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O que é o Censo? Entenda como a não realização dele afeta a nossa vida

IBGE: Corte de R$ 1,7 bilhão no orçamento impede a realização do Censo 2021 - Reprodução/IBGE
IBGE: Corte de R$ 1,7 bilhão no orçamento impede a realização do Censo 2021 Imagem: Reprodução/IBGE

Giacomo Vicenzo

Colaboração para Ecoa, em São Paulo (SP)

26/04/2021 15h07

Você já ouviu falar do Censo Demográfico? Talvez já tenha recebido os recenseadores do IBGE, responsáveis pela pesquisa, em sua casa, ou já os notou circulando pelas vias da cidade nos anos em que o levantamento é feito.

A pesquisa estava prevista para ser realizada este ano, mas na sexta (23) o governo anunciou que o orçamento de 2021 não terá recursos para realização.

O IBGE já sinalizava o que estava por vir ainda em março, quando divulgou uma nota em que apontava que o corte previsto no projeto do orçamento iria impossibilitar que o Censo 2021 fosse realizado. O estudo já estava atrasado, pois geralmente é feito nos países de 10 em 10 anos e o último feito no Brasil, foi em 2010.

Mas o que é o Censo Demográfico e como esse estudo afeta a nossa vida? Ecoa conversou com especialistas, um ex-ministro e profissionais que lidam com esses dados em diversas esferas para entender os impactos de sua não realização e explicar como funciona esse levantamento.

O que é o Censo?

O Censo Demográfico realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) é um levantamento estatístico que traz diversos dados populacionais, como por exemplo, socioeconômicos, de modo de vida de uma população e étnicos.

Se hoje você sabe quantas pessoas moram em sua cidade e outros dados a respeito da população do país ou do entorno onde mora, pode ter certeza que o Censo foi um dos responsáveis diretos ou indiretos por esses estudos.

"Censo é a contagem da população. Parece simples, mas é basicamente contar cada um dos brasileiros, visitando os seus domicílios. É trabalhoso, caro e demanda um pequeno exército de recenseadores", explica Paulo Alexandre de Moraes, mestre pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e que atuou como pesquisador do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) por sete anos.

"Alguns dados podem ser estimados, como o total da população, a partir de taxas de natalidade e mortalidade. Outros não. O censo de 2010 tinha um gabarito com mais de 100 perguntas, onde eram medidas as coisas mais diversas, desde a quantidade de eletrodomésticos de uma casa até a escolaridade dos moradores", explica Moraes.

Quando foi o primeiro Censo?

À primeira vista a ideia de levantamento demográfico nos parece algo relativamente novo e uma ferramenta das sociedades modernas, mas a verdade é que se chegamos até aqui com o número de informações e conhecimentos populacionais que detemos, é porque esse tipo de estudo já era feito no passado e foi sendo modernizado e adequado ao longo do tempo.

A primeira concepção de Censo Demográfico surgiu há muitos anos atrás, como explica Paulo de Martino Jannuzzi, professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE) do IBGE a Ecoa:

"O Censo Demográfico é o principal levantamento estatístico de qualquer país. Sua existência tem mais de 2 mil anos, pois contar o total populacional é algo que data em registros dos tempos bíblicos e sempre foi importante para que se tenha um dimensionamento da população [na época] para o exército e para fins fiscais", explica Jannuzzi.

O professor lembra que naturalmente os censos vão se sofisticando ao longo do tempo e ficando cada vez mais importantes. "Na Revolução Francesa e na Revolução Americana se tem a menção específica sobre censos como um instrumento para poder definir a representação [política] de cada região", explica.

Ao longo do tempo, o estudo passou a ter muitas outras funções, além da simples contagem populacional e hoje são um instrumento fundamental para retratar as sociedades ao longo de suas histórias.

"Essa já é uma realidade desde o final do século 19, quando os questionários do censo começaram a levantar uma série de informações importantíssimas para o reconhecimento da identidade nacional", ressalta Jannuzzi.

O primeiro Censo Demográfico brasileiro foi em 1872 e o estudo ocorreu, de certa forma, com 20 anos de atraso, pois uma parcela da sociedade se opunha à realização do levantamento.

"Esse foi o primeiro e último da época do Império e era para ter sido feito em 1852, mas os latifundiários foram resistentes à realização do censo, pois, obviamente, a pesquisa iria mapear a quantidade de escravos e, portanto, identificaria as bases tributárias para reincidir impostos para o financiamento do Império", explica Jannuzzi

O professor ainda lembra que o Censo de 1872 já trazia informações sobre religião, ocupação, raça [como era entendida nesta época - alforriado, escravo e branco] e deficiência. "De lá para cá, as coisas se sofisticaram e a partir de 1960 com a introdução da técnica de amostragem, se tem a possibilidade de se detalhar ainda mais", explica.

Qual a importância do Censo atualmente?

Nelson Teich -                                 REPRODUÇÃO/MINISTÉRIO DA SAÚDE                              -                                 REPRODUÇÃO/MINISTÉRIO DA SAÚDE
Teich ficou no cargo de ministro da Saúde por menos de um mês
Imagem: REPRODUÇÃO/MINISTÉRIO DA SAÚDE

Já entendemos como o Censo funciona, uma coleta de dados e informações que são capazes de retratar uma sociedade e mostrar suas mais diversas nuances. No Brasil, com 28% dos domicílios sem acesso à internet, o estudo passa longe das possibilidades de ser feito de forma online e usa a visita dos recenseadores para coletar dados dos mais diversos e tem o objetivo de mapear por igual o país. Mas qual a importância de se fazer esse levantamento ainda hoje?

Moraes explica que ele é um norte fundamental ao Estado brasileiro na hora de criar políticas públicas. "O Fundo de Participação dos Municípios utiliza os dados do Censo para calcular quanto cada município tem a receber", comenta.

"Pensando em um exemplo atual, quando o Ministério da Saúde calcula qual o público-alvo de uma campanha de vacinação, utiliza-se os dados do Censo. Se sabemos que na cidade 'X' tem uma quantidade 'Y' de pessoas com mais de 60 anos, é porque houve um Censo que contou aquela população", completa.

Nelson Teich, ex-Ministro da Saúde e médico oncologista explica, em entrevista a Ecoa, que os dados do Censo são como ter um diagnóstico do que está acontecendo com o país.

"Sem esses dados, não se consegue dimensionar e nem diagnosticar os problemas para que se aloque as verbas de forma eficaz e se crie políticas públicas. É preciso lembrar que todos os recursos são finitos", comenta Teich.

Ainda que existam outros estudos, a importância do Censo é primordial no sentido de apresentar justamente diferenças entre regiões e populações. "Não se pode trabalhar um país na média, é preciso conhecer as características das pessoas e os lugares. Até mesmo em países pequenos se encontra situações muito heterogêneas", defende o ex-ministro de Saúde

"Quando se tem a informação detalhada, se obriga que o gestor trabalhe, pois se tem o diagnóstico exato do que é preciso fazer", completa.

Como seria um Brasil sem Censo para sempre?

Toda política pública é criada baseada nas necessidades da população, mas para conhecer essas necessidades é preciso ter dados às mãos.

O ex-ministro da saúde Teich afirma que a pandemia de covid-19 mostrou que essa incapacidade de gerar informações levou a uma necessidade de se criar ações baseadas em intuições e não em diagnósticos reais dos problemas. "Sem dados se criam políticas públicas com base na impressão, não se sabe se está criando algo efetivo", diz."É como chegar a um lugar em que há muito câncer de pulmão e descobrir que quem usa isqueiro têm mais câncer. É claro que não é isqueiro, é cigarro. Mas sem essa informação, corre-se o risco de fazer uma campanha de política pública contra o isqueiro", comenta Teich.

Mais do que navegar às cegas e encarcerar os vendedores de isqueiros em um Brasil hipotético, sem esses dados, o país não teria conseguido focalizar políticas públicas de segurança alimentar de forma bem orientada, que garantiram a saída do Mapa da Fome.

"Ter mapeado a população em extrema pobreza nos Censos de 2000 e de 2010, trouxe a garantia de uma boa focalização em programas como o Bolsa Família, que fez com que as ações de segurança alimentar e assistência social se dirigissem aos bolsões de extrema pobreza na zona rural e nas periferias urbanas com um nível de qualidade técnica e precisão muito bom, que fez com que o Cadastro Único pudesse refletir esse mapeamento e auxiliasse na saída do Mapa da Fome", comenta Jannuzzi.

Adiado para 2022, a possível aceitação do estudo por uma parcela da sociedade preocupa o pesquisador. "O discurso contra o Censo é um sentimento que pode pegar em determinados segmentos, que podem não querer participar da pesquisa. Da mesma forma que se pregou a contra a vacina, talvez ano que vem tenhamos um movimento muito ruim em relação a isso", avalia.

"O Censo é uma realização técnica, mas que tem motivação política. O estudo traz um reconhecimento da identidade nacional. O fato de não se priorizar o estudo mostra que estamos em um momento muito diferente de outros da história do Brasil", completa Jannuzzi.