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Cansada de más notícias, indicada ao Oscar quis mostrar paixão por natureza

Craig Foster e o polvo no documentário "Professor Polvo" - Ross Fylinck/Divulgação
Craig Foster e o polvo no documentário "Professor Polvo" Imagem: Ross Fylinck/Divulgação

Fernanda Ezabella

Colaboração para Ecoa, de Los Angeles (EUA)

20/04/2021 06h00

A jornalista Pippa Ehrlich passou seis meses fazendo mergulho livre com Craig Foster nas águas geladas da África do Sul, aprendendo a rastrear animais debaixo d'água, até ele resolver se abrir com a nova amiga e contar sua curiosa relação com um polvo-fêmea, registrada em vídeos durante um ano.

Ehrlich, especializada em ciências marinhas e conservação, ficou maravilhada com o material captado por Foster em 2010, na floresta aquática de algas marinhas em False Bay, perto da Cidade do Cabo.

O animal solitário parece ter tanta curiosidade sobre Foster como vice-versa, e os dois têm encontros marinhos frequentes. Ele também capta as aventuras do polvo para fugir de um tubarão, exibindo técnicas como se esconder debaixo de uma montanha de conchas.

Pippa Ehrlich, diretora do filme "Professor Polvo" - Thomas Neil/Divulgação - Thomas Neil/Divulgação
Pippa Ehrlich, diretora do filme "Professor Polvo"
Imagem: Thomas Neil/Divulgação

Junto com o diretor James Reed, veterano de documentários de natureza, Ehrlich conta a história dessa amizade no documentário "Professor Polvo", da Netflix. Foster foi entrevistado pela dupla por três dias seguidos, um material de 15 horas reduzido a 90 minutos.

O filme vem colecionando prêmios, como o Bafta, e disputa o Oscar de melhor documentário. A cerimônia será no domingo (25).

Craig e Ehrlich fazem parte de um coletivo chamado Sea Change Project, que visa promover e proteger a Grande Floresta Marinha da África, casa do "professor polvo".

Ela conversou com Ecoa sobre o filme, contou sobre a "psicóloga de polvo" que ajudou nas filmagens e sua relação com Craig, que largou a profissão de cineasta após um esgotamento e encontrou nos mergulhos uma forma de terapia.

Ecoa - Qual foi sua primeira impressão quando Craig Foster te contou da relação dele com um polvo?

Pippa Ehrlich - Primeiro veio minha impressão do próprio Craig. Ele é uma pessoa muito incomum, com um foco extremo. Tem uma dedicação absoluta à floresta de algas e à prática diária de mergulho. Isso lhe dá uma visão fenomenal deste mundo subaquático. Então, quando ele me contou desse relacionamento incrível com um polvo, foi algo hipnotizante de ouvir. Não me surpreendeu muito porque eu vi como ele se move na água, se aproxima de tubarões. Ele tem uma conexão com os animais. Então, sobre o polvo, me pareceu algo completamente sensato.

Como você o conheceu e por que começaram a mergulhar juntos?

Foi através de um amigo em comum. Ele me contava histórias incríveis de mergulho com um cara que não usava roupa neoprene, nem equipamento. Viam coisas maravilhosas. Então fui junto dar um mergulho e, logo de cara, vi animais que nem sabia que existiam, mesmo conhecendo esse ambiente há muito tempo. Fiquei fascinada. Percebi que Craig sabia achar essas coisas porque se dedicou a aprender a rastrear animais debaixo d'água. Pedi a ele para me ensinar. Fiz um treinamento exaustivo para adaptar meu corpo à água fria. Foi um processo de disciplina mental séria e, às vezes, traumática.

Que animais você viu que foram uma novidade?

Existe um peixe chamado "giant kingfish", de uns 30 centímetros, com uma cabeça chata e um tipo de soquete debaixo do queixo. Ele consegue nadar até as pedras e usar o soquete para se grudar a elas. Tem um tipo de concha chamada 'limpet', impossível de se tirar com a mão, mas esse peixe consegue, se contorcendo como se abrisse uma garrafa. Craig também me levou até os tubarões, está no filme. Eles nadavam se esbarrando na gente, mas estávamos tão calmos e sem nos mexer que mal nos perceberam.

Cena do documentário "Professor Polvo" - Craig Foster/Divulgação - Craig Foster/Divulgação
Imagem: Craig Foster/Divulgação

Craig começou a mergulhar diariamente como uma espécie de terapia. O que acontece no oceano, nessa proximidade com a natureza e animais, que nos faz tão bem?

Acho que remonta ao nosso profundo passado evolutivo. Dez mil anos atrás, vivíamos todos juntos. Compreender o mundo natural foi fundamental para a nossa sobrevivência. Podíamos ler a natureza como um livro. Da mesma forma que hoje falamos uns com os outros em diferentes línguas, podíamos falar com o mundo natural. Ouvíamos os pássaros e entendíamos onde estavam os predadores ou certas frutas. Acho que é um espaço de cura porque é realmente onde fomos projetados para estar. Sinto que nossas mentes e corpos se adaptaram rapidamente como puderam à vida moderna, mas certas partes ainda estão presas a esse passado ancestral. Então, você entra na natureza e se sente relaxado. É extremamente reconfortante ter uma noção de si mesmo como um pequeno indivíduo cercado por esse enorme mundo biológico.

É uma das lições do "Professor Polvo"?

Você vê o polvo ensinando Craig, mas ele é uma metáfora para o mundo natural. A mensagem do filme é que se um ser humano pode ter uma relação significativa com algo tão diferente de nós, como um polvo, então realmente precisamos ter muito respeito, compaixão e curiosidade por todas as criaturas com as quais compartilhamos nosso planeta.

Sobre nossa relação com a vida selvagem, Craig tem uma frase muito bonita: "Somos parte deste lugar. Não somos visitantes". Mas há quem acredite que o ser humano deva ficar bem longe da vida selvagem para preservá-la. Como vê essa relação?

É uma pergunta válida e algo que discutimos muito. Certamente não encorajo sair tocando animais selvagens, mas há momentos em que esses animais se aproximam porque são curiosos. Tive dois encontros nos meus mergulhos. Estava na minha e essa lontra veio, nadou ao meu redor, tocou meus pés de pato. Sonhei com isso por semanas. Acredito que continuar com essa narrativa de separação entre pessoas e natureza é uma das histórias mais perigosas do mundo hoje. Mudança climática é na verdade sintoma dessa terrível desconexão.

O documentário fala de natureza, mas não de maneira convencional, sem dar palestra. Como decidiu o estilo de narrativa, que é quase uma história de amor?

Foi um grande debate durante todo o processo de filmagem. Tenho um histórico de jornalismo focado em conservação e li e escrevi muitas histórias deprimentes. Estava cansada. Dá uma sensação de que não há muito o que fazer. Então, encontrar uma história com uma visão diferente foi emocionante. Sinto que a mensagem mais forte que existe hoje é sobre um ser humano que volta a se apaixonar pela natureza. Todo mundo tem esse potencial, fomos criados assim.

Polvo de aproxima de Craig no documentário "Professor Polvo" - Tom Foster/Divulgação - Tom Foster/Divulgação
Imagem: Tom Foster/Divulgação

Há vários cientistas para o projeto, incluindo a bióloga canadense Jennifer Mather, conhecida como 'psicóloga de polvo'. Como ela ajudou no filme?

Ela estudou psicologia humana e ciência dos cefalópodes e descobriu uma maneira de combinar as duas disciplinas. No filme, temos um ser humano contando sua história e queríamos fazer o que fosse possível para entrar na mente do polvo. Afinal, o que acho especial neste filme é que temos um ser humano observando um polvo e também temos um polvo observando um ser humano. Jennifer veio para a África do Sul e foi bem rigorosa. Passamos por cada cena, e ela nos deu uma visão sobre o que ela achava que estava acontecendo. Na maioria das vezes, concordava com as observações de Craig. Às vezes, não. Estaria o polvo brincando com o peixe? Nunca vamos saber, mas na cabeça de Craig, sim. Jennifer nos explicou que o mundo do polvo é definido por uma tensão entre o medo e a curiosidade. Quando você é um animal assim, como leva seu dia?

Ela notou alguma mudança no polvo por causa da relação com Craig?

Não sei. Sabemos que entre os polvos que reconhecem seres humanos, há humanos que eles gostam e outros que não gostam. Foram experimentos feitos em cativeiro. Jennifer diz no filme que o polvo deve estar pensando algo na linha: 'Quem é esta estranha criatura que me visita todos os dias, não me machuca e torna meu dia um pouco mais interessante?' É algo estranho de dizer, mas não sei se o polvo se ligou ao Craig, embora acredito que tenha se divertido. Tenho certeza que nem todo polvo é visitado por uma criatura de máscara de 1,82 metro.

Como as florestas de algas são afetadas pelas mudanças climáticas?

É um ecossistema incrivelmente importante, um dos mais ricos em biodiversidade e grande sequestrador de carbono. As florestas de algas protegem os litorais, o que é essencial à medida em que o nível do mar sobe e os litorais se tornam cada vez mais vulneráveis à erosão. Mas elas estão desaparecendo e de forma rápida, como na Califórnia e na Tasmânia. Segundo relatório do IPCC, é o segundo ecossistema marinho mais vulnerável do mundo. Às vezes, com o aquecimento da água, as algas começam a morrer, e uma espécie invasora se aproveita. Normalmente é um ouriço. Eles são vorazes, devoram uma floresta inteira. Com o projeto Sea Change, queremos fazer com que as pessoas pensem nas florestas de algas como um ecossistema emblemático, como acontece com um recife de corais ou a savana africana