Topo

Jovem de 20 anos liderou resgate e cuidado de animais feridos no Pantanal

A jovem Eduarda Fernandes, 20, durante trabalho no Pantanal - Arquivo pessoal
A jovem Eduarda Fernandes, 20, durante trabalho no Pantanal Imagem: Arquivo pessoal

Aline Takashima

Colaboração para Ecoa, de São Paulo

02/01/2021 04h00

Quando Eduarda Fernandes, 20, acompanhou pela primeira vez um grupo de 20 turistas nas matas do Pantanal, não imaginou que, dois anos depois, a floresta seria consumida pelo fogo. Em julho, viu chamas de 30 metros nas copas das árvores, perto da pousada em que trabalha, na região de Porto Jofre, localizado a 235 km de Cuiabá.

O incêndio no Pantanal foi o pior já registrado. O fogo na maior planície alagada do mundo consumiu mais de 4 milhões de hectares, aponta o Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (LASA) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A área é equivalente a 27 vezes a cidade de São Paulo. E corresponde a mais de 27% do bioma.

Desde que viu as árvores queimarem na sua frente, Eduarda decidiu arregaçar as mangas e agir. Desde então, trabalhou dia e noite resgatando e alimentando os bichos da floresta. Hoje, é uma liderança na região. "Eu só fui entender a proporção do que estava acontecendo quando vi o fogo. Os animais saíam machucados da mata. É catastrófico", lamenta.

Voluntariado e ação

Eduarda cresceu rodeada por bichos na fazenda do avô, em Rondônia. Desde pequena ela sabia que iria trabalhar com animais. Assim que terminou o ensino médio, pensou em ser veterinária. Mas optou por trabalhar com a fauna e a flora do Pantanal para ter certeza da escolha. Ela se mudou de Cuiabá (MT) para Porto Jofre. Lá, descobriu a sua vocação: o turismo da vida silvestre.

A guia de turismo acompanha os visitantes em safáris de animais. Eles observam macacos, antas, passarinhos e onças. "Sempre gostei de ver os bichos na vida selvagem. Eu gosto de apreciar de longe, admirando. Tenho esse amor pelos animais", conta.

Eduarda Fernandes (dir.) durante tratamento de anta ferida no Pantanal - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Eduarda Fernandes (dir.) durante tratamento de anta ferida no Pantanal
Imagem: Arquivo pessoal

É por isso que, assim que o incêndio chegou próximo à pousada, Eduarda pediu ajuda para o Ibama e a Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema) de Mato Grosso. Mas, na época, nada foi feito. "O pessoal [órgãos governamentais] não tinha ideia do que estava acontecendo na mata. O governo demorou um tempo para se organizar."

Foi então que decidiu chamar um grupo de pessoas para resgatar os animais. A equipe conta com 18 voluntários de diversas regiões do Brasil, como Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e também os próprios pantaneiros. "Muita gente se mobilizou pela causa. Contamos com profissionais com experiência com bichos, como veterinários e biólogos", ressalta Eduarda.

O projeto é um dos braços do Pantanal Relief Fund, um fundo financeiro criado virtualmente para resgatar os animais atingidos pelo incêndio. A "vaquinha virtual" atingiu mais de 78 mil dólares. O valor foi destinado a quatro grupos, entre eles, a equipe de Eduarda.

Turismo no Pantanal

Uma das primeiras ações da guia de turismo foi transformar a pousada em que trabalha em uma base para os voluntários dormirem e para os primeiros socorros dos animais. O local conhecido como Reserva Ecológica do Jaguar é da família de seu noivo, que prontamente aceitou ajudar. Há espaço de sobra no hotel. Isso porque o empreendimento não recebia clientes desde o começo do ano.

E não foi só essa pousada que enfrentou cancelamentos. De acordo com a Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação (FBHA), houve queda de 90% no faturamento de 63 pousadas no Pantanal desde o início da pandemia. As queimadas trouxeram mais prejuízos. "Todas as reservas dos clientes foram canceladas ou reagendadas", lamenta Eduarda.

O turismo é uma atividade importante na região. Movimenta cerca de 7 milhões de dólares por ano, de acordo com a ONG WWF-Brasil. "A melhor forma de conservar o Pantanal é fazendo turismo. A forma econômica da região mudou", explica a guia.

