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Projeto de manejo salva pirarucu da extinção e traz de volta a pesca no AM

Pirarucu é pescado na comunidade São Raimundo do Jarauá, no Amazonas - Aline Fidelix/Divulgação
Pirarucu é pescado na comunidade São Raimundo do Jarauá, no Amazonas Imagem: Aline Fidelix/Divulgação

Carlos Madeiro

Colaboração para Ecoa, de Maceió (AL)

19/03/2021 04h00

Um dos peixes mais tradicionais da Amazônia voltou a povoar os rios da região Norte e deve chegar, em breve, à mesa do consumidor brasileiro.

A volta do pirarucu ocorreu após um projeto de manejo sustentável implantado no território do rio Solimões conseguir não só evitar o risco de extinção da espécie, como aumentou em 427% a população do maior peixe de água doce do Brasil nos seus 22 anos de existência.

O projeto é do Instituto Mamirauá, que tem parceria com o Imaflora, por meio da rede Origens Brasil — que administra uma área de 52 milhões de hectares, por meio de 40 associações e cooperativas, com mais de 50 tipos de produtos comercializados e 27 empresas membros.

A história do manejo do pirarucu, porém, começa antes de 1999. O processo foi movido pela pesca predatória que começou a marcar a espécie.

"Ainda nas décadas de 1960 e 1970, a exploração do peixe foi intensificada a partir do surgimento das tecnologias de pesca, do gelo —antes a pesca era muito limitada, tinha de pescar e vender o peixe no mesmo dia. Além disso, houve um investimento do governo na atividade pesqueira, com financiamento de motores à propulsão. Muitas pessoas entraram na atividade", explica Ana Cláudia Gonçalves, coordenadora do programa de manejo de pesca do Instituto Mamirauá.

Ela conta que a pesca predatória foi impulsionada, em partes, porque o pirarucu tem uma particularidade que o torna perceptível aos pescadores: "Ele tem dupla respiração, precisa vir à superfície d'água, respirar; e quando ele sobe, é visto pelos pescadores", conta.

Outro fator que faz com que seja atrativo: um pirarucu pode chegar a 200 quilos, mais que outras espécies.

Peixes pirarucu em barco após serem pescados no rio Solimões - Bernardo Oliveira/Divulgação - Bernardo Oliveira/Divulgação
Peixes pirarucu em barco após serem pescados no rio Solimões
Imagem: Bernardo Oliveira/Divulgação

Pesca predatória

Antes do manejo, diz, era comum pescadores fazerem pesca de 10, até 12 pirarucus por incursão ao rio. "Não se pensava no dia amanhã. Só saíam quando conseguissem capturar tudo, e com o tempo isso foi causando um resultado negativo", explica.

Com a exploração em alta, já no ano de 1975 percebia-se que os estoques apresentavam declínio, por conta do tamanho médio do peixe ser cada vez menor —o que é um forte indício de pesca predatória. "Isso fez, nesse ano, ele entrar na lista de espécies ameaçadas de extinção. Isso limitou a exportação, mas não veio acompanhado de fiscalização no território", conta.

Outra medida adotada pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis), mas apenas em 1989, determinou que o pirarucu só poderia ser pescado a partir de 1,5 m. "Depois, definiram o período de defeso [paralisação temporária da pesca para preservação] reprodutivo da espécie, de 1º de dezembro a 31 de maio. Não surtindo efeito pela falta de fiscalização, em 1996 o Ibama proibiu a pesca pelos outros seis, de 1º de junho a 30 de novembro, tornando assim a captura e a comercialização do pirarucu proibida o ano inteiro. Foi aí que começou a pesquisa e articulação, que iniciou pela comunidade São Raimundo do Jarauá, no Amazonas", diz.

Para dar uma resposta à sociedade se seria possível retomar a exploração comercial do pirarucu, pesquisas sobre a biologia e ecologia da espécie foram intensificadas, bem como, a análise sobre a viabilidade econômica do manejo, fazendo com que em 1998 já se pudesse apresentar um projeto-piloto.

Para dar início, foi proposta uma cota de exploração, que usou metodologia baseada em uma pesquisa no Peru, a partir do monitoramento ao longo de três anos do pirarucu na comunidade São Raimundo do Jarauá. No caso do Solimões, foi estimado que se poderia capturar cerca de três toneladas (em torno de 120 peixes) ao ano sem prejudicar a espécie.

"Em 1999 começava o manejo, produção e monitoramento dos estoques. Ali o manejo já se mostrou uma atividade promissora de exploração comercial", explica.

Hoje, na Reserva Mamirauá, a pesca é a principal atividade econômica, que chega a representar mais de 90% da renda. A metodologia usada lá já foi replicada nos estados de Roraima, Pará, Acre e Tocantins e replicada até para Peru e Bolívia.

Somente em 2020, nas áreas assessoradas pelo Instituto Mamirauá, foram produzidas mais de 555 toneladas do peixe nos 12 projetos (que envolvem 1.785 pescadores). "Isso é apenas uma parte das áreas do manejo. No estado todo são mais de 5.000 pescadores, e no ano passado estima-se 2.700 toneladas tenham sido pescadas do pirarucu no Amazonas. É um recorde, e esse número vem crescendo a cada ano e mais áreas vão demandando assessoria técnica", explica.

Uma das coisas interessantes que Ana conta é que o projeto científico teve como base o conhecimento tradicional do pescador. "Claro, tem os elementos de inovação, mas o manejo começa com o conhecimento do pescador. Eles têm um volume muito grande de informação de como o peixe se alimenta, conseguem perceber o nível ideal da água, e sabem que a lua tem influência sobre as pescarias. E a gente foi percebendo e reconhecendo isso", afirma Ana, que é filha de pescador.

Grupo segura pirarucu pescado dentro de projeto de manejo da espécie no Amazonas - Bernardo Oliveira/Divulgação - Bernardo Oliveira/Divulgação
Grupo segura pirarucu pescado dentro de projeto de manejo da espécie no Amazonas
Imagem: Bernardo Oliveira/Divulgação

Venda do peixe

Mas de nada adiantaria todo o projeto se não houvesse um meio de fazer a pesca chegar aos mercados.

Segundo Luiz Brasi Filho, coordenador de Mercado e Projetos do Imaflora, a ideia da parceria com o instituto é assessorar as comunidades nas vendas.

"Nossa ideia é ir desenvolvendo mercados para essas comunidades com o setor empresarial, e que a negociação seja feita de forma ética, transparente, e que valorize o modo de vida das comunidades tradicionais", explica.

Ele afirma que, historicamente, existe uma exploração de algumas empresas e intermediários na compra de produtos dessa comunidade. "Eles nem sempre pagavam um valor justo, e em alguns casos havia até escambo. A gente aproxima o setor da base produtiva para que o setor conheça mais o território, a produção, os desafios de produzir o pirarucu. Que eles respeitem também o tempo das florestas e comunidades", diz.

Apenas em 2020, quando a comercialização se iniciou, assegura, foram em torno de 11 toneladas comercializadas. "O preço médio do peixe vendido por meio do Origens Brasil é 68% acima do preço do mercado local".

A ideia da ONG é levar agora o pirarucu para todo país. "O peixe hoje só é vendido no Amazonas, mas é provável que a gente consiga, nos próximos meses, abrir a outros estados. A ideia é fazer uma campanha no Sudeste, em supermercados e restaurantes, para levar esse peixe à culinária do consumidor brasileiro, que ele consiga conhecer esse produto —que é um peixe nativo amazônico ainda pouco conhecido", afirma.