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Clube de Leitura da USP reúne idosos para discutir literatura e atualidades

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Imagem: Reprodução

Ana Prado

Colaboração para Ecoa, de São Paulo

10/06/2021 06h00

"Mas como ela é novinha!", exclamou alguém assim que esta repórter entrou na sala de reunião virtual na última quarta-feira (2) à tarde. Era o encontro semanal do Clube de Leitura para a Terceira Idade, realizado pela USP de Lorena, no interior paulista, desde março de 2019. "Você vai gostar, porque a nossa professora é nota 10", disse-me uma das alunas, apoiada efusivamente pelos colegas. "Ela é excelente", completou outra.

Os encontros começam oficialmente às 14h30, mas a sala fica disponível a partir das 14h15 para que os participantes possam conversar. Quando entrei, às 14h20, havia cerca de cinco alunas online - número que foi aumentando rapidamente e chegou a 16 naquela tarde.

"Oficialmente, estão inscritos 39 alunos, mas, como pode perceber, nem todos conseguem participar efetivamente das atividades. Na prática, tenho em média 20 pessoas por semana", explica a elogiada professora e coordenadora da atividade, Eliane Pedrozo.

Parte do USP 60+, programa da Universidade de São Paulo que oferece atividades para a terceira idade, o Clube de Leitura propõe atividades que estimulam o hábito de ler como forma de lazer em grupo. Com isso, além de combater a solidão, a ideia é que os participantes consigam adquirir novos conhecimentos, expor os sentimentos e trocar experiências.

Convite para um chá

A conversa inicial foi calorosa e incluiu convites para tomar chá ou um cafezinho com bolo na casa de algumas das alunas quando a pandemia acabar. Prestes a completar 73 anos, Ivonir Gonçalves Rodrigues Alves costuma ser a primeira a se conectar. Moradora de Lorena, ela já fazia parte do grupo antes da pandemia, quando os encontros ainda eram presenciais.

Na época, eles duravam pouco mais de três horas, com um intervalo para lanche e bate-papo, e contavam não apenas com residentes daquela cidade, mas também de outras próximas, como Guaratinguetá, Aparecida do Norte, Cachoeira Paulista e Cruzeiro.

Com os encontros virtuais, a duração passou a ser de pouco mais de duas horas, sem a pausa para o lanche. Pessoas de outros estados também passaram a participar, como Raimunda Lima Luz, de Goiânia. "Foi meu filho quem descobriu o clube e fez minha inscrição. Eu me aposentei há pouco tempo e ele não quer me deixar sem fazer nada", conta. "Estou amando, a turma é muito bacana e a professora, nem se fala!"

Para facilitar, o link da reunião é sempre o mesmo. Instruções, avisos e indicações de leituras, filmes e músicas são enviados por Eliane para o grupo que ela mantém com os alunos no WhatsApp.

Vários participantes entraram sozinhos na reunião, enquanto outros contaram com a ajuda de familiares. Foi o caso de Leni do Carmo. Assim que sua filha terminou de ajustar sua câmera, ela comentou animada: "Vamos lá! Esse dia é muito esperado. Eu estou amando esses encontros."

A maioria mantém a câmera ligada, a menos que haja alguma situação especial como a de Angela Maria de Morais. "Hoje estou com a minha neta e ela não dá sossego, então minha participação vai ser só ouvir mesmo", avisa. "Desejo a todos nós uma boa aula!", finaliza. Mesmo assim, Angela conseguiu fazer comentários no fim da aula - e até mostrou a netinha para a turma, que lhe fez muitos elogios. Animada, a menina distribuiu acenos para a plateia.

A turma reúne pessoas de formações variadas, mas também alguns escritores. "Temos várias pessoas que gostam de escrever, e são muito talentosas", conta a professora. A elegante Elza Francisco, por exemplo, foi apresentada pelas colegas como a poeta do grupo. "Aprendi a dançar com 50 anos, comecei a escrever com 56 e publiquei meu primeiro livro com 70. Gosto de escrever poemas. Na escola formal eu era muito criticada porque diziam que escrevia de forma muito literária", conta.

Ivonir completou as apresentações dizendo que a amiga é uma "ótima anfitriã" e costumava receber os alunos da "turminha da USP" quando as aulas eram presenciais: "O churrasco que ela dá na casa dela, e a recepção, é tudo fora de série", garante.

Um dos únicos homens naquele dia, Ismeraldo Pereira, de Ilhéus, na Bahia, também é autor publicado. O outro homem do grupo, Rafael Lancellotti, escreve poesia e até leu um trecho de sua autoria no fim da aula. Ismeraldo aprovou: "Ele deixou a criança interior sair. A humanidade precisa disso".

Literatura como ponto de partida

Participantes do Clube de Leitura da USP em encontro presencial antes da pandemia - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Participantes do Clube de Leitura da USP em encontro presencial antes da pandemia
Imagem: Arquivo Pessoal

A discussão naquele dia foi sobre Clarice Lispector. A professora falou sobre a vida da autora e foi apresentando sua obra aos poucos, mostrando trechos e algumas músicas que se relacionavam com eles. Os alunos eram convidados a compartilhar suas impressões e com frequência faziam conexões com temas atuais ou questões pessoais, como solidão, liberdade, machismo e até reality shows.

"Dentre os temas abordados, já trabalhamos com o amor e o sexo na terceira idade, a solidão, a família, as perdas, as amizades, a inclusão social da pessoa idosa, o racismo, a violência doméstica, o feminismo, avanços da tecnologia, planos para o futuro...", enumera Eliane.

Os temas que despertam maior interesse dos alunos muitas vezes são aprofundados com a participação de convidados na semana seguinte. Ela destacou duas dessas experiências: "Diante das dúvidas levantadas sobre questões de gênero, contamos com a participação de uma professora transgênero da própria universidade; e para falar sobre os desafios relacionados às causas feministas das jovens atualmente, convidamos as garotas de um coletivo", explica.

Uma química fã de literatura

Fã de literatura, Eliane é química de formação e professora doutora na Escola de Engenharia de Lorena da Universidade de São Paulo (EEL-USP). Além de dar aulas, ela mantém dois projetos de extensão universitária na USP: um relacionado à divulgação científica e o Clube de Leitura.

"Faltava um espaço em que os idosos pudessem criar um vínculo de amizade e cumplicidade, e debater assuntos desde a esfera íntima e pessoal até temas da sociedade, do nosso país e do mundo", conta. "Usei a literatura como um meio para promover esses encontros e o debate dessas questões", completa.

Os encontros deste semestre terminarão no dia 30 de junho, mas haverá uma nova turma no semestre que vem. Mais informações podem ser obtidas no site USP 60+.