O resgate dos animais

Eduarda Fernandes auxilia no cuidado de onça ferida por incêndios do Pantanal - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Eduarda Fernandes auxilia no cuidado de onça ferida por incêndios do Pantanal
Imagem: Arquivo pessoal

A primeira vez que Eduarda foi para a mata com os voluntários não reconheceu a floresta. Ela encontrou cobras, rãs e aranhas carbonizadas. Árvores imensas viraram cinzas. O calor era insuportável. A fumaça turvava a visão e machucava os olhos. "A gente não conseguia ficar muito tempo dentro da mata. Não tinha sombra porque as árvores tinham morrido. Eu só pensava: 'nenhum animal sobreviveu''', lamenta. "A sensação maior é de impotência. E aí eu me pergunto: 'O que eu posso fazer?', 'Por que isso está acontecendo?'. Você vê a destruição na sua frente e não consegue fazer absolutamente nada."

Ela tem razão. Quando o fogo queima a floresta, a equipe não consegue socorrer os animais encurralados no incêndio. O grupo conta com o auxílio dos bombeiros para saber quais áreas são seguras. "A gente vai em pontos que já queimaram há dois, três dias." Eles resgatam diversos animais feridos como cobras, jacarés, onças-pintadas e macacos.

Os bichos que mais socorrem são os quatis, lontras e antas. "A anta sofre com falta de água. Quando os rios e lagos secaram, elas começaram a sair, andar à procura de água." As equipes no Pantanal, contando com a de Eduarda, resgataram mais de 120 animais. Como é o caso de Ousado, uma onça-pintada machucada com queimaduras de segundo grau.

Grupo que participou da soltura de Ousado de volta ao Pantanal - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Grupo que participou da soltura de Ousado de volta ao Pantanal
Imagem: Arquivo pessoal

Ousado, a onça-pintada que voltou para a mata

Em uma terça-feira de outubro, Eduarda acordou bem mais cedo que o usual. Às 2h estava pronta para organizar a soltura da onça-pintada Ousado. Após 36 dias em tratamento, o felino debilitado voltou à floresta. O animal fez uma longa viagem de carro que durou 21 horas. Também percorreu um trecho de barco até a localização exata do resgate, em Porto Jofre.

Ele foi encontrado próximo ao Parque Estadual Encontro das Águas, área que abriga o maior refúgio de onças-pintadas no mundo. Mais de 90% do parque, segundo o Instituto Centro Vida (ICV), foi destruído pelo fogo. Pelo menos 200 onças foram feridas, mortas ou se deslocaram nos incêndios no Pantanal, segundo a organização Panthera. A espécie é considerada quase ameaçada de extinção, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza.

A soltura de Ousado trouxe esperança diante de tantas perdas. "Deu um significado ao que a gente fez nos últimos 60 dias. A onça é o maior felino das Américas, o que torna tudo muito especial. A volta dele para casa simboliza o esforço de todos que trabalharam no combate aos incêndios florestais e no resgate da fauna afetada", comemora Eduarda.

Fome cinzenta

Alimentos distribuídos para animais após incêndios no Pantanal - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Alimentos distribuídos para animais após incêndios no Pantanal
Imagem: Arquivo pessoal

Os trabalhos continuaram, com o grupo investindo em alimentar os animais na floresta. Os bichos sobreviventes encontram dificuldades em encontrar alimento e água. É o período de fome cinzenta, explica Eduarda. "Quando o fogo passa, o animal não tem mais o que comer. Ele acaba morrendo, definhando por falta de comida."

Para aliviar a situação, os voluntários espalham frutas e legumes ao longo da rodovia Transpantaneira. Mais de uma tonelada de comida foi distribuída em 60 pontos por diversas equipes como a de Eduarda. Os porcos do mato ganham milho, e as antas recebem abóbora. Já as lontras comem iscas de peixe. Também são fornecidos melão, laranja e cenoura.

Eduarda sabe que o resgate dos animais é importante. Mas costuma dizer que a ação "tem um impacto zero". Ou seja, é uma atitude pequena diante da imensidão do fogo que consome a floresta. "A gente pode salvar alguns animais. Mas é algo mínimo perto do que é o Pantanal. O que a gente está fazendo é uma causa, é um movimento para que incêndios assim não aconteçam de novo", explica.

As ações dos voluntários só serão realmente eficientes se as pessoas agirem de uma forma diferente, pontua a guia de turismo. "É preciso repensar a forma de agir e de se alimentar para ajudar a salvar a mata." E não são só as mudanças individuais que importam. "A partir de agora a cobrança no governo tem que ser mais árdua. Eu entendo que se eu não cobrar do governo o que eles têm que fazer para mudar, tudo o que a gente fez aqui não faz nenhum sentido", defende.

Eu chorei diversas vezes. Mas eu me cobro para não ficar me lamentando. Eu procuro buscar soluções.