"Sem afeto a gente não vai conseguir caminhar", diz Drik Barbosa
Drik Barbosa faz parte da grande maioria da população que assiste ao noticiário e se desespera com o agravamento da pandemia no Brasil. O coração fica pequeno e doído a cada notícia. Para a cantora e compositora, assim como para muitos brasileiros, tem sido difícil entender o que fazer para ajudar neste momento.
"Quem tem o poder na mão de organizar uma estrutura que dê segurança e acolhimento para a população, infelizmente, não está fazendo isso, e a gente fica perdido tentando entender o que podemos fazer. Mas, é isso, cada um ajudando um pouquinho quem está do lado ou ajudando alguma organização, doando... É assim que a gente vai se movimentando", reflete.
Em um momento longo de autoanálise, olhando para dentro e para as coisas que aconteciam ao redor, entendeu que como não tinha condições de estar na linha frente, precisava fazer o que sempre fez quando a situação apertava em sua vida: se agarrar à arte para conseguir ter forças de seguir e tentar ser acalanto para quem que a escuta.
Assim, pensou em falar sobre coisas que a gente acaba esquecendo que existem no meio de tanto caos: amor, cuidado e responsabilidade com o próximo. Foi sobre isso que ela decidiu falar quando sentou para escrever "Seu Abraço", faixa que conta com a participação do Psirico e que ela lança hoje aqui em Ecoa.
No clipe, que você pode conferir logo abaixo, a vida acontece em momentos simples do dia a dia de um casal de namorados. O toque, carinho e cumplicidade entre dois homens negros que se amam dão o tom do lembrete que Drik quer passar: "não é se alienar e esquecer do momento duro que estamos vivendo; mas, sim, lembrar que a gente não pode esquecer desse lado bom da vida também".
Drik, essa música faz parte de um projeto maior, correto? Pode contar um pouco sobre ele?
Isso! Ela faz parte de um projeto multimídia, o "Nós", que lancei no final do ano passado. Ele nasceu no meio da pandemia de uma necessidade pessoal de falar sobre afeto, de humanização, de ver tudo que acontece com o povo preto, que dá aquela revolta e agonia. Então, a gente teve a primeira faixa, que é "Sobre Nós", já abrindo o projeto com a letra inteira falando de resistência e de autocuidado como ferramenta de luta. Porque eu acredito que quando a gente se fortifica, fortíssimos a luta e o coletivo também.
E agora vem essa lovesong "Seu Abraço", falando de afeto nesse lugar de conexão, de relacionamentos, de como a gente precisa dessa troca com outras pessoas. E também está super dentro do que a gente está passando, né? Essa saudade do toque, do carinho das pessoas. Eu queria trazer essa energia tanto na música, como também no clipe. É extremamente importante para gente não só viver de ódio, né? Apesar de, infelizmente, tudo estar nos levando para esse lugar, porque está foda mesmo.
Você pensou em alguns temas positivos que queria abordar neste projeto? Quais são eles?
Eu estava em um momento de autoanálise. Precisei entender o que eu podia fazer naquele momento, se dava para continuar criando, se isso ia ajudar a me curar de alguma forma... E conversando com o Evandro Fióti, a gente falava de banzo, que é essa tristeza profunda que acometia os escravizados e que persegue a gente até hoje nessa estrutura racista que a gente vive e que nos leva para esse lugar de não se sentir parte do mundo e da sociedade.
E aí eu entendi que para acabar com esse banzo é preciso ir para o que preenche a gente, e o que preenche a gente é se sentir vivo, amado, se olhar no espelho e gostar do que você vê, praticar o autocuidado de uma forma profunda, de entender o porquê você sente as coisas que sente. A gente não teve tempo para parar e pensar sobre isso e muitos de nós não têm tempo porque a gente está o tempo inteiro se movendo para sobreviver, para trazer comida para mesa, para cuidar dos nossos. É importante estar na linha de frente das lutas, mas é mais importante estar fortificado para isso.
Você chegou a postar que estava com medo de falar sobre coisas boas no meio de tanta coisa ruim que vem acontecendo. Como foi isso?
Houve um receio imenso! Estou muito certa do que eu estou fazendo e qual o propósito disso, mas todo dia que vejo as notícias eu penso: "Que bosta! Que merda! Eu queria poder fazer mais", e entro nesse lugar de sentir que o que estou fazendo ainda é pouco. Só que aí recebo uma mensagem de alguém falando que ouviu minha música e isso reacendeu uma chama de esperança no meio disso tudo, e me faz lembrar que a arte não fez pouco na minha vida. Quero que ela também não seja pouco na vida de outras pessoas nesse momento.
Quem tem o poder na mão de organizar uma estrutura que dê segurança e acolhimento para a população, infelizmente, não está fazendo isso, e a gente fica perdido tentando entender o que podemos fazer. Mas, é isso, cada um ajudando um pouquinho quem está do lado ou ajudando alguma organização, doando. É assim que a gente vai se movimentando.
E você tem falado de afeto como forma de resistência. Por que você tem encarado esse sentimento assim?
Para mim parte de dentro da minha casa, da minha vida mesmo, de como eu vi desde criança a minha família batendo de frente com os problemas, mas sempre celebrando essas coisas boas. A minha família passava a semana inteira no perrengue e no final de semana a gente se reunia para comer um negocinho, ficar junto. Essas coisas que parecem tão pequenas, para gente que é negro é uma resistência. "O que a gente encontra aqui que pode fazer a gente sorrir um pouquinho?" Isso é herança. Aí eu fui entendendo quão importante é sentir e compartilhar afeto, abraçar o outro para conseguir seguir. Porque a gente não é nada sozinho, né? A pandemia está mostrando isso cada vez mais: sem afeto, cuidado e responsabilidade com o outro, a gente não vai conseguir caminhar.
O clipe mostra dois homens pretos se amando e vivendo juntos de forma muito leve. Não é esse tipo de história que costuma ganhar visibilidade, né? Por que você quis mostrar essas duas figuras assim?
A gente criou o roteiro do clipe entendendo que é importante ter identificação de homens negros que amam e se sentem amados por outros homens negros porque essas histórias mal são retratadas, porque a opressão ainda é muito forte para esses casais. Então era importante retratar de uma forma afetuosa. São dois homens negros que se amam, que dançam, que compartilham, que fazem as coisas simples do dia a dia juntos. A música fala muito desse corre que a gente faz de trabalhar o dia inteiro, morar longe, não ter muito tempo para ver quem a gente ama, de contar os dias para estar junto de novo.
Quero fazer as pessoas se questionarem do porquê que a gente não vê isso mais vezes.
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