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Ilustrador cria super-herói inspirado em seu filho autista

Jake e seu pai, Led - Reprodução
Jake e seu pai, Led Imagem: Reprodução

Carolina Vellei

Colaboração para Ecoa, de São Paulo

08/06/2021 06h00

Led Bradshaw sempre foi apaixonado por quadrinhos. Morador da cidade de Nova York, acabou seguindo carreira no ramo como ilustrador profissional. Quando decidiu fazer da paixão sua profissão, ele não imaginava que isso poderia ajudar seu filho Jake a viver melhor e a se comunicar mais com a sua família. Através da arte e do mundo da imaginação, pai e filho criaram um laço de amizade e cumplicidade que resultou na criação do primeiro super-herói afro-latino no espectro do autismo.

Tudo começou quando Jake, aos três anos, despertou a preocupação dos pais por ter muitas dificuldades para se relacionar com outras pessoas e para aprender coisas novas na escola. Ao levá-lo ao médico, Led recebeu a notícia de que seu filho possuía características do espectro autista, um transtorno de desenvolvimento grave que prejudica a capacidade de comunicação e de interação.

Por meio das pesquisas que fez após o diagnóstico, o pai descobriu que alguns exercícios de arteterapia poderiam ajudar seu filho. Ao incorporar essas atividades de desenho na rotina de Jake, foram obtidos grandes avanços em seu desenvolvimento e em sua sociabilidade.

Nesse processo de contato com sua própria criatividade, Jake fez um projeto que envolvia imaginar e desenhar a si mesmo como um super-herói. O pai sugeriu essa atividade porque o menino estava tendo dificuldades na escola. Com o personagem pronto - chamado Jake Jetpulse -, Led desenhou alguns cartões com o filho super-herói executando ações que ilustravam as palavras que ele precisava aprender. "Havia Jake voando, correndo muito rápido, então ele aprendeu as palavras 'correr' e 'pular'", explicou Bradshaw em entrevista ao programa Today Show.

O menino gostou tanto de se ver com roupas de herói e com poderes especiais que, a partir daquele momento, era só sobre esse assunto que ele queria falar. Hoje, Jake cria os personagens e tem ideias para as histórias, e Led os traz à vida por meio de suas ilustrações. "Ele é meu diretor de arte", brincou o pai. "Ele me conta tudo o que quer, eu desenho e coloco nas histórias."

Artista cria quadrinhos de super-heróis com protagonista autista inspirado em seu filho - Reprodução - Reprodução
O super-herói Jake Jetpulse
Imagem: Reprodução

A experiência tem sido muito positiva. "Vejo que ele está mais confiante, mais sociável", disse Led. "E é bom vê-lo feliz e envolvido - ele está realmente interessado em todo o processo". A série já conta com cinco livros publicados, todos eles voltados a contar a história do super-herói em atividades educacionais que contribuem para o desenvolvimento de crianças autistas.

Arte como terapia

De acordo com a American Art Therapy Association, "a arteterapia é uma profissão de saúde mental que usa o processo criativo da arte para melhorar e aprimorar o bem-estar físico, mental e emocional de indivíduos de todas as idades". Ela oferece uma oportunidade para os terapeutas trabalharem individualmente com pessoas autistas para desenvolver uma ampla gama de habilidades de uma maneira que pode ser mais confortável (e mais eficaz) do que a linguagem falada.

Uma das marcas registradas dos transtornos do espectro autista é a dificuldade de comunicação verbal e social. Em alguns casos, as pessoas são não-verbais, ou seja, não usam a fala para se comunicar. Em outros casos, têm dificuldade em processar a linguagem e transformá-la em uma conversa tranquila e fácil. Elas também podem ter dificuldade em ler expressões faciais e linguagem corporal.

Ao mesmo tempo, outros indivíduos podem ter uma capacidade extraordinária de pensar com imagens. Muitos podem usar essa capacidade para um bom uso no processamento de memórias, registro de imagens e informações visuais e expressão de ideias por meio de desenhos ou outras mídias artísticas. Assim, a arte é uma forma de expressão que requer pouca ou nenhuma interação verbal e pode abrir portas para a comunicação.

Troca de experiências

No site oficial das histórias de Jake Jetpulse há um espaço de compartilhamento de ideias para quem convive diariamente com pessoas no espectro autista. Em uma das postagens, Led Bradshaw explica que construiu o site exatamente para formar uma comunidade para pais, amigos, professores, terapeutas e quem mais estiver buscando informações sobre o autismo.

Dentro do grupo, ele compartilha experiências e também recebe feedbacks de famílias que adquiriram os exemplares das histórias inspiradas em seu filho.

"Os quadrinhos chegaram pelo correio hoje. Comprei os livros didáticos de Jake Jetpulse para realmente tirar meu filho de sua concha e colocá-lo em uma grande comunidade", revela Julie Willis, uma das mães presentes no grupo. Morando com seu filho na Austrália, ela se diz grata pelo trabalho da família de Jake.

Segundo Julie, essa ideia deu a ela um lugar para compartilhar suas vivências e também deu forças para a sua família e outras pessoas. "Temos sorte de ter vocês dois. Led é um pai incrível e o que ele está fazendo pela comunidade do autismo é também incrível", afirma.

Sarah Roberts, mãe de uma menina que foi diagnosticada no espectro há dois anos, revelou que se apaixonou pela história dos dois ao assisti-los na TV. Ela explica, no grupo, que em sua casa o autismo não é visto como uma deficiência, mas sim como uma habilidade diferente. "Pode parecer bobo, mas Alexandra realmente me faz desacelerar e ver o mundo de sua perspectiva", conta a mãe.

Em sua resposta, Led disse concordar com Sarah. "Desde que Jake nasceu, eu vejo o mundo através de um conjunto de olhos diferente e mais claro. Posso dizer que foi uma verdadeira aventura", conclui o pai.