Parques naturalizados buscam resgatar o contato entre infância e natureza
Além de gostoso e saudável, brincar é fundamental para o desenvolvimento infantil. Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), brincar é uma das maneiras mais importantes de as crianças adquirirem conhecimentos e habilidades básicas que irão usar pela vida toda — portanto, é coisa séria.
Um relatório de 2018 lembra que é brincando que as crianças aprendem através de tentativa e erro, usando a imaginação para resolver problemas. É brincando que os pequenos aprendem a fazer planos e segui-los — e também é brincando que aprendem a se comunicar e negociar.
No entanto, as cidades oferecem cada vez menos espaços para que as crianças possam brincar livremente, e a possibilidade de fazê-lo em espaços que estimulem a criatividade se reduziu muito ao longo dos anos. "O crescimento das cidades muitas vezes se dá em detrimento das áreas verdes existentes. Existe um espaço de disputa entre a construção civil e a consolidação de espaços verdes em áreas que ainda não têm uma destinação de uso," diz Paula Mendonça, assessora pedagógica do programa Criança e Natureza, do Instituto Alana.
O homem que fazia parques
Para o pedagogo alemão Udo Lange, o problema é que além de os espaços de brincar serem cada vez mais escassos, as áreas existentes para isso também têm pouca qualidade espacial, oferecendo brinquedos que só podem ser usados de uma única maneira. "As crianças não conseguem dar vazão à criatividade e ainda ficam entediadas rapidamente," diz ele.
Há cerca de três décadas, Lange trabalha com formas de solucionar a questão. O pedagogo é também arquiteto de espaços de brincar e fundador do escritório Bagage, um ateliê e oficina pedagógica que trabalha com o planejamento de parques naturalizados em Freiburg, no sul da Alemanha.
A ideia de parque naturalizado, explica Lange, vai muito além da construção de praças e parquinhos infantis. Estes parques se utilizam da própria topografia dos espaços onde são instalados, com os elementos naturais que lá estiverem: sejam troncos, pedras, areia e árvores ou plantas e terra batida. O objetivo não é aplanar e concretar o terreno, mas entender a perspectiva das crianças sobre como utilizam aquele espaço e facilitar este uso de uma forma que seja segura, acessível e que ofereça a possibilidade de intervenção criativa e interação com outras crianças.
Neste sentido, contou Lange em uma live recente os primeiros parques instalados na cidade de Freiburg, no início da década de 1990, tiveram grande participação da comunidade no entorno. Mais de 10 mil famílias foram ouvidas através de uma ampla pesquisa que buscou entender quais eram as expectativas sobre os pequenos parques que seriam construídos.
Essas famílias queriam espaços dos quais pudessem fazer múltiplos usos e que proporcionassem experiências interessantes para os pequenos. "Para que eles pudessem contar algo que viveram, não apenas que viram na TV ou no computador," diz Lange.
Adaptando a ideia para terras brasileiras
O conceito começa a criar tração no Brasil. Em entrevista a Ecoa, Paula Mendonça, do Instituto Alana, conta que em setembro de 2017 fez uma viagem a Freiburg, em missão técnica com colegas de várias instituições e gestores públicos, para entender melhor a ideia de parques naturalizados e ver alguns exemplos do que havia sido feito na cidade alemã.
Lá, conheceram o trabalho da equipe de Udo Lange. O que lhes chamou a atenção foi o fato da Bagage focar em um desenvolvimento de espaços que vai além do que conhecemos no Brasil — que são muito padronizados e convencionais.
Mendonça conta ainda que, de volta ao Brasil, foi preciso "conversar com fornecedores que pudessem trabalhar com o conceito e dialogar com formuladores de políticas públicas em municípios para expandir a ideia de parque infantil para além do formato tradicional."
E fizeram parcerias — uma das principais é com a Fundação Bernard van Leer, que mapeia áreas subutilizadas passíveis de requalificação nas cidades que fazem parte da Rede Urban95. Municípios como Caruaru, Fortaleza, São Paulo e Boa Vista fazem parte da rede, que advoga pela inclusão da perspectiva infantil no planejamento urbano.
Fortaleza foi a primeira das cidades a criar um projeto piloto de parques naturalizados dentro do programa Fortaleza Mais Verde. "A ideia é criar cinco parques que possam ser monitorados para podermos avaliar o que precisa melhorar e o que funciona," diz Luiz Alberto Saboia, Presidente Fundação de Ciência, Tecnologia e Inovação (Citinova) da prefeitura da capital cearense. A Citinova administra o projeto piloto, que atualmente conta com um parque entregue e um em finalização.
Em novembro do ano passado, o microparque urbano José Leon foi entregue à população cearense. O parque, conta Saboia, beneficia o bairro Jardim das Oliveiras, região de classe média e média-baixa, requalificando uma área antes degradada pelo descarte irregular de lixo. "Era uma área mal iluminada, violenta, e agora abriga uma horta comunitária, quiosque de leitura, academia ao ar livre, e um playground," diz.
A população foi consultada e participou da criação do espaço, especialmente a comunidade escolar. A ideia é que os microparques sejam implantados principalmente em regiões de baixa renda e sirvam de equipamento auxiliar à rede municipal de educação, como uma extensão das escolas que as famílias também possam desfrutar.
"É uma forma de integrar várias políticas em uma só: recupera espaços degradados, resolve problemas ambientais criando espaços de respiros verdes na cidade — não dá para criar um mega-parque em cada bairro, mas um microparque, sim — e promove a vida comunitária," conta Saboia.
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