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Mirando a Terra, astrônomos se engajam no debate sobre mudança do clima

Encontre o planeta Terra na foto! -  Créditos: NASA/JPL-Caltech
Encontre o planeta Terra na foto! Imagem: Créditos: NASA/JPL-Caltech

Meghie Rodrigues

Colaboração para Ecoa, de São Paulo

01/03/2021 04h00

Mais antiga das ciências naturais, praticada por povos que vão de maias a babilônios, a astronomia busca explicar fenômenos que se passam no céu e maravilham humanos aqui na Terra desde a pré-história.

Agora, astrônomos, que normalmente se dedicam a estudar fenômenos estranhos como buracos negros e movimentos sísmicos em outros planetas, voltam seus olhos cada vez mais para a Terra, o nosso "pálido ponto azul", como havia dito o famoso astrônomo Carl Sagan.

Preocupados com as mudanças climáticas acontecendo aqui embaixo, um grupo de astrônomos resolveu se unir para criar o Astronomers for Planet Earth (Astrônomos pelo Planeta Terra — A4E).

Contando com quase 800 pesquisadores e pesquisadoras de todos os continentes e quase todos os países, o grupo começou a se organizar em 2019 a partir de duas iniciativas independentes, uma nos Estados Unidos e uma na Europa. Por parte da Europa, as conversas começaram em 2019 a partir de um grupo de pesquisadores que estava em Lyon, na França, para a reunião anual da Sociedade Europeia de Astronomia.

"Estava insuportavelmente quente lá. Houve uma onda de calor e fazia quase 40°C na maior parte do tempo. Então começamos a conversar sobre isso, nos perguntando se este era o novo normal," contou a Ecoa Leonard Burtscher, pesquisador da Universidade de Leiden, na Holanda.

A partir daquela reunião, os pesquisadores resolveram continuar a discussão e, inspirados pelo movimento Fridays for Future (Sextas-feiras pelo Futuro, em português) de Greta Thunberg, apelidaram o grupo de Astronomers for Future.

A culpa é das estrelas

Astrônomos  - Leonard Burtscher - Leonard Burtscher
WG_OPS Reunião do grupo que lidera o movimento Astronomers for Planet Earth em 17 de abril de 2020
Imagem: Leonard Burtscher

Astrônomos viajam muito — especialmente de avião — para conferências internacionais e observações em telescópios em lugares remotos que vão do deserto do Atacama, no Chile, às montanhas de Mauna Kea, no Havaí. Em um estudo publicado em 2020 na revista Nature Astronomy, Burtscher e alguns colegas demonstraram que a emissão de gases de efeito estufa do encontro presencial em Lyon foi três mil vezes maior do que a de 2020, realizada totalmente online. "Mesmo olhando o quanto de energia laptops e os servidores do Zoom usam, ainda assim o impacto é muito menor," diz o pesquisador.

Do outro lado do Atlântico, nos Estados Unidos, segundo Adrienne Cool, professora da San Francisco State University e uma das fundadoras do grupo norte-americano, a posse de Donald Trump como presidente em 2017 acendeu o alerta para muitos pesquisadores.

"Na época, fomos a uma Marcha pela Ciência e começamos a pensar sobre o papel que nós, como astrônomos, temos nestas discussões sobre mudança climática, mesmo não sendo especialistas em clima," disse Cool a Ecoa.

O grupo de discussão — já chamado Astronomers for Planet Earth — se fortaleceu depois de uma conferência da Sociedade Astronômica do Pacífico na San Francisco State University em 2019. "Neste mesmo ano, os colegas europeus nos procuraram e então nos unimos em uma única associação," conta Cool.

Por ser um campo que estuda outros planetas, a astronomia pode nos dar uma perspectiva única sobre a Terra — que nada mais é do que um entre muitos outros planetas no vasto espaço sideral. "Alcançamos muitas pessoas. Um dos cursos de introdução às ciências que os alunos mais frequentam na graduação é astronomia. Cerca de 250 mil alunos frequentam-na todos os anos apenas nos Estados Unidos," conta Cool.

Não existe planeta B

Simone Daflon, professora do Observatório Nacional e uma dos três pesquisadores brasileiros que fazem parte do grupo, conta que a astronomia reforça diariamente o quanto a Terra é especial: "Vemos a diversidade de planetas que já conhecemos, e mesmo os que estão na zona habitável de suas estrelas não estão ao nosso alcance nem têm uma fração da diversidade e da vida que temos aqui na Terra. É uma constatação muito clara de que não temos para onde ir e precisamos cuidar do nosso planeta".

A tese de que "não existe planeta B", a despeito dos planos de empresários como Elon Musk em colonizar Marte, é unanimidade entre os pesquisadores. "Não queremos ser os estraga-prazeres da festa," brinca Adrienne Cool. "Mas as pessoas não têm noção do quanto é difícil ir a Marte."

"Pode ser possível fazer terraformação e criar atmosfera em Marte, mas o esforço que isso envolveria me faz questionar se é realisticamente possível fazê-lo — certamente não o será na escala de um século," diz Leonard Burtscher.

Para garantir um mínimo de viabilidade para um empreendimento tão distante no futuro, é preciso garantir a sobrevivência humana no médio prazo. "Precisamos nos tornar neutros em emissões de carbono até 2050. Se não o fizermos, as condições de vida na Terra serão bem ruins. E mesmo se o Elon Musk já tiver ido para lá, isso não será para todos, mas apenas para algumas poucas pessoas ricas. A exploração espacial é fantástica e amamos isso. Mas não é uma alternativa para nós nem para o nosso planeta," conclui Burtscher.