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Expedição vence negacionismo e vacina indígenas em aldeias transamazônicas

A indígena Potai Pirahã sendo imunizada no barco, às margens do rio Maici (Humaitá-AM). Imagem: Fiocruz-RO

Carlos Madeiro

Colaboração para Ecoa, de Maceió (AL)

15/02/2021 04h00

Os mitos que tentam pôr dúvidas sobre as vacinas contra a covid-19 cruzaram o país e infectaram povos indígenas na região da rodovia Transamazônica. Em meio a dúvidas sobre a segurança da imunização dos povos aldeados, uma equipe cruzou o sul do Amazonas para curar o "vírus da desinformação" na última semana.

O indígena e assessor do Condisi (Conselho Distrital de Saúde Indígena) de Porto Velho, Aurélio Tenharin, conta que no primeiro momento — em que ficou definido que indígenas seriam vacinados — houve grande resistência à vacinação na região. "Percebendo que a maioria das aldeias não queria ser vacinada, tentamos dialogar com algumas lideranças, mas mesmo assim tivemos 90% de rejeição. Levei a equipe de saúde para dentro da reserva indígena, mas não tivemos sucesso", conta.

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Diante das negativas, Aurélio procurou ajuda. Foi montada então uma expedição que contou, além do Condisi, com a participação da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) Rondônia, Casa de Saúde Indígena, Secretaria Municipal de Saúde de Humaitá-AM, DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena) Pólo Humaitá, Funai (Fundação Nacional do Índio) e Opiam (Organização dos povos indígenas do Alto Madeira). Junto deles, claro, o casal Zé e Maria Gotinha.

O casal Zé e Mari Gotinha participou da campanha de vacinação em aldeias transamazônicas Imagem: Fiocruz - RO

A responsabilidade de informar as pessoas coube à pesquisadora da Fiocruz - RO, Deusilene Vieira. Ela foi convidada a integrar a expedição para ajudar a quebrar os mitos.

Com 13 anos de dedicação à saúde indígena, Deusilene já é reconhecida pelo trabalho que desenvolve com indígenas portadores dos vírus das hepatites B e Delta. A Ecoa, Vieira relata que percebeu, de imediato, uma desinformação preocupante.

"A população não tinha muita informação; ou se tinha, era uma informação distorcida em relação às vacinas. Mas eles sabiam o nome de várias vacinas que estão sendo utilizadas. Alguns tinham conhecimento sobre essa temática, porém outros possuíam um conhecimento mais superficial. As dúvidas eram principalmente sobre informações veiculadas, mas que eram fake news — que são distribuídas amplamente nas redes sociais - ou sobre a fala de algumas pessoas que às vezes colocam descrédito em relação as vacinas, principalmente relacionadas a sua origem", explica.


A informação salva

Vacinação nas aldeias indígenas da região da rodovia Transamazônica Imagem: Fiocruz - RO

No meio da selva, Deusilene acompanhada da equipes foi dando palestras e conversando, olho no olho, para tirar dúvidas dos povos originários. "A partir da palestra de abertura, os demais caciques de outras aldeias pediram para que a gente levasse essa informação para a comunidade deles. Então, saímos fazendo esse trabalho de comunidade em comunidade, e percebemos o quanto era importante se deslocar em cada local para falar da importância da vacinação e contextualização da doença neste momento", diz Deusilene.

O resultado foi positivo: de terça (26) a quinta-feira (28) foram vacinados 504 indígenas, e apenas 10 recusaram a vacina. "Eles aceitaram a vacina, mas a informação correta foi o ponto mais positivo desse processo. Foi muito importante a presença da Fiocruz e da doutora Deusilene; como pesquisadora, ela passou a informação contundente, e a maioria então falou: 'agora vamos nos vacinar. ' Nessa segunda dose, a Fiocruz também vai participar, é um convite de honra nosso", conta Aurélio.

A expedição visitou e vacinou indígenas ídas etnias Tenharim, Parintintin, Jiahui, Pirahã e Apurinã em sete aldeias: Mafuí, Taboca, Campinho, Trakwá, Bela Vista, Marmelo e Traíra.

Em relação às recusas, Deusilene explica que os indígenas não costumam dar justificativas às equipes. "Eles não têm muito essa característica de mencionar porque não querem. Mas acabamos entendendo essa recusa na hora das perguntas ou durante a palestra, por exemplo, eles questionam a origem da vacina; mas não são abertos para dizerem que não vão tomar isso ou aquilo. Quem recusa a se vacinar apenas não aparece na hora da vacinação", diz.

Maior aflição agora que antes

Durante os dias em que esteve nas aldeias, a equipe encarou o desafio de percorrer estradas vicinais sem condições de trafegabilidade, por conta do inverno amazônico. "Nesse período, a estrada é ruim. Em muitos momentos, tivemos de descer dos carros e ir andando", conta Deusilene.

Ela já havia participado de uma primeira expedição, em novembro do ano passado, para realizar testes e orientar sobre prevenção à covid-19. Um dos pontos que mais chamou a atenção da pesquisadora dela, dessa vez, foi a questão da maior preocupação entre as comunidades indígenas.

"Na primeira vez que eu fui, notamos que eles estavam preocupados; mas agora era perceptível, pelo olhar deles, uma preocupação maior com a doença. Talvez pelo momento de evidência que o estado do Amazonas está passando devido a nova variante, o aumento do número de casos, assim como a questão dos óbitos relacionado a doença. Isso os deixou aflitos e preocupados. Essa aflição é muito mais do nosso processo de observação, do que eles mesmos mencionando.", diz.

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