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Startup aproxima consumidores e pescadores artesanais

Janaína e o marido, o pescador Misael: família toda trabalha na Olha o Peixe! - Arquivo Pessoal
Janaína e o marido, o pescador Misael: família toda trabalha na Olha o Peixe! Imagem: Arquivo Pessoal

Antoniele Luciano

Colaboração para Ecoa, em Curitiba (PR)

20/04/2021 06h00

Foi acompanhando pescadores durante o mestrado em Sistemas Costeiros e Oceânicos, que o oceanógrafo Bryan Renan Müller, de 30 anos, conheceu de perto as necessidades desses trabalhadores no litoral paranaense. Além de ir para o mar fazer a captura dos pescados, atividade que poderia levar o dia todo, era comum que eles tivessem de entregar os produtos por valores abaixo do que esperavam. Os negócios eram feitos com atravessadores, que levavam os peixes e frutos do mar para peixarias e mercados da região. "Quem definia preços e prazo era o comprador. Os pescadores não tinham voz porque não tinham como armazenar os peixes", recorda o rapaz.

Müller viu nessa relação de desvalorização a oportunidade para criar um negócio que fortalecesse a pesca artesanal. Três meses depois, ainda em 2018, fundou a Olha o peixe!, startup que faz a ponte entre consumidores e pescadores de Pontal do Paraná, Guaratuba, Paranaguá, Ilha do Mel e Ilha de Superagui. No ano seguinte, depois de um período de testes, os pescados locais passaram a ser entregues no litoral e em Curitiba. Os compradores fazem encomendas avulsas ou através de um clube de assinaturas de pescados, com entregas semanais.

O empreendedor explica que a construção dessa rede possibilita que os pescadores recebam pagamentos à vista e com valores mais atrativos para eles. "Às vezes, é uma diferença de R$ 3 no quilo, mas que para uma família que vende 100 quilos fará uma diferença de R$ 300 no fim do mês", comenta. Müller calcula que, desde o início das operações, a Olha o peixe! já teve uma receita de R$ 480 mil. "Setenta e dois porcento desse valor fica nas comunidades, porque são as famílias que fazem o trabalho pesado", assinala.

Em dois anos, já foram feitas mais de 4,2 mil entregas envolvendo dez comunidades de pescadores e 30 estabelecimentos comerciais. Setenta porcento dos consumidores individuais são mulheres, com idade entre 25 e 45 anos. "O que percebemos é que elas se interessam muito pela causa, querem fortalecer o local. Elas também fazem compras maiores, com pescados mais fáceis de serem manuseados, como o camarão limpo ou o filé de pescadinha, enquanto os homens preferem peixes inteiros ou ostras", comenta Müller.

Geração de renda

Pescadores - Bryan Müller - Bryan Müller
Pescadores da Olha o Peixe!
Imagem: Bryan Müller

As operações da startup também têm gerado emprego para mulheres do litoral. Elas são as responsáveis pelo pós-pesca - limpam, embalam e levam os pescados para congelamento no mesmo dia que os maridos os trazem do mar, a fim de manter a qualidade do produto. É o caso de Janaína da Luz, 26 anos. "Antes era difícil conseguir um trabalho que eu pudesse conciliar com o cuidado do meu filho", conta. Hoje, toda a família dela atua na pesca artesanal. "Com o que eu ganho, já consegui reformar minha casa, pagar nossa canoa. Estamos tendo um retorno muito bom", define.

Apesar de ainda não terem um local para armazenar grandes quantidades de pescados, o apoio para escoar a produção já deixa os pescadores numa situação melhor, avalia Carlos Henrique Keike da Silva, 44 anos, pescador há mais de 20 anos em Pontal do Paraná. "Antes, nós tirávamos a pesca e queriam nos pagar muito barato, ficávamos na mão dos atravessadores. O pescado de R$ 12 o quilo, queriam pagar R$ 4, R$ 5. Agora temos mais gente correndo atrás para comprar", diz.

Divulgação caiçara

Wilson - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Wilson Cunha Gonçalves produz ostras em Guaratuba e as envia para Curitiba através da startup
Imagem: Arquivo Pessoal

A Olha o peixe! tem atuado com 60 produtos de 25 espécies, como tainha, siri, peixe-porco e linguado. Para divulgar o catálogo e tornar a diversidade de pescados mais conhecida entre o público, a startup criou um material de divulgação com informações sobre as espécies adquiridas e como prepará-las. Também foi produzido um livro com três receitas de cada espécie, testadas por chefs de cozinha, pescadores e clientes. "Muita gente nos pede tilápia, então explicamos que não temos tilápia no nosso litoral e falamos dos pescados que temos, para que essas pessoas também introduzam na sua alimentação novas espécies", pontua Müller.

O ostreicultor Wilson Cunha Gonçalves, 52 anos, concorda que a proposta tem ajudado a popularizar os pescados locais. Para ele, que prepara e envia ostras congeladas de Guaratuba para Curitiba, o negócio ajuda a deixar as vendas ativas mesmo após o fim da temporada de verão. "O comércio é o ano todo. São produtos que a pessoa só encontra em restaurantes no litoral e que estão sendo levados para a capital. Isso valoriza a cultura caiçara", observa.

Além das comunidades de pescadores, oito pessoas fazem parte da equipe da startup. O negócio já passou por três programas de aceleração, tendo sido premiado em um deles, o programa Natureza Empreendedora, da Fundação Grupo Boticário. Conforme Müller, a criação de um ponto de armazenamento - comunitário ou privado - para os pescados negociados está nos planos de expansão da empresa.