Escritor monta biblioteca com mais de 10 mil livros em comunidade
Mesmo após o início da pandemia, os moradores da Favela de Antares, na zona oeste do Rio de Janeiro, passaram a visitar diversos locais do mundo usando um meio pouco convencional. Graças à Biblioteca Marginow, os livros viraram uma opção segura para viajar com a imaginação e conhecer novas culturas.
A ideia de criar uma biblioteca comunitária partiu de Jessé Andarilho, escritor que nasceu e cresceu na região. Com a pandemia, a falta de opções de lazer entre os seus vizinhos ficou ainda mais evidente. "Mandar ficar em casa é fácil, mas muitas pessoas nem têm televisão", diz.
Ao receber uma grande doação de livros e de uma banca de jornal, ele viu a oportunidade de transformar o plano em realidade ainda em 2020. A antiga banca foi instalada em um posto desativado da Polícia Militar na comunidade, e se tornou o ponto de partida da biblioteca que seria montada no local.
O nome "Marginow" é em homenagem ao seu projeto que promove saraus, batalhas e vídeos de poesia marginal de 1 minuto nas redes sociais. Significa "das margens para o agora", segundo ele. A biblioteca tem hoje mais de 10 mil títulos no acervo, dos mais diversos gêneros literários. O empréstimo é feito sem burocracias, o que contribui para o retorno frequente dos leitores.
Com a iniciativa, Jessé deseja tornar o hábito da leitura mais acessível. Seu primeiro livro foi escrito no bloco de notas do celular durante viagens de trem pela cidade. As anotações deram vida à obra "Fiel", publicada pelo Grupo Companhia das Letras. Desde então, realiza palestras em todo o Brasil, contando um pouco da sua história e mostrando como sua vida foi transformada pela literatura. Ele já publicou outros dois livros e percorreu diversos países com suas obras traduzidas.
Biblioteca é sucesso entre o público infantil
Antes da inauguração, o escritor imaginou que a biblioteca faria sucesso principalmente entre jovens e adultos. No entanto, para a sua grande surpresa, as crianças dominaram o espaço. Com isso, os livros mais populares são os de literatura infantil.
Pai de três filhos, Jessé compreendeu logo a necessidade que as crianças têm de se apropriar do lugar e sentir que podem ficar à vontade ali. "É mais importante que ela venha aqui, pegue o livro e rabisque, do que não ter interesse e passar direto", explica ele, que defende que o cuidado deva ser ensinado aos poucos. "Quando começam a usar o livro para bater umas nas outras, a gente fala, brincando: 'Não bate com o livro que é feio. Quer bater? Vou te colocar no judô lá na associação de moradores'. Elas dão risada e entendem".
O espaço também incentiva a convivência familiar. Paulo Souza, frequentador rotineiro da Biblioteca Marginow, leva seus três filhos para pegar livros pelo menos uma vez por semana. Ele faz a leitura para o mais novo, de 4 anos, e ajuda o de 10 a encontrar histórias para a sua idade. O mais velho, de 15, faz suas escolhas sozinho.
Contente com o interesse das crianças pela literatura, Paulo dá o exemplo e também costuma pegar títulos emprestados, mas conta que prefere o gênero de não ficção. "Gosto de livros envolvendo política, porque a gente fica sabendo dos nossos direitos, nossos deveres". Ele ressalta a importância do conhecimento e completa: "Um pouquinho de cada coisa é bom a gente saber, né?".
Impacto além da leitura
Luiza Carla de Souza Silva, moradora de Antares, não conseguia acompanhar as aulas virtuais da escola do filho e também percebeu a dificuldade dele com a leitura. Para mudar a situação, decidiu levar à biblioteca não apenas o menino, mas também os filhos de vizinhos. "Fui batendo de porta em porta, conversei com as mães, e elas autorizaram que eu levasse as crianças para lá", conta Luiza.
Toda semana, Luiza leva o grupo de crianças para o passeio literário. Além das rodas de leitura e das contações de histórias, ela incentiva a criatividade dos meninos e meninas. "Essa semana eu os desafiei a interpretar a história do livro que levaram para casa, explicando em vídeo o que estão lendo", conta.
"É uma oportunidade única que estamos tendo de cultura, de aprendizado. Eu falo 'cada livro tem uma história, mas por trás dele também tem outra história, a de quem está escrevendo", lembra Luiza. Ela começou a ler autores negros, e tem apresentado para as crianças nomes como Carolina de Jesus e Martin Luther King Jr. "São pessoas que lutaram para ser uma coisa diferente do que a sociedade impõe. O que as pessoas já esperam de uma pessoa negra, de uma periferia? É para mostrar que dentro da comunidade pode sair coisa boa", explica.
O antigo posto da PM também tem sido palco de iniciativas que estimulam outras formas de lazer e arte, como a dança, os esportes e a música. Nos últimos meses, Jessé está preparando o prédio para abrigar, além dos livros, um estúdio de gravação de vídeos.
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