Voluntário dá aula para crianças entre escombros de casas demolidas
Era em meio aos escombros de casas demolidas que o jovem David Balbino Batista, 19 anos, auxiliava as crianças do Jardim Aeroporto III, em Mogi das Cruzes (SP) — mais conhecido pelos moradores como Jardim Planalto —, com aulas de reforço escolar. Há mais de um ano sem aulas presenciais por conta da pandemia os estudantes do bairro têm contado com a ajuda do professor voluntário. As mesas improvisadas com caixotes e tábuas de madeira, e as cadeiras trazidas das casas mais próximas compõem a sala de aula, que, apesar de diferente do acostumado, não interferem na vontade de aprender dos alunos. "O que começou como uma brincadeira tornou-se coisa séria", conta Batista.
"Quando eu era mais novo eu ajudava meus primos, eles aprenderam a ler comigo. Desde muito cedo eu brinco de ser professor, brinco de ensinar. Consegui ensinar alguns deles", relata o jovem. Batista mora no mesmo bairro desde que nasceu, em 2001, e foi a partir de 2019, em decorrência da perda da avó, que tem morado sozinho na casa ao fundo de onde ela morava. No lugar da avó, hoje, moram os tios e o rapaz diz se sentir bem em continuar cercado pela família que mora na mesma região.
Atualmente sem estudar e desempregado, expõe que tem encontrado diariamente a recompensa que o dinheiro não pode pagar. "Cheguei a mandar currículo, mas parei, não estava conseguindo nada pela situação difícil que enfrentamos. Tem sido muito mais gratificante para mim dar as aulas. Minha recompensa é olhar para o rosto deles e ver que eles estão felizes e aprendendo, mesmo que seja pouco ou recente tudo isso", declara emocionado.
Hoje o trabalho voluntário que ele oferece a essas crianças tem contribuído não só no aprendizado, mas garante que eles permaneçam em dia com os estudos das diferentes séries escolares de cada um; já que a maioria não tem acesso à internet e não conseguem se atualizar com regularidade nas plataformas online. "Nem todos têm esse recurso. Nós aqui temos uma renda muito baixa, passamos por aperto dentro de casa e isso já vem desde antes da pandemia, agora ficou tudo mais difícil. Então a gente deixa de pagar a internet para conseguir comer, é uma escolha", explica o professor voluntário.
Como já esperado, não demorou muito para que a turma aumentasse. No dia seguinte em que o jovem professor dava aula em meio aos entulhos de alvenaria, a tia do rapaz cedeu um espaço na garagem de sua casa para acomodar todos os pequenos na nova sala de aula da escolinha. "É como se fosse uma sala de aula normal e eles estão felizes, dá para olhar no rostinho deles e perceber. Eles estavam sentindo falta do ensino", ressalta Batista satisfeito por ver o recente projeto, que nasceu despretensiosamente, dando certo.
O jovem parou os estudos no ensino médio, mas não deixa que o fato se torne uma barreira para transmitir seus conhecimentos. "Eu não tenho todos os ensinos para passar para eles, mas o que eu aprendi, tenho tentado ensinar", esclarece.
Escombros
O cenário inusitado de blocos, tijolos quebrados e barras de ferro mencionado no início da reportagem, antes, era o lar do casal Alexandre Almeida de Lima e Ângela Maria José da Silva, donos de uma pequena mercearia no mesmo bairro, mas sua casa foi uma das dez demolidas em ação da Prefeitura Municipal de Mogi das Cruzes. A atuação da Administração Pública em conjunto com um grupo de "combate a invasões" composto por órgãos como Ministério Público, Polícia Militar, Guarda Municipal e Secretarias Municipais, ocorreu no dia 11 de março.
Em nota oficial publicada no mesmo dia, a Prefeitura de Mogi se posicionou dizendo que "as demolições realizadas no Jardim Aeroporto III foram feitas em imóveis em processo irregular de construção" e que "não havia famílias ocupando as edificações" o que contradiz os argumentos dos moradores que provam através de imagens, vídeos e documentos, que as casas tinham famílias habitando e que mesmo em meio a pandemia do coronavírus, não puderam fazer nada para impedir a destruição de seus lares.
Apesar de toda essa situação, o jovem voluntário ainda sonha, um dia, em se tornar professor e dar aulas de matemática. Espera ver a pandemia finalmente acabar e os alunos retornando às escolas, deixando claro que ficará a disposição para aulas de reforço.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.