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Pretas e dinheiro não são palavras rivais, é o que propõe projeto Afroricas

Gabriella Safe [direita] e Geórgia Barbosa [esquerda] são sócias no projeto Afroricas  - Reprodução/Instagram @afroricas
Gabriella Safe [direita] e Geórgia Barbosa [esquerda] são sócias no projeto Afroricas Imagem: Reprodução/Instagram @afroricas

Camilla Freitas

De Ecoa, em São Paulo

18/05/2021 06h00

Gabriella Safe era a única mulher negra na empresa em que trabalhava. Essa realidade, sabia que compartilhava com outras mulheres como ela. Formada em Ciências Sociais, Gabriella pôde se deparar na faculdade com questões que abordavam as desigualdades raciais no país. Juntando tudo isso, decidiu criar um projeto que pudesse ajudar outras mulheres negras a ingressar no mercado de trabalho. Nascia, então, a Afroricas.

Foi no ano de 2017 que o projeto saiu do papel. Criado inicialmente para ser presencial, ele migrou para as redes sociais graças ao edital Negras Potências, que possibilitou seu financiamento. A Afroricas começou como um projeto gratuito educacional com mentorias e conteúdos nas redes, trazendo dicas sobre o mercado de trabalho e desenvolvimento pessoal para mulheres negras. O nome da iniciativa, como Gabriella aponta, é uma provocação. "A ideia é associar pessoas negras a algo positivo, não à marginalidade e à pobreza, como geralmente é feito", explica.

A Afroricas, contudo, tem passado por uma mudança desde 2019. Junto com a sócia Georgia Barbosa, Gabriella tem feito com que o projeto seja autossustentável, uma empresa. Assim, para se manter financeiramente, a iniciativa também tem atendido empresas com serviços de publicidade, consultoria de diversidade e inclusão, com palestras e criação de conteúdo. Isso tudo sem deixar de produzir materiais gratuitos nas redes para atender seu público-alvo.

Por que só para mulheres negras?

Você pode estar se perguntando por que um projeto só para mulheres negras se em todo o país outros grupos também sofrem com desemprego. Alguns dados sobre essa população podem ajudar a responder esse questionamento.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua os negros - a soma entre pretos e pardos para o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) - são 55% da população brasileira, ou seja, a maioria. O grupo de mulheres negras, por sua vez, é o maior grupo demográfico do país, representando cerca de 29% da população.

Essa grande parcela, contudo, é subrepresentada no mercado de trabalho. Aqui vão mais alguns números: menos da metade das mulheres negras (49,7%) com filhos de até três anos conseguem trabalhar; entre as mulheres brancas, esse percentual ficou em 62,6% segundo pesquisa do IBGE; 54% das mulheres negras entrevistadas para o estudo "Potências (in)visíveis: a realidade da mulher negra no mercado de trabalho" realizado pela consultoria Indique uma Preta e a empresa Box1824 não exercem trabalho remunerado e 39% delas dizem estar procurando emprego.

Eu acredito que se a gente fortalece a base da pirâmide social de qualquer sociedade a longo prazo a gente vai ter toda a sociedade mais educada, mais desenvolvida. E, no Brasil, falar sobre fortalecer a base da pirâmide social é falar sobre fortalecer as mulheres negras

Gabriella Safe, fundadora da Afroricas

Uma rede conectada

O impacto de um projeto nas redes sociais pode ser difícil de mensurar. Somando Instagram, Linkedin e o Twitter da Afroricas, são mais de 11 mil seguidores. Gabriella acredita que a soma seja maior. Para ela, entre todos que as acompanham nas redes sociais e que participaram da mentoria e transmitiram para outras mulheres o que aprenderam, o número de impactadas pelo projeto pode chegar a dezenas de milhares de pessoas.

Paula Eduarda - Reprodução/Instagram @__paula.eduarda - Reprodução/Instagram @__paula.eduarda
Paula Eduarda conseguiu montar seu próprio brechó online depois de uma mentoria com o projeto Afroricas
Imagem: Reprodução/Instagram @__paula.eduarda

Uma delas é Paula Eduarda, que não só acompanha a Afroricas nas redes como também participou de uma mentoria com Gabriella. "A mentoria foi simplesmente incrível, me ajudou a organizar muita coisa. Recebi um plano de ação com os passos que eu deveria dar para conseguir alcançar aquilo que eu queria profissionalmente", conta.

Paula é estudante na graduação de Serviço Social da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e, como está no final do curso, explicou como a mentoria foi importante para ajudá-la a planejar os próximos passos de sua carreira profissional. Ela conseguiu se organizar para juntar o dinheiro que precisava para fazer um curso preparatório para prestar um concurso público e realizou o sonho de criar um brechó online. "Eu acho muito importante o que elas ensinam sobre conseguir se planejar para conseguir alcançar os nossos sonhos. Elas acabam auxiliando muito através do conhecimento que nos passam."

A escravidão terminou em 1888, mas a gente não tem liberdade, a gente ainda tá majoritariamente em uma situação de existir, de sobreviver, e não de realmente viver. A gente não tem muitas escolhas ainda. A Afroricas para mim é um projeto que contribui para essa libertação de várias mulheres negras

Gabriella Safe, fundadora da Afroricas