formas, com a preocupação sempre de saber que verdadeiros líderes impulsionam mudanças de qualidade".
Negras no poder
A presença de mulheres negras nas tomadas de decisões nas empresas esteve em pauta nas outras conversas que rolaram durante o evento ontem. Jéssica Gomes, que é Head of Creative na Sallve, contou como liderar uma equipe de criação majoritariamente negra permitiu "destravar narrativas" típicas do mercado publicitário.
"A gente percebe coisas que não perceberia se não tivesse essas pessoas no processo. Se hoje existe o desafio da publicidade em entender seu papel social é porque temos anos e anos com as mesmas pessoas contando as mesmas histórias. Quando a gente muda quem está nos bastidores fazendo acontecer, a gente muda não só como a campanha é feita, mas também como o produto é pensado", afirma Jéssica.
Um exemplo prático da participação negra na criação e como isso se reflete no produto final foi apresentado pela Carolina Gomes. Ela é coordenadora de planejamento e comunicação da Avon e fez parte da equipe que lançou a campanha "Essa é a Minha Cor", que reformulou o portfólio de produtos da marca para se adequar aos mais variados tons de pele existentes no Brasil.
"Desde a criação do projeto, ter as pessoas certas nos lugares certos fez com que essa campanha tivesse diálogos muito ricos desde o começo. O desenvolvimento [da campanha] foi muito mais assertivo porque todo mundo estava sentado na mesma mesa desde o início", explica Carolina, que também lidera o grupo que cuida das práticas antirracistas dentro da empresa, a Rede pela Diversidade.
Contudo, para se ter lideranças na empresa, é preciso haver um plano de carreira que permita o crescimento das profissionais. Este foi o ponto levantado por Amanda Abreu, cofundadora do Indique uma Preta, uma consultoria de conexões entre mulheres negras e o mercado de trabalho:
"Pensar na contratação é interessante, mas [é preciso] pensar na jornada, no que ela vai fazer para não ficar estagnada nesse lugar de sempre". Amanda reforçou também uma questão já apresentada no primeiro dia da Semana de Equidade Racial, sobre quais são as qualificações exigidas ao profissional negro:
"Os repertórios que essas pessoas [brancas] procuram são muito padronizados. Quando chega alguém com outra bagagem, aquilo não é bem aceito. Eu vejo uma falta de repertório plural nesses lugares, falta de abertura em reconhecer que o saber do outro também é válido".
A Semana de Equidade Racial continua na manhã de hoje (9) a partir das 10h com transmissão de Ecoa. Os caminhos para facilitar a permanência desses profissionais no mercado serão abordados em dois painéis que contarão com a participação de Helena Bertho, da L'Oreal, e Joice Berth, autora do livro "Empoderamento" (Selo Suely Carneiro, 2019).
A abertura da programação ficará com uma conversa sobre Racismo Estrutural, com o advogado e professor Silvio Almeida e a head do Twitter Next Samantha Almeida.
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