Teatro é ferramenta para ensino de jovens em comunidade do Rio
"O teatro me educou, me ensinou a ler, a escrever e a questionar". Essas são as palavras da atriz e educadora Laura Campos Braz, 31. Há dois anos, ela está à frente do Projeto Cria, um espaço no Complexo de Favelas do Caju, no Rio de Janeiro, e busca suprir a ausência de atividades culturais da comunidade para os jovens do local.
Apesar de estar localizado na Zona Portuária, que tem recebido investimentos e foi valorizada nos últimos anos, o Complexo do Caju é uma região desassistida e possui um dos piores índices de desenvolvimento humano (IDH) da cidade. Com o Cria, Laura quer mostrar que é possível oferecer uma nova forma de adquirir conhecimento.
"Integrar o teatro com elementos inspirados na pedagogia de ensino, nos possibilita chegar a uma nova ferramenta de aprendizagem, o Método Cria. E o meu maior objetivo é que esse método possa impactar cada vez mais alunos, despertando o interesse deles pela pesquisa e pela aprendizagem, contribuindo assim para a sua formação cultural e educacional. Ao mesmo tempo em que, através do teatro de rua, ressignificamos o olhar dos moradores para os espaços públicos, criando conteúdos artísticos gratuitos para a formação de plateia na comunidade", avalia Laura.
De acordo com a profissional, o contato com o teatro é rico e faz com que os alunos desenvolvam olhar crítico. "Eu fui uma aluna com muita dificuldade de aprendizagem, os conteúdos educacionais não me atravessavam e isso me tornava uma aluna desinteressada. O teatro me deu autonomia para encontrar a minha forma de estudar e mudou completamente a minha postura diante dos estudos".
Uma das ferramentas usadas por Laura e sua equipe é a pedagogia Waldorf. "Essa pedagogia usa a arte e variadas formas artísticas como caminho educacional, todo o conteúdo que ela ensina é através de alguma prática artística. Tentamos desenvolver o ensino de forma mais leve e orgânica, com um currículo vivo, dinâmico e integrado", explica Laura, que trabalha ao lado de Fellipe Mesquita, professor de musicalização, Daianna Pupe, professora de teatro, Flávia Ferreira, pedagoga, além de sete voluntários que se disponibilizam para atuar em outras áreas do projeto.
De acordo com a atriz, o Projeto Cria deve atender 120 crianças e adolescentes, agora em 2021, quando retomar as atividades presenciais. "Neste momento de pandemia, estamos tendo aulas online com muita dificuldade, pois 90% dos nossos alunos não conseguem participar das aulas".
Um deles é Bruno Cardoso, 21, que viu no projeto a chance de finalmente compreender o que via em sala de aula. "O projeto me ajudou em vários sentidos, o primeiro foi no reforço escolar. Aqui, vi que era possível aprender as coisas com facilidade, porque era ensinado de forma simples", explica o atendente. O aprendizado também o auxiliou na hora de conseguir um emprego. "Depois de entrar no Cria, passei a me desenvolver e a me sentir mais seguro. Isso foi muito importante para eu conseguir conversar e me articular na minha primeira entrevista de emprego. Eu consegui a vaga e devo isso ao Cria".
Para Davi Araujo de Lima, de 20 anos, o Projeto fez a diferença ao se apresentar como um espaço artístico livre de qualquer rótulo. "Gosto da dinâmica da rua, essa proposta de não ter caixa preta típica do teatro convencional. O desafio de ter que ser mais expressivo e ter a voz mais explosiva, tudo sempre no 100%", avalia.
O estudante de oceanografia e morador do Parque Alegria, no Caju, sonha com a possibilidade de usar a arte como propósito para o cuidado com a sua comunidade. "Meu sonho é mudar a perspectiva dos jovens da minha favela, mudar o olhar que as pessoas têm sobre o Caju, lutar por uma sociedade mais justa, sem racismo estrutural, que a zona norte seja um pólo cultural e a cultura das favelas seja valorizada da forma que ela merece. O projeto Cria tem os mesmos sonhos que eu e quero caminhar junto com ele".
Katia Dami Santana, 22, encontrou nos palcos uma forma de domar sua personalidade e expressar sua arte extremamente política. "Minha vida mudou completamente, pois me tornei mais confiante com os exercícios, as palavras, a arte como forma de poesia e a visibilidade que os professores me dão. Me identifico como travesti e é bom ter um lugar onde eu possa ter o momento de mostrar que minha arte política é muito coerente e necessária. Isso tem me dado muito gás para produzir cada vez mais".
Ver seus alunos se permitindo sonhar faz com que Laura tenha certeza que sua missão com o Cria está sendo cumprida. "O meu sonho é que o projeto tenha a sua metodologia reconhecida como referência de aprendizagem, e se torne uma potência cultural, dando voz aos moradores, impactando o seu território e colocando o Caju, um dos bairros mais antigos da cidade, novamente no mapa", finaliza.
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