Por que a retirada legal de madeira da Amazônia é tão difícil?
Cadeiras, mesas, pás de ventiladores ou um simples palito de picolé. Olhe ao redor, é provável que exista algo feito de madeira à sua volta. Mas, para que esses utensílios existam, é inevitável que árvores sejam cortadas e, obviamente, deixem de existir. Claro, essa é a regra do jogo para exploração de recursos naturais, mas é possível fazer isso de maneira responsável e sustentável.
Parte desses produtos são feitos a partir de árvores plantadas para esse fim como eucaliptos e pinhos. Outra parte, vem de madeiras mais nobres, encontradas nas florestas do país. Para se explorar esse tipo de madeira, legalmente, o primeiro passo é seguir os chamados planos de manejos florestais. No entanto, é um choque olhar os dados - mais de 50% da madeira extraída da Amazônia tem origem ilegal e pelo menos 70% desse produto vai para o mercado nacional.
Mas será que a retirada legal da madeira da Amazônia é assim mesmo tão difícil? Será que é possível equiparar a extração com práticas sustentáveis e que respeitem a regeneração das florestas e dos seus povos originários? Ecoa conversou com especialistas para entender estes pontos. Confira a seguir:
A retirada de madeira legal da Amazônia é difícil?
Para a exploração de todos os recursos naturais é preciso pensar em procedimentos que protejam o meio ambiente e mantenham práticas sustentáveis. Isso não é diferente para retirada de madeira legal da Amazônia.
"Durante esse processo de exploração os impactos precisam ser minimizados e controlados, a fim de não degradar o meio ambiente e proteger a saúde das pessoas que estão no entorno", explica o biólogo Alan Rosendo, especialista em ambientalismo.
E esse processo de exploração é feito através do manejo florestal, que é basicamente proteger e delimitar as áreas em que essa madeira pode ser retirada.
"Quando pensamos na exploração das florestas, é preciso colocar na balança o custo ambiental. Os procedimentos em licenciamento ambiental levam em conta que se tem um prazo, uma área determinada, um plano de manejo da floresta", explica Rosendo.
Esse manejo, segue uma lógica de sustentabilidade, para equilibrar a balança entre o que é retirado e o que é mantido na floresta. "Quando se faz um plano de manejo florestal, não se vai cortar toda a floresta, somente as árvores em que se têm interesse econômico, não se usa o fogo no processo. Para retirar a madeira são abertas picadas até chegar onde se quer. O intuito é explorar a mesma área daqui a trinta anos", explica o ambientalista.
Até aqui, na teoria, ao se seguir todas as regras, não parece que esse processo é tão difícil, certo? Os entraves entram justamente em duas questões: custo e fiscalização - pois, abrir clareiras até chegar à área específica onde se está a madeira que precisa ser cortada é muito mais custoso do que usar o fogo de forma ilegal
Dessa forma, é criado um verdadeiro cenário de contradição, como explica Luciana Barbosa coordenadora do Grupo de Trabalho de Meio Ambiente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência):
"Existe uma dificuldade de se explorar legalmente, porque há uma facilitação do lado ilegal que faz com que essa madeira saia facilmente para o mercado nacional. O Pará, por exemplo, é uma área de difícil fiscalização. A madeira legal precisa passar por diversas fiscalizações para que se evite fraudes", avalia Barbosa.
Dificuldade na fiscalização e conflitos aprofundam raízes do problema?
Barbosa aponta que a dificuldade das fiscalizações e enfraquecimento das instituições que as fazem abrem ainda mais brechas para que a exploração ilegal avance.
"De 2019 para cá, há um reverso dessas políticas ambientais, que flexibilizam a exploração de uma forma predatória. Houve a demissão de vários líderes que estavam à frente desses processos e esses órgãos têm cada vez menos recursos e técnicos em campo para fiscalizar e multar aqueles que agem contra a lei", avalia.
No começo do mês, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, se reuniu com madeireiros que foram alvos da maior apreensão de madeira da história do Brasil. Alvo de diversas críticas, sobretudo do superintendente da Polícia Federal no Amazonas, que comandou a operação de apreensão, Alexandre Saraiva, que criticou a interferência [do ministro] no processo. O Ministro se comprometeu a revisar os planos de manejo e liberar a extração, caso os documentos apresentados estejam corretos.
Uma das exonerações recentes que chamou a atenção foi a do chefe do Ibama, que fiscalizou 100% da madeira nativa no 2º maior porto do país e assinou um relatório em fevereiro que informa a realização do procedimento. A operação pode gerar 30 autos de infrações por falta de documentação válida, necessária à exportação de madeira nativa por meio do Documento de Origem Florestal, de acordo com dados apurados pelo blog Ambiência da Folha de S. Paulo.
O que garante que uma extração de madeira seja feita seguindo as leis e consequentemente tome medidas sustentáveis são os planos de manejos florestais. No entanto, eles não são necessariamente garantia para que tudo esteja acontecendo corretamente.
Existe uma superestimação na quantidade de árvores de determinadas espécies em planos que já estão licenciados e erros na identificação de algumas espécies. Isso gera créditos falsos de movimentação de madeira, de acordo com estudo feito pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (Esalq/USP).
O que é preciso, na prática, para retirada legal de madeira da Amazônia?
Ecoa pediu ao biólogo Alan Rosendo, que também trabalha na esfera pública com gestão ambiental, que explicasse de forma simplificada os passos para retirada legal de madeira, confira:
1. Autorização prévia para análise técnica;
2. Apresentação de plano de manejo florestal sustentável;
3. Registrar a atividade econômica no cadastro técnico federal - para garantir arrecadação de impostos e que os trabalhadores serão registrados;
4. Todo ano é preciso submeter esse plano [de manejo florestal] a uma aprovação dos órgãos ambientais, para comprovar que o que foi planejado está sendo respeitado.
5. Por fim, a expedição da licença de operação e autorização de exploração florestal.
A ilegalidade faz mal aos negócios?
Para Alan, a extração ilegal não traz só prejuízos ambientais que podem ser irreversíveis, mas também desvaloriza a matéria-prima extraída dessa forma.
"Enfraquecer as leis de controle e fiscalização sobre as atividades extrativistas causa prejuízos para o Brasil, pois países que seguem políticas e códigos internacionais que visam a qualidade e preservação do meio ambiente, deixarão de comprar nosso produto", alerta.
"Todo produto que é ilegal é mais barato. Vale a pena burlar a legislação ou enfraquecê-la para obter um produto que no final valerá menos?", completa.
O biólogo vê como saída a manutenção das instituições e dos procedimentos de licenciamento e fiscalização, que podem ajudar a coibir a ação de pessoas que fazem a exploração ilegal e obrigar que tomem caminhos legais. "É essencial a ação da Polícia Federal, do Ibama, do instituto Chico Mendes e dos órgãos estaduais e municipais de meio ambiente para barrar a extração ilegal da Amazônia", diz.
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