Cooperativa de extrativistas na Amazônia une conservação ambiental e renda
Desde os oito anos de idade, Aldemir Santos Corrêa mantém uma relação umbilical com a floresta amazônica. Natural do Amapá, Corrêa vive no território conhecido como Beira Amazonas, que abrange os municípios de Itaubal e Macapá, capital do estado. Para a maioria das crianças da região, a infância é marcada por um rito de passagem que faz parte do modo de vida local: aprender a subir nas palmeiras de açaí para coletar os frutos. Aos 34 anos, Corrêa ainda escala e cultiva os açaizais para garantir o seu sustento. Depois de décadas na atividade, o amapaense se tornou um empreendedor florestal que acredita na conservação do meio ambiente para uma economia sustentável.
Se atualmente o açaí é reconhecido como um fruto de valor dentro do Brasil e no mercado internacional, na década de 90 a principal atividade era a derrubada das árvores para vender a madeira e extrair o palmito. Atualmente, não há dúvidas sobre o valor nutritivo do fruto. Ele é conhecido por ajudar no emagrecimento, prevenir doenças e retardar o envelhecimento. Alimento natural da floresta, o açaí faz parte da alimentação de povos indígenas e comunidades tradicionais. Nos anos 90, extrativistas ganhavam entre 15 a 20 centavos por cabeça de palmito. Atualmente, com a produção de açaí coordenada pela Cooperativa dos Produtores Agroextrativistas do Bailique (AmazonBai), localizada no Arquipélago do Bailique e da qual Corrêa faz parte, paga-se até 50 reais pela lata do produto. A AmazonBai é a única no mundo com a certificação FSC de Manejo Florestal Comunitário de Açaizais. Isso significa que os produtores adotaram uma série de práticas que garantem a sustentabilidade ambiental, econômica e social.
Profissão perigo
Quando Corrêa era criança, não existia a preocupação com medidas de segurança para subir nas árvores. O fruto é responsável por movimentar cerca de 1,5 bilhão de dólares na economia, mas há pouca fiscalização sobre as condições de trabalho. Os peconheiros — nome dado aos coletores de açaí — escalam as palmeiras, que podem chegar a 30 metros de altura, com um facão sem bainha, normalmente descalços, e ficam vulneráveis a diversos tipos de acidentes, como cair da árvore, se machucar com a lâmina do facão e até ataques de animais peçonhentos da floresta. Em média, cada produtor tem entre 10 a 15 hectares de açaizal próprio, sendo que 1 hectare equivale à produção de 600 latas. Por conta da demanda, os proprietários contratam peconheiros para ajudar a colher os frutos. No caso de Corrêa, ele faz a função de peconheiro e contrata mais um para ajudá-lo — o lucro é dividido meio a meio.
Um relatório realizado pelo Instituto Peabiru em 2016 apontou que a atividade dos peconheiros é uma das mais perigosas do Brasil. De acordo com o levantamento, 92% dos trabalhadores afirmaram que o açaí é a principal fonte de renda familiar, 89% disseram que alguém de sua família ou meeiro já sofreu um acidente de trabalho e 62% dos acidentes demandaram afastamento de dez a 60 dias. No caso dos cooperados da AmazonBai, os coletores começaram a usar equipamentos de proteção individual e a realizar o manejo das árvores -- ao invés de alcançarem 30 metros, elas chegam até 12. Além de aumentar a segurança dos trabalhadores, a diminuição da altura também faz com que o trabalho seja mais ágil e produtivo.
De acordo com o presidente da AmazonBai, Amiraldo de Lima Picanço, parte dos cooperados faz parte da geração de produtores que derrubavam a floresta. "A transformação do mercado fez com que o pensamento mudasse nas últimas duas décadas. Quando a floresta passou a ter mais valor em pé, a lógica se inverteu", disse. Picanço conta que o trabalho de manejo e a certificação abriram o caminho para a melhoria na qualidade de vida, o respeito ao meio ambiente e a rentabilidade de médio e longo prazo. Antes, com o corte das árvores, os produtores ficavam até cinco anos sem renda. Com a floresta em pé, há dinheiro o ano todo. O cuidado com os açaizais não é mensurado de forma isolada, apenas pela saúde das palmeiras. Os produtores passaram a compreender os efeitos da conservação em toda a biodiversidade, como os animais que se alimentam de frutos e abelhas que vivem no ecossistema.
Empresários comunitários
Apesar de ser um processo burocrático, o contato com as melhores práticas é uma ferramenta para os produtores ficarem mais próximos do mercado internacional. Segundo a diretora executiva da FSC Brasil, Daniela Vilela, o extrativismo da floresta pode passar a impressão equivocada de que não causa impactos. "Existe a superexploração de recursos naturais e a atividade do peconheiro é muito perigosa. A marca do selo traz segurança para os compradores", afirmou.
Para validar a atuação da AmazonBai, o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) é a organização que acompanha os processos da cooperativa. De acordo com o consultor em auditoria de Certificação Florestal do Imaflora, Bruno Castro, o papel das instituições e das comunidades é importante, mas os consumidores precisam ter consciência sobre os produtos que chegam até eles. "Se não houver valorização pelo trabalho sustentável, a cadeia ficará frágil. Os produtores querem ganhar um valor justo pelo produto e o mercado deve se aproximar cada vez mais de questões socioambientais", disse.
A avaliação do Imaflora se reflete na vida prática dos cooperados do Amapá. "Saímos do formato de produtor rural e nos tornamos empresários comunitários. Não estamos mais sujeitos a um preço estipulado por um atravessador", disse Corrêa. Em outros tempos, eles não conseguiriam sequer questionar o valor oferecido pelo açaí. "Em nenhum momento na história da nossa atividade produtiva nós ditamos o preço do nosso produto. Agora nós podemos avaliar o cenário financeiro, capital de giro e dizer qual é o nosso preço mínimo", afirmou.
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