Biofertilizante à base de alga é alternativa sustentável para agricultura
Tipo microscópico de alga, as microalgas, organismos unicelulares que habitam preferencialmente ambientes aquáticos, são a base de um biofertilizante orgânico desenvolvido a partir de uma pesquisa da Universidade Federal do Paraná (UFPR). A investigação obteve aminoácidos livres, resultantes da hidrólise da biomassa de uma microalga chamada Arthrospira sp. Esses aminoácidos (substâncias orgânicas que formam as proteínas) tiveram efeito comprovado no crescimento de plantas. O processo de obtenção desses aminoácidos se tornou a primeira Patente Verde (registro para novas tecnologias sustentáveis) da instituição. O registro foi expedido recentemente pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
Principal inventora da patente, a bióloga Gilda Mógor, de 57 anos, pós-doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Agronomia - Produção Vegetal (PPGAPV) da UFPR, explica que o uso de microalgas já vem sendo difundido em segmentos industriais, e, dependendo da espécie, na obtenção de biodiesel. Na pesquisa para o biofertilizante, a escolha pelas microalgas se deve ao fato da matéria-prima poder ser cultivável em qualquer lugar do Brasil, tendo o processo de produção contínuo, sustentável e capaz de mitigar a emissão de CO2.
"O principal diferencial do uso de microalgas é que a biomassa, matéria-prima para obtenção do biofertilizante, pode ser produzida em biofábricas", observa ela, que é de Campinas, interior de São Paulo. Gilda já atuou na indústria de fertilizantes, na área de biotecnologia e fermentações, e tem investigado na academia o uso de microalgas em pesquisas com cana-de-açúcar.
Eureca!
A ideia da pesquisa para a Patente Verde surgiu após o Estágio Sênior/CAPES do professor Atila Francisco Mógor, do Departamento de Fitotecnia e Fitossanidade da UFPR, na Széchenyi István University, na Hungria, para estudar o potencial das microalgas em diversas áreas. "Na ocasião, pensamos em desenvolver uma metodologia que disponibilizasse os compostos bioativos de microalgas com potencial efeito em plantas", completa a pesquisadora.
Gilda relata que, a partir disso, foi desenvolvido em laboratório o processo de hidrólise enzimática de Arthrospira sp. (Spirulina sp.) para a obtenção de aminoácidos livres. A pesquisa, que durou cerca de um ano e meio, ocorreu no Laboratório de Biofertilizantes, do Departamento de Fitotecnia e Fitossanidade da UFPR, e na Área de Olericultura Orgânica da Fazenda Canguiri, estação da UFPR em Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC).
Os experimentos utilizaram bioensaios e o cultivo de alface orgânica. Os pesquisadores alcançaram um efeito diferente de um fertilizante clássico, que, essencialmente, oferece nutrição para as plantas. No caso do biofertilizante da UFPR, os aminoácidos livres, obtidos através da hidrólise enzimática da biomassa das microalgas, são potencialmente absorvidos por raízes e folhas. O produto, assim, estimula a resposta de crescimento e desenvolvimento das plantas.
Aplicação versátil
Embora o resultado tenha sido obtido com alfaces, o biofertilizante, conforme a pesquisadora, poderia ser usado em qualquer tipo de cultivo, dependendo de pesquisas de campo, após o licenciamento da patente por empresas interessadas. Gilda assinala que, como o cultivo de microalgas pode ter a produção modulada de acordo com a demanda, também é possível produzi-las em grande escala. Durante a pesquisa, as microalgas utilizadas foram produzidas em escala laboratorial, através de um sistema de fotobiorreator fechado.
O biofertilizante, contudo, não está acabado para ir para o campo. Segundo a pesquisadora, o produto ainda deverá ser formulado, passar por desenvolvimentos agronômicos, e ter seu custo estimado. Ainda assim, Gilda se diz satisfeita com o patenteamento da invenção. "A pesquisa para obtenção de patente é complexa e exige originalidade. Tive o importante apoio da Agência de Inovação da UFPR, que contribuiu com os trâmites junto ao INPI", comenta a cientista.
Redução de impactos
Ela salienta que a pesquisa científica com o uso de substâncias naturais é importante porque pode ajudar a reduzir os efeitos dos chamados estresses abióticos na agricultura, desencadeados por questões envolvendo salinidade, seca e temperatura. Ao mesmo tempo, a pesquisadora enxerga na Patente Verde uma contribuição da universidade para o setor produtivo e, por consequência, para a sociedade.
"É uma grande satisfação, pois a Patente Verde traz um forte componente de sustentabilidade. Sou a primeira autora, porém, a concepção, o planejamento e a execução foram feitos por todos os envolvidos. Trata-se do resultado de uma colaboração internacional", define. O estudo também contou com os professores pesquisadores Vince Ördög e Zoltán Molnár, ambos da Széchenyi István University, na Hungria.
Gilda deve prosseguir com a pesquisa na iniciativa privada. Essa é a segunda patente que a tem como inventora. A primeira envolveu o uso de biomassa da microalga Scenedesmus sp. para a promoção do crescimento vegetal, tendo sido desenvolvida durante o primeiro pós-doutorado dela, no Departamento de Bioquímica da UFPR.
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