Como são aprovados e por que se consome tanto agrotóxico no Brasil?
Caso você tenha passado pelo Twitter para ver as últimas fofocas do Big Brother Brasil nessa quarta-feira (9), você deve ter reparado que entre os assuntos mais comentados da rede social, para além do reality show, estava a hashtag #NãoAoPacoteDoVeneno. Na Câmara dos Deputados, o presidente da casa Arthur Lira (PP) decidiu pautar um requerimento para que seja apreciado, com urgência, o projeto de lei 6.299/02 conhecido como PL do Veneno que flexibiliza a entrada de agrotóxicos no País. A hashtag, então, está sendo usada como forma de protesto contra a aprovação da lei.
O histórico dos últimos anos não é positivo para o tema. Em 2020, o governo de Jair Bolsonaro (PL) aprovou o maior número de agrotóxicos da história, 19 a mais que em 2019, outro ano recordista. Isso quer dizer que cerca de um terço de todos os pesticidas no mercado brasileiro foram aprovados no governo Bolsonaro.
Ecoa conversou com especialistas para esclarecer como funciona, atualmente, o regime de aprovação de agrotóxicos no Brasil e como eles afetam a nossa saúde e o meio ambiente.
Por que se aprova tanto agrotóxico no Brasil?
O Brasil é um dos maiores monocultores do mundo, ou seja, o país é um dos maiores produtores de uma só cultura, sendo a soja a principal delas. Por fazer um uso muito grande de fertilizantes, como o NPK, a monocultura deixa as plantações mais vulneráveis a pragas o que, por sua vez, exige mais agrotóxicos. É isso o que diz a teoria da Trofobiose.
"Além disso, essa agricultura, em geral, usa maquinários superpesados, o que compacta o solo gerando o aparecimento de fungos", explica Larissa Mies Bombardi, professora da Universidade de São Paulo. "É um modelo em que vai aparecer fungo e vai aparecer inseto. Então, ele vai acabar demandando agrotóxicos", completa a pesquisadora e autora do Atlas Geográfico do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia.
O problema não é necessariamente a aprovação desses produtos, como explica o pesquisador da Universidade de São Paulo e autor da tese Efeitos à saúde por exposição ambiental e ocupacional aos pesticidas de uso agrícola Rafael Junqueira Buralli, mas a aprovação de defensivos que já foram banidos em outros países pela alta toxicidade (danos à saúde e meio ambiente). Outro problema está na não revisão de produtos já liberados, o que gera um acúmulo de agrotóxicos no mercado.
O que sabemos sobre esses novos agrotóxicos aprovados?
Alguns já eram autorizados no Brasil e agora podem ser comercializados com outro nome por outras empresas. Outros, são novas combinações de substâncias que já eram autorizadas, o que para Bombardi é algo grave, uma vez que pouco se sabe sobre os efeitos dessas novas combinações.
Alguns, por sua vez, nunca tinham sido autorizados no Brasil e já eram proibidos em outros países. Um deles, é o dinotefuran, que foi banido na União Europeia por ter muitos efeitos negativos para o meio ambiente. O dinotefuran está associado à morte das abelhas que são importantes polinizadoras e contribuem para 90% da produção mundial de alimento.
Por que a gente usa a União Europeia como parâmetro?
Segundo Buralli, o parâmetro, normalmente, é quem tem legislações e regulações mais rigorosas que a nossa. "Por que um produto que a União Europeia rejeita por ser muito tóxico pode ser aprovado no Brasil?", questiona. A intoxicação por agrotóxicos pode ocasionar tonturas, vômitos, dificuldades respiratórias, irritações na pele, cegueira, convulsões, desmaios e até a morte. Há ainda estudos que investigam a relação entre a exposição a agrotóxicos e a incidência de câncer.
Qual a diferença entre agrotóxico e defensivo agrícola?
Nenhuma. O termo agrotóxico surgiu em 1977 depois da publicação do livro "Pragas, Agrotóxicos e a Crise Ambiente: Problemas e Soluções" do agrônomo e professor da Universidade de São Paulo Adilson D. Paschoal. Defensivo agrícola foi a maneira que o mercado encontrou para minimizar a carga negativa.
Apesar de existir um projeto de lei que, entre outras coisas, visa extinguir o nome agrotóxico, a professora Larissa Bombardi aponta que a utilização desse termo é importante pois alerta a população acerca da periculosidade desses produtos. Outra palavra utilizada é pesticida. "O nome agrotóxico é uma conquista da sociedade civil. Quando você fala em pesticida a palavra remete a algo mais leve. Então, é problemático usar essa palavra", comenta.
Daria para alimentar toda a população brasileira sem usar agrotóxicos?
Segundo Bombardi, sim, daria. "Na verdade, quando os agrotóxicos surgiram, a promessa era de que essa tecnologia resolveria o problema da fome. Mas a gente continua com esse problema. Tem uma vasta literatura científica que mostra, por exemplo, que a agroecologia é tão ou mais produtiva do que a agricultura convencional, que é essa que demanda agrotóxico", explica.
Além disso, segundo o IBGE, 70% dos alimentos que chegam à mesa da população vêm da agricultura familiar, um modelo mais sustentável e diversificado de cultivo que pode ser produtivo sem substâncias tóxicas.
Devemos, então, extinguir os agrotóxicos?
"Eu acredito que sim, mas entendo que a gente não faz isso do dia para noite, a gente faria um processo de transição", comenta a professora Bombardi. Para ela, essas medidas são urgentes e passam pelo que já está sendo feito na União Europeia com a diminuição no uso de agrotóxicos. Para isso, Bombardi acredita que já poderíamos eliminar produtos que são proibidos em outros países.
Em relação ao uso de agrotóxicos, a educação tem um papel fundamental, porque a gente sabe que a consciência ambiental passa pela educação.
Larissa Mies Bombardi, professora da Universidade de São Paulo
Proibir a pulverização aérea em escala nacional, algo que já aconteceu no estado do Ceará, seria um outro passo.
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