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Pichação x grafite: por que um é crime e o outro não?

Mural no centro de BH é alvo de investigação - Divulgação/Cufa
Mural no centro de BH é alvo de investigação Imagem: Divulgação/Cufa

Camilla Freitas

De Ecoa, em São Paulo

16/03/2021 04h00

A obra "Deus é mãe", pintada no edifício Itamaraty, na região central de Belo Horizonte, é a maior empena de arte do país. O mural de 1.892 m² foi pintado por Robinho Santana, de Diadema, São Paulo, e hoje é alvo de um inquérito da Polícia Civil. Isso porque o mural, que fez parte da 5ª edição do CURA (Circuito Urbano de Arte), contém grafismos de pixo em seu entorno.

A proibição da pichação tem como base a lei de crimes ambientais que prevê penas de detenção de três meses a um ano e multa. Mas o que define se pichação é ou não arte e no que ela se diferencia do grafite? Ecoa conversou com alguns especialistas para responder essas e outras questões sobre esse tema.

Pixo é arte?

O curador Sergio Miguel Franco, em sua tese "Engodo na arte contemporânea: a luta da pixação contra o campo da arte; uma escultura social", defende que sim, a pichação é arte quando inserida no debate da arte contemporânea.

Para ele, esse entendimento se dá por meio da influência do pensamento do artista Marcel Duchamp que "enunciou a ideia de que todos são artistas, basta reconhecermos a capacidade criativa partilhada pela humanidade".

Para além da arte, qual a relação entre pichação e política?

Para Djan Ivson, conhecido também como Djan Cripta, "o pixo é a própria política das ruas", isso porque, para ele, o pixo é a forma que o jovem que vem da periferia encontra para ocupar principalmente o centro da cidade, local que o foi negado "por causa dessa especulação imobiliária que sempre jogou as pessoas com menos renda para as periferias."

Mesmo que o pixador não tenha uma mensagem política declarada, ou defenda algum partido, ele está defendendo os interesses coletivos de uma classe da periferia que está reivindicando um espaço de uso na cidade
Djan Cripta, pixador

Para a conselheira do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo (CAU), Raquel Schenkman, há, contudo, outras formas de ocupar a cidade. "Um dos exemplos que a gente tem é a Jornada do Patrimônio que chama a atenção para a ocupação da cidade de várias maneiras", explica.

Mas se pichação é arte, então por que é crime?

Para Sergio Franco, todo o processo artístico feito por pessoas marginalizadas, como negros e periféricos, "é entendido como fora da lei". O curador traz o exemplo do samba que, durante muito tempo, viu seus artistas serem enquadrados na "lei da vadiagem" de 1890. Hoje, por outro lado, o ritmo é considerado patrimônio cultural brasileiro.

Acho que a questão não é o pixo ser aceito, mas pelo menos ser entendido. A sociedade tem que entender que ele é consequência de alguma coisa que te deu errada no sistema

Djan Cripta, pixador

Por que o grafite deixou de ser considerado crime e o pixo não?

A diferença entre pichação e grafite é que a primeira está ligada à escrita, fundamentalmente, enquanto a segunda à imagem, à forma. Então, por que uma é criminalizada e a outra não?

Crítico, Djan entende que isso se dá pelo fato de que o grafite se deixou "domesticar" por meio do muralismo. "A questão é que alguns grafiteiros se adequaram aos interesses do poder público e privado e por isso que tem essa aceitação", comenta.

Parece que as pessoas se incomodam menos com os desenhos, eles são compreendidos como menos provocadores. E o pixo, muitas vezes, é associado à sujeira. As pessoas gostam do que elas entendem

Raquel Schenkman, conselheira do CAU

De acordo com a Lei 12.408, o grafite deixou de ser considerado crime desde que ocorra com o consentimento do proprietário, e "com o objetivo de valorizar o patrimônio público ou privado mediante manifestação artística". Essa não, por outro lado, não é uma realidade para o pixo. Para Djan "o pixo depende da transgressão para existir".

Em Curitiba, a vereadora Professora Josete (PT) e o atual deputado estadual Goura (PDT) enxergaram a necessidade de especificar ainda mais a lei federal de descriminalização do grafite. Para isso, criaram um projeto de lei municipal que visa, entre outras coisas, definir locais onde os grafites possam ser realizados.

Mesmo tendo, em tese, mais aceitação do que o pixo, o projeto de lei gerou muito debate e muitas críticas na capital do Paraná. "Nossa cidade é muito conservadora, ainda há nela esse caráter ainda punitivista" explica Josete.

Devemos, então, descriminalizar a pichação?

"Acho que a pichação deveria ser encarada mais ou menos como as multas de trânsito, porque realmente a gente está transgredindo. Mas eu acho que existe punição adequada, as pessoas não podem achar que matar o pichador justifica a brancura do muro dela", comenta Djan Cripta.

Grafite  - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Segundo especialistas ouvidos, o grafite é mais aceito pela população por fazer uso da forma. Na imagem, obra "Operários de Brumadinho", de Mundano, em São Paulo
Imagem: Reprodução/Instagram

Raquel Schenkman concorda que há outras maneiras de lidar com a ilegalidade e punição referente ao pixo. "Você pode pedir para o pixador remover o pixo, por exemplo". Para ela, esse tipo de conflito que faz com que o movimento do pixo exista vai sempre acontecer na cidade.

"Você depredar um patrimônio público ou privado é um crime, então o pixo é uma manifestação que é superpolêmica porque é provocadora. Mas isso faz parte da dinâmica dos grandes centros urbanos e acontece em todos os lugares do mundo. Uma metrópole tem conflitos e posições contraditórias", explica.