Projeto cria campanha para combater desinformação sobre vacina; veja guia
Um arsenal de áudios e vídeos com informações confiáveis sobre vacinas está disponível em uma pasta de acesso público para que qualquer pessoa possa fazer o download e distribuir livremente. Os materiais desmontam as principais teorias da conspiração relacionadas à imunização e foram preparados por cientistas de diferentes áreas e instituições, membros de uma iniciativa chamada União Pró-Vacina.
No fim de 2019, estudantes, pesquisadores e professores ligados ao Instituto de Estudos Avançados da USP de Ribeirão Preto estavam preocupados com a cobertura vacinal no Brasil, que vinha decaindo nos anos anteriores.
De acordo com um levantamento da Organização Mundial da Saúde, o país apresentou uma queda de 23 pontos percentuais na cobertura universal de vacinas para crianças entre 2015 e 2019. Apenas países em guerra registraram uma redução superior à brasileira no período.
Eles decidiram agir para mudar a situação: criaram a União Pró-Vacina, aliança formada atualmente por cerca de dez entidades, voltada a produzir conteúdo embasado em evidências científicas sobre vacinas e a combater a desinformação em torno do tema nas mídias digitais.
O que começou como um projeto de médio e longo prazo para entender a articulação de grupos antivacina nas redes e combatê-la com informações verdadeiras logo ganhou uma urgência muito maior com a chegada da pandemia de covid-19 ao país.
Idealizador da UPVacina, o analista de comunicação do IEA-RP João Henrique Rafael conta que a crise sanitária fez o ruído de desinformação na rede alcançar níveis estridentes. Grupos antes dedicados à disseminação de postagens antivacina passaram a municiar as plataformas digitais com uma enorme quantidade de conteúdo negacionista em relação ao vírus.
"Sabíamos que quando as pesquisas sobre vacinas [para a covid-19] avançassem, todos esses produtores de desinformação iriam se unificar para atacá-las", disse o analista em entrevista a Ecoa. Ele é um dos principais responsáveis pelo monitoramento dentro da iniciativa do que chama de "ecossistema antivacina" (formado essencialmente por grupos no Facebook e canais no YouTube) e também por análises sobre a atividade dessa rede com o objetivo de mitigar seus impactos.
A partir desse momento crítico, a UPVacina intensificou sua atuação: buscou novos parceiros, ampliou sua produção de conteúdo e passou a distribuí-lo além do Facebook, onde inaugurou sua presença na rede. Hoje, seus conteúdos estão no Instagram, Twitter, YouTube e Telegram.
Um site e uma campanha voltados a engajar artistas, influenciadores, cientistas e pessoas comuns no compartilhamento dos materiais pró-vacina foram lançados ontem (18). Marcada para quinta-feira, a campanha #TodosPelasVacinas reúne várias entidades da ciência e organizações ligadas à divulgação científica e tem por objetivo reforçar na opinião pública a importância da vacinação, além de combater a disseminação de notícias falsas sobre o tema.
Guia prático contra a desinformação sobre vacinas
Com o início da vacinação no país, especialistas da União Pró-Vacina preveem que o volume de desinformação e de ataques infundados à confiabilidade das vacinas deve aumentar. Com ajuda da UPVacina, Ecoa lista abaixo dicas úteis na identificação desse tipo de conteúdo.
- espere um momento e pense antes de acreditar e disseminar a informação
- pesquise o título no Google: se for verdade, é provável que portais como o UOL, jornais ou canais de TV já tenham divulgado. Se for falsa, essa informação aparecerá como tal nos sites de checagem, junto com uma explicação detalhada. A UPVacina já desmentiu vários dos principais boatos que circulam sobre a vacinação, e seus conteúdos podem ser consultados para tirar dúvidas
- confira os dados: se há números no depoimento de uma autoridade ou se um texto contém resultados de uma pesquisa, datas e índices, faça uma busca e verifique os dados divulgados em outros veículos. No caso da taxa de eficácia da CoronaVac, por exemplo, é falso que tenha caído de 78% para 50%. Os números têm significados diferentes
- suspeite de conteúdos que causem reações emocionais muito fortes: notícias inventadas são feitas para causar surpresa ou rejeição. No caso das vacinas, isso se aplica a teorias da conspiração como a de que elas provocariam autismo ou seriam feitas de fetos abortados
- desconfie de afirmações inéditas demais e de textos que pedem para confiar por se tratar de um fato que "a mídia quer esconder"
- caso o conteúdo seja um áudio ou vídeo, tente pesquisar usando palavras-chave e a plataforma em que você recebeu esse conteúdo
- desconfie de experiências pessoais: as chamadas evidências anedóticas não têm validade científica e não podem ser usadas para contrapor estudos feitos com a participação de um grande número de pessoas
- confie em especialistas da área: siga perfis verificados de cientistas, participe de grupos e fóruns nas redes em que eles estejam presentes
- ao identificar uma publicação enganosa, denuncie na própria plataforma: isso pode ajudar a frear a disseminação de informações falsas.
- compartilhe conteúdo cientificamente embasado sobre vacina. As publicações da UPVacina são um bom ponto de partida
- ao receber um conteúdo enganoso de uma pessoa próxima, tente dialogar
Iniciativa rema contra a maré
A ideia do projeto é não apenas combater a desinformação como tentar inverter o fluxo informativo nas redes, aumentando a circulação de conteúdos confiáveis sobre as vacinas.
"Quanto mais agentes puderem colaborar, pode ser a diferença entre termos uma campanha bem executada de vacinação para a covid ou termos a falha crítica de ter a vacina disponível e pessoas com muita desconfiança, a ponto de ou não tomarem ou ficar retardando. Precisamos agir agora porque cada dia que passa é um dia a menos para produzir conteúdo e passar confiança para a população e um dia a mais que essa rede ganha pra continuar divulgando conteúdo falso", alertou o analista de comunicação.
Remando contra a maré de desinformação sobre vacina nas redes — e contra a lógica dos próprios algoritmos, que tendem a impulsionar conteúdos com alto apelo emocional e a limitar o alcance de dados e fatos — o grupo tem obtido resultados importantes no combate à desinformação.
Eles vão desde as milhares de pessoas alcançadas pelos conteúdos produzidos (no Facebook, as publicações da UPVacina atingiram um total de 500 mil visualizações em 2020), várias das quais reconhecem o trabalho enviando mensagens de agradecimento; passam pela repercussão das análises sobre publicações antivacina em centenas de veículos de imprensa; até vitórias mais pontuais, como a retirada do ar do vídeo antivacina mais visto do Brasil em setembro do ano passado, exposto em uma das análises divulgadas pelo grupo.
Uma das mensagens de apoio e reconhecimento recebidas pela UPVacina que marcou seus voluntários veio de um rapaz cujo pai morreu de sarampo. A doença esteve erradicada por anos do território nacional graças às vacinas, mas retornou recentemente com a queda nas taxas de imunização.
Assim como na história desse rapaz que perdeu o pai para o sarampo, agora corremos o risco de termos vacina para a covid-19 e as pessoas não se vacinarem e morrerem por desinformação. Literalmente, pessoas estão morrendo por desinformação
João Henrique Rafael, idealizador da UPVacina
A UPVacina conta atualmente com cerca de 22 membros ativos, mas o número de participantes varia e eventualmente inclui bem mais gente. Um dos aspectos mais interessantes do trabalho realizado pela União Pró-Vacina é a colaboração não hierarquizada entre pessoas de diferentes níveis de carreira, de estudantes de graduação a professores.
Quando ideias são colocadas em discussão, todos podem opinar, fazer críticas e sugestões. O resultado é um aprendizado coletivo, que empodera os participantes a se engajarem cada vez mais com o tema.
"O pessoal da UPVacina tem sido o grupo que mais contribuiu pra minha carreira e minha vida. É como uma graduação dentro da minha graduação, que transformou todo o aprendizado que eu tive no curso em algo realmente prático, efetivo, importante, com um impacto social grande", disse o estudante de Farmácia da USP de Ribeirão Preto Wasim Syed, integrante da UPVacina, a Ecoa.
A trajetória de Syed é exemplar do aprendizado coletivo proporcionado pela iniciativa. Ele se tornou em 2020 um dos representantes brasileiros da Equipe Halo, ação global da Organização das Nações Unidas que inclui pesquisadores de todo o mundo em apoio à colaboração da comunidade científica internacional na criação de vacinas seguras e eficazes contra a covid-19.
O universitário pretende seguir carreira acadêmica e trabalhar no desenvolvimento de vacinas. "Participar da União Pró-Vacina desde o começo me ajudou muito a entender qual a importância real das vacinas, como elas são desenvolvidas e produzidas. Quando se aprende esse processo na graduação, não é uma coisa que te brilha os olhos. Mas na UPVacina passei a ver a importância da imunologia, de desenvolver novas vacinas, estudar novas formas de prevenir doenças infecciosas, e essa percepção também me ajudou muito a comunicar isso melhor, a tornar essa divulgação científica mais robusta", afirmou.
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