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Devemos pressionar Biden a não negociar com o governo Bolsonaro?

Os presidentes Jair Bolsonaro (Brasil) e Joe Biden (EUA) - AFP e Divulgação
Os presidentes Jair Bolsonaro (Brasil) e Joe Biden (EUA) Imagem: AFP e Divulgação

Giacomo Vicenzo

Colaboração para Ecoa, em São Paulo (SP)

02/05/2021 06h00

O ano de 2020 deixou uma cicatriz profunda na Amazônia, sendo o período de maior desmatamento na última década e os dados continuam a alertar o avanço da área cortada. Às vésperas da Cúpula do Clima, que convocou 40 líderes mundiais para debater planos para frear as mudanças climáticas, o Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) divulgou um boletim que aponta que a destruição da Amazônia registrou o maior desmatamento para o mês de março dos últimos dez anos.

O assunto tem ganhado os holofotes e reunido críticos à atuação do governo Bolsonaro frente à proteção ambiental da floresta amazônica. Em carta enviada ao presidente Biden dos EUA, que convocou a cúpula climática, cerca de 200 ONGs e artistas como a Anitta, assinam o apelo que pressiona para que o governo americano não negocie de portas fechadas com o presidente Bolsonaro e exigem que as decisões sobre o meio ambiente sejam guiadas e tenham a participação da sociedade civil e dos povos originários.

Ainda em campanha eleitoral, o atual presidente dos EUA Joe Biden cogitou o investimento de US $20 bilhões para a Amazônia. Entre as contrapartidas para este investimento estariam, justamente, a meta de zerar o desmatamento ilegal até 2030, meta que já havia sido apresentada pela então presidente Dilma Rousseff em Paris e foi apresentada novamente por Bolsonaro na Cúpula do Clima. No entanto, as falas e participação do presidente no evento não convenceram ambientalistas e parlamentares das reais intenções do governo sobre a preservação da Amazônia.

Mas, será que devemos mesmo pressionar Biden a não negociar com o governo Bolsonaro? Ecoa ouviu especialistas de diferentes áreas e especialistas para tentar entender os pontos negativos e positivos sobre o tema. Confira:

Sim

É preciso apresentar planos reais

A mitigação do desmatamento da Amazônia até 2030 é uma proposta antiga, apresentada em outros governos e repetida na Cúpula do Clima por Bolsonaro, no entanto, ainda não foram apresentados planos reais e concretos para serem colocados em prática e que vão ajudar a diminuir esse problema. Especialistas ouvidos por Ecoa indicam que não existem dados concretos ainda do que está sendo feito por parte do governo brasileiro.

Pressão internacional pode ajudar o meio ambiente

A maior pressão internacional pode obrigar um cuidado maior com o meio ambiente e faz com que líderes tomem medidas com mais urgência e clareza, a fim de não desgastar relações diplomáticas com os países envolvidos nos acordos.

Contradição em preservação ambiental

Desde 2019, quando Bolsonaro assumiu, o desmatamento está aumentando de forma gradual na Amazônia, o aumento foi de mais de 70% em relação aos últimos dez anos. Especialistas ouvidos por Ecoa também apontam que a manutenção dos órgãos fiscalizadores é incongruente com a preservação ambiental, assim como a agilidade e não flexibilização das leis que multam os infratores que retiram madeira legal ou cometem outros crimes ambientais.

Discurso mudou, mas as ações não

O tom moderado adotado por Bolsonaro na Cúpula do Clima mostrou que o discurso sobre preservação ambiental está mudando. Entre os pontos estão o comprometimento com a diminuição da emissão de carbono e a promessa de zerar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030 - na prática, os rumos são um tanto diferentes. Servidores do Ibama e do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Biodiversidade) alegam que a recente mudança feita pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sobre o processo de atuação de crimes ambientais levou à paralisação da emissão de multas, uma vez que essas infrações só podem ser aplicadas depois de passarem por superiores desses servidores, fazendo com que a concretização de uma possível penalização seja mais burocrática e demorada.

Falta predisposição para mudanças reais

Exonerações constantes em órgãos como Ibama e mudanças de profissionais que detinham conhecimento técnico sobre a área de atuação por novos que não têm experiência nem especialização na área ambiental sinalizam que falta predisposição do governo para fazer mudanças reais para preservar o meio ambiente e revelam uma prática predatória de exploração da floresta amazônica.

Reunião com portas fechadas

A negociação é feita a portas fechadas e não inclui a sociedade civil, ONGs, povos originários e outras instituições que lutam pela preservação da floresta amazônica. Especialistas ouvidos por Ecoa defendem que, justamente pela proposta de investimento milionário, essas partes precisam participar e devem ser ouvidas para que soluções para problemas reais sejam criadas e que as mesmas recebam parte dos recursos, uma vez que atuam na fiscalização direta dessas áreas.

Não

Estremecimento de relações diplomáticas

A falta de negociação com os EUA, que é uma liderança econômica e militar, pode isolar o Brasil e estremecer relações diplomáticas de países que têm um histórico de boa negociação e diálogo.

Pressão não deve ser apenas no Brasil

Apesar de grande parte da madeira extraída ilegalmente na Amazônia ir para o mercado nacional, há também uma parcela desse produto que é adquirida por compradores internacionais. Especialistas defendem que é necessário criar políticas internacionais para que esses receptores também sejam penalizados, para que assim, a demanda sobre o produto irregular seja coibida.

Negociar é melhor para o meio ambiente

Chegar a um consenso é melhor do que não negociar. Uma pressão internacional em um cenário em que não existe negociação não trará muitos benefícios e não irá ajudar a frear o desmatamento ilegal ou outras práticas predatórias.

Ficar de fora do mercado

Falta de negociação pode excluir o Brasil do mercado internacional e levar à perda de bilhões de dólares. Encontrar soluções e acordos para uma exploração sustentável é o melhor caminho.

Fontes: Luciana Barbosa, coordenadora do Grupo de Trabalho de Meio Ambiente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência); Alan Rosendo, biólogo, especialista em ambientalismo e Daniel Toledo, advogado especializado em Direito Internacional e consultor de negócios Internacionais, com especialização em Negócios Internacionais pelo Eckerd College - St Petersburg.