Topo

Startup garante reciclagem de vidros e carteira assinada a catadores

Os coletores de materiais da Green Mining têm carteira assinada - Divulgação
Os coletores de materiais da Green Mining têm carteira assinada Imagem: Divulgação

Juliana Vaz

Colaboração para Ecoa, de São Paulo

10/06/2021 06h00

Talvez você já saiba que embalagens de vidro são 100% recicláveis e podem ser reaproveitadas infinitas vezes. O que provavelmente você nem imagina é que apenas 40% de todo vidro produzido por ano, no Brasil, tem esse destino. Isso porque há entraves no processo da logística reversa, a começar pela dificuldade de transporte. O vidro é um material pesado demais para que carroceiros transportarem por quilômetros, até os galpões das cooperativas de reciclagem.

Além disso, o valor pago no mercado de recicláveis é irrisório: cerca de R$ 0,10 a cada um quilo, de acordo com o relatório Ciclosoft 2020, da CEMPRE. Ou seja, esses 60% acabam em lixões e aterros, onde demorarão cerca de 4 mil anos para se decompor.

Por anos vendo recursos sendo enterrados em lixões e aterros sanitários, o empresário e consultor de planejamento e gestão de sistemas municipais de limpeza urbana Rodrigo Oliveira co-fundou a Green Mining, uma startup de logística reversa inteligente.

Ao lado dos sócios Adriano Ferreira e Leandro Metropolo, ambos desenvolvedores, os três se inscreveram em um programa da Ambev que buscava soluções para minimizar os impactos ambientais do vidro. O projeto-piloto deu resultados logo nos primeiros quinze dias. Isso foi lá em 2018. Hoje, 45% do vidro que a gigante de bebidas utiliza para novas garrafas vem daquelas coletadas pela Green Mining.

Só de recipientes de vidro, a startup já coletou, em dois anos, mais de 1,3 mil toneladas, evitando a emissão de cerca de 230 mil quilos de CO2.

Como funciona?

Esse trabalho é possível graças ao algoritmo que mapeia os locais de maior geração de resíduos pós-consumo, como bares e restaurantes. O sistema utiliza o conceito de "mineração urbana verde": a localização e recuperação de insumos que foram descartados, mas que ainda são úteis para reaproveitamento.

Rodrigo Oliveira, co-fundador da Green Mining - Divulgação - Divulgação
Rodrigo Oliveira, co-fundador da Green Mining
Imagem: Divulgação

De acordo com a Legislação de Resíduos Sólidos (a PNRS), a indústria que produz o material é quem paga pela recuperação de resíduos, mas a responsabilidade deve ser compartilhada. "Muitos desses estabelecimentos comentam sobre as experiências negativas que tiveram com a coleta seletiva municipal, como por exemplo, separar o lixo reciclável e depois viam os agentes misturando os materiais com o lixo comum. Isso afeta a credibilidade do serviço", conta Rodrigo.

O serviço oferecido pela startup inclui um coletor que, ao chegar ao local para buscar as embalagens (já separadas por tipo de material), pesa o conteúdo e registra os dados e imagens na plataforma da Green Mining. E isso sem custo adicional para os comerciantes, que apenas precisam continuar separando recicláveis do lixo comum. Para diminuir a emissão de CO2, os coletores usam veículos não motorizados para realizar as coletas, como triciclos.

Do comércio, o coletor segue então para as centrais de recebimento. Como as embalagens já foram separadas, não é preciso fazer triagem e a transportadora leva tudo direto para as usinas que irão reinserir esse material novamente na cadeia de produção.

A solução da startup deu tão certo que além de vidros, já trabalham com a coleta de outros materiais. "Para a Unilever, a gente coleta PEAD (polietileno de alta densidade), para a Deink Brasil, PEBD (polietileno de baixa densidade). Temos um projeto-piloto conjunto com a AkzoNobel e a Braskem para coletar baldes de plástico e latas de tinta", revelou Rodrigo.

Garrafas de cerveja na logística reversa da Green Mining - Divulgação - Divulgação
Garrafas de cerveja na logística reversa da Green Mining
Imagem: Divulgação

O caminho do vidro

O vidro é feito de areia, calcário, barrilha (carbonato de sódio), alumina (óxido de alumínio) e corantes ou descorantes. Essa mistura é levada para um forno industrial que atinge altas temperaturas (mais de 1.500ºC).

Como os insumos são abundantes não é mais barato fazer uma garrafa nova? Oliveira explica o processo:

A equação da reciclagem do vidro é difícil, mas veja, para fundir 1 tonelada de areia (dióxido de sílica) precisa de um forno com temperatura de 1.800ºC. Já para a fusão dos cacos de vidro, a temperatura é de 1.200ºC. Essa redução energética resulta, em média, no seguinte: a cada 6 toneladas de vidro reciclado, evita-se que 1 tonelada de CO2 vá para a atmosfera.

Fortalecendo os elos da cadeia logística

Os primeiros contratados foram selecionados após a capacitação fornecida pela Autoridade Municipal de Limpeza Urbana (AMLURB) de São Paulo para catadores, carroceiros, cooperados e pessoas em situação de rua.

"Enquanto todos os stakeholders das empresas de extração de materiais atendem às regras trabalhistas, com funcionários contratados legalmente, na ponta da cadeia em que estão os catadores, que não têm garantia nenhuma. São pessoas em uma condição tão vulnerável que se sujeitam a condições insalubres de buscar no lixo algum material para vender e conseguir um valor mínimo para comer naquele dia", diz Oliveira. A média de trabalho desses profissionais em cooperativas ou carroceiros é de 10 horas diárias e uma média de R$ 250 por mês. "Precisamos olhar para os catadores como olhamos para qualquer outro profissional", diz.

Jogar luz a esses trabalhadores é chamar atenção para que a indústria se responsabilize pelos elos dessa cadeia. Assim, os agentes coletores da Green Mining têm carteira assinada e carga horária de 6 horas respeitada. Felizmente nenhum corte foi feito devido à pandemia e afirmam não ter registrado caso de contágio pelo coronavírus.

Enquanto os comércios fecharam as portas, houve um aumento na demanda pela coleta seletiva em condomínios residenciais — atualmente a startup atende 180 deles. Para que a operação aconteça em outros condomínios, a Green Mining estima que o volume deve ser de 100 kg de vidro, mas cada caso é estudado individualmente.

"De repente, em vez de coletar semanalmente, podemos fazê-lo a cada 15 dias e chegar a esse total, pois nossa missão é engajar cada vez mais pessoas e transformar a coleta seletiva promovendo uma mudança socioambiental no país e no mundo", finaliza o cofundador da empresa.