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Finlândia combate fake news usando como arma crianças do jardim de infância

Teclado com as palavras "fake news" - Foto: Shutterstock
Teclado com as palavras "fake news" Imagem: Foto: Shutterstock

Carolina Vellei

Colaboração para Ecoa, de São Paulo

14/03/2021 04h00

A sinceridade das crianças nos anos iniciais da vida costuma ser um desafio para os seus familiares, especialmente porque alguns comentários dos pequenos podem causar saias-justas com outras pessoas. O que muitos não imaginam é que essa franqueza natural pode ser uma ferramenta importante para a sociedade. Na Finlândia, um exército mirim está sendo treinado em sala de aula para atuar na luta contra a disseminação de fake news.

Em 2019, o país, que já é referência em educação, ficou em primeiro lugar em um ranking europeu que mede a capacidade de combate e de resistência das pessoas à desinformação. Um dos motivos para a excelente colocação é o estímulo dado ao desenvolvimento do pensamento crítico a partir dos seis anos de idade nas escolas. Desde 2014, os finlandeses trabalham a alfabetização midiática como parte do currículo obrigatório em escolas desde o ensino fundamental até o ensino superior.

Esse trabalho educativo vem rendendo bons frutos. Embora o movimento antivacina não seja muito forte no país, a professora Heidi Pentikäinen, que dá aula de finlandês e literatura para adolescentes, contou que alguns pais finlandeses questionaram se deveriam dar aos filhos a vacina contra o HPV. Mas isso não durou muito tempo: segundo ela, aqueles que estavam em dúvida foram prontamente corrigidos por suas próprias filhas.

A grande preocupação da Finlândia com a desinformação tem a ver com o aumento da circulação de notícias falsas no país após 2014, ano em que a Rússia anexou a região da Crimeia após disputas com a Ucrânia. A Finlândia se tornou independente da Rússia em 1917. Desde então, ela mantém sempre um pé atrás com relação aos vizinhos. Com uma fronteira de quase 1.300 km de extensão entre os dois países, os finlandeses temem que acusações falsas coloquem em risco a democracia do país.

Exercitando o pensamento crítico

Minna Harmanen, ex-professora e conselheira educacional na Finlândia, explicou ao jornal "The Telegraph" que as escolas locais possuem uma longa tradição de analisar assuntos contemporâneos e de usarem fontes atuais em sala de aula como, por exemplo, relatórios e pesquisas divulgadas pela imprensa. Os estudantes são incentivados a escreverem ensaios e a debaterem os assuntos, fazendo contrapontos à cobertura tradicional da mídia. As crianças também são estimuladas a sempre pensarem em como as informações são recebidas por suas bolhas nas mídias sociais e como é possível "estourá-las" para irem além do conteúdo entregue pelos algoritmos das plataformas digitais.

A necessidade de entender as mídias e saber se defender de mentiras aumentou com a intensificação do uso da internet e das redes sociais. "Isso tem que se fortalecer nos próximos anos, mas já é importante agora. Não é só sobre alfabetização, mas sim como você atua na sociedade, como você atua na sua vizinhança e na escola. Faz parte de estar na sociedade - é democracia", explica Harmanen ao jornal.
Em um contexto no qual as crianças esbarram em notícias praticamente em todas as redes sociais, ninguém é jovem demais para começar a pensar sobre a confiabilidade das informações encontradas. Essa é a visão de Kari Kivinen, diretor de uma escola franco-finlandesa em Helsinque pioneira no programa de alfabetização informacional.

Kivinen explica que as crianças, especialmente as mais novas, adoram bancar detetives e fazer investigações. Ele incentiva que os seus alunos façam perguntas como: quem produziu essa informação e por quê? Onde foi publicado? O que isso realmente diz? A quem se destina? Em que se baseia? Há evidências para isso ou é apenas a opinião de alguém? É verificável em outro lugar?

"As crianças de hoje não leem jornais ou assistem notícias na TV", conta Kivinen ao jornal The Guardian. "Elas não procuram notícias, esbarram nelas no WhatsApp, YouTube, Instagram, Snapchat... Ou, mais precisamente, um algoritmo seleciona. Por isso, elas devem ser capazes de abordá-las de forma crítica. Não cinicamente - não queremos que pensem que todo mundo mente - mas de forma crítica", acrescenta o diretor